Agroindústria melhora a vida no Paraguai
A chegada de dezenas de indústrias, com investimentos de US$ 800 milhões nos últimos cinco anos, está mudando a paisagem e o nível de vida do município de Villeta, a 45 quilômetros de Assunção.
Por Mario Osava, da IPS –
Villeta, Paraguai, 28/3/2016 – Trabalhei em muitas empresas, de construção, fertilizantes, químicas, mas nenhuma tão boa como esta”, disse Dario Cardozo, operador de recepção no Complexo Agroindustrial Angostura SA (Caiasa). O tratamento dado pelos donos e gerentes, “gente bem preparada”, o salário melhor e o ambiente de trabalho são as vantagens destacadas por este operário de 32 anos e dois filhos, um veterano entre os jovens que compartilham o controle dos caminhões que chegam do interior do país carregados de soja para a produção de óleo e farinha.
“Somos a cara da Caiasa”, destacou Cardozo à IPS para definir sua função à entrada do complexo, o maior processador de soja do Paraguai. Promover a descarga rápida de 500 caminhões por dia na época de colheita é uma tarefa fundamental, porque “para os caminhoneiros tempo é ouro”, afirmou. Contratado logo após o início das operações, em 2013, na localidade de Angostura, ele pôde construir sua casa em um bairro novo de Villeta, município onde fica o parque industrial em que está instalada a unidade processadora às margens do rio Paraguai.
A moradia é modesta, com paredes ainda sem reboque ou pintura, mas um grande passo para sua família, ressaltou o funcionário.“Antes vivíamos com meu sogro, que faleceu”, contou Lourdes Ramírez, mulher de Cardozo, contente pelo seguro-saúde e outros benefícios oferecidos pelo Caiasa. “O ônibus traz meu marido até a algumas centenas de metros de casa, mas quando chove o trazem até a porta”, acrescentou, diante de sua residência.
“Minhas vendas aumentaram, há mais dinheiro na cidade nos últimos anos, só neste quarteirão vivem três empregados do Caiasa”, declarou à IPS a comerciante Marina Cáceres, dona do Supermercado La Carapegueña 2, cuja sede principal, “do meu sogro”, fica na entrada da cidade.
Villeta, a 45 quilômetros de Assunção continua sendo principalmente um município rural. De seus estimados 40 mil habitantes metade ainda vive no campo, informou à IPS o prefeito Teodosio Gómez. Mas a chegada de dezenas de indústrias, com investimentos de US$ 800 milhões nos últimos cinco anos, está mudando a paisagem e o nível de vida desse município que fica no departamento Central.
Além do Caiasa, produto da associação de dois gigantes da agroindústria mundial, a corporação norte-americana Bunge e o grupo francês Louis Dreyfus, outra transnacional, a norte-americana ADM, também instalou uma unidade agroindustrial no município, atraente por ficar em um ponto do rio Paraguai com profundidade para receber as grandes barcaças, com capacidade superior a duas mil toneladas.
O resultado é “um índice mínimo de desocupação e violência”, afirmou o prefeito. Além de empregos diretos, as indústrias geraram mercado para os alimentos de produção local e variados serviços. A cidade, fundada em 1714 em torno de um porto fluvial, para o embarque principalmente de laranjas, hoje é o centro de uma economia diversificada, com pecuária, pequenos agricultores e a recente vocação de se tornar “capital industrial do Paraguai”, com a consequente proliferação de portos, comemorou Gómez.
Além disso, está em formação uma mão de obra local qualificada, nos níveis de operários, técnicos e gerentes para as indústrias. Megumi Kosaka, engenheira química de 28 anos, há 15 meses se capacita para estar em condições de assumir a condução de qualquer setor do Caiasa, desde a recepção da soja, sua análise de qualidade, a caldeira e o tratamento da água no processamento para produção de farinha, óleo e pallets de casca.
Tudo isso, “na teoria e na prática”, substituindo às vezes o chefe de um setor durante dias ou semanas. “Para mim é espetacular, vejo todas as operações, aprendo tudo, tenho a oportunidade de trabalhar com variados profissionais”, enfatizou Megumi. Mas sua área de preferência é a de produção. “As máquinas variam muito em operação, são seres vivos, que com pequenas ações nossas produzem algo diferente, em termos de qualidade do subproduto”, explicou a jovem.
“Se secamos muito, a soja racha, não gera todo óleo possível, é preciso saber a medida exata da umidade. É interessante ver as mudanças, o que rende mais”, pontuou Megumi. Filha de imigrantes japoneses, ela já trabalhou antes em uma pequena produtora de óleo. “Em uma unidade grande como o Caiasa, pagam um salário melhor para eu aprender, depois devolverei o que aprendi”, explicou.
O sonho de Megumi no longo prazo é “levar uma fábrica à Colônia Iguazú, onde vivem seus pais e 200 famílias japonesas”, no sudeste do Paraguai, perto da fronteira com o Brasil. Ali cultivam soja, mas sem processá-la, como acontece com 90% dos produtores paraguaios dessa oleaginosa. Uma moenda geraria empregos qualificados e a possibilidade de permanência dos jovens que estudam. Hoje, sem trabalho adequado, “eles partem”, lamentou a engenheira.
“A questão dos recursos humanos é vital no Paraguai e o Caiasa adotou a boa decisão de capacitar sua gente, um processo lento”, afirmou Julio Fleck, chefe de produção do complexo, que se encarregou de selecionar e treinar os operários e técnicos em um quadro de 200 pessoas. Foram reunidos operários de outras áreas, gente do comércio e alguns mecânicos ou eletricistas locais. “Enviamos todos à Argentina para a capacitação”, contou.
“Venho de uma escola distinta”, disse Fleck à IPS, se referindo ao trabalho anterior na Cooperativa Colônias Unidas, no sul do Paraguai, dedicada à agricultura diversificada e com uma pequena fábrica de óleo de variadas matérias-primas. Segundo o chefe de produção, que acompanhou a construção de todo o complexo desde 2012, “no Caiasa conseguiu “o foco” que buscava. “A indústria grande onde aprofundar seus conhecimento”, alcançando o máximo de produtividade.
“O bom no Caiasa é a oportunidade de melhoras em uma indústria moderna, nova, com muita automação. Mas exige definir prioridades entre as muitas fontes a serem atendidas”, ressaltou Fleck. Uma prioridade foi o combustível da caldeira. O fato de os pellets de casca, um subproduto da soja, carecerem de demanda suficiente no Paraguai e apresentarem deficiências de qualidade para sua exportação ajudou a elegê-lo como combustível, já que se descartava o uso de fontes fósseis.
Porém, o excesso de cinza gerada em sua queima afetava a produtividade da caldeira, ao encarecer a manutenção. Por isso também foi mantido o uso de lascas de madeira, uma opção inicial e sustentável, já que os fornecedores têm a certificação de que não praticam o desmatamento. O desafio é como melhorar a produtividade da caldeira com esses dois insumos, admitiu Fleck, engenheiro químico de 44 anos obcecado pela competitividade.
A logística, por exemplo, afeta a soja paraguaia e seus derivados na competição com a vizinha Argentina, mais próxima aos mercados importadores. Cercada por gigantes da produção de soja, Argentina e Brasil, a expansão do Caiasa depende do que farão esses competidores, pontuou Fleck. Os caminhoneiros, que são os trabalhadores mais numerosos entre os vinculados ao Caiasa, reconhecem que essa agroindústria lhes deu melhor remuneração, embora isso não aconteça agora, quando os preços da soja caíram muito no mercado internacional.
“Antes eu ganhava entre oito milhões e nove milhões de guaranis (US$ 1.400 e US$ 1.580) por mês, agora só consigo 3.500 (US$ 615)”, queixou-se Mario Ortellano, no estacionamento do Caiasa, enquanto esperava para descarregar seu caminhão.Mas sua alternativa, aos 41 anos e 13 como caminhoneiro, seria voltar à sua terra, Villa Rica, a 160 quilômetros de Assunção, e ao trabalho de operador de máquinas e empilhadeiras, ganhando apenas o salário mínimo, equivalente a US$ 315. Envolverde/IPS
*Segundo e último artigo sobre a indústria da soja no Paraguai.
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