Amigas da água a caminho do sucesso
Para garantir a segurança hídrica, mulheres indianas criaram o grupo especial “conselho da água”. Elas recensearam a população para calcular as necessidades hídricas de cada família. Apesar do compromisso e esforço dessas mulheres a principal dificuldade ainda são as sucessivas secas.
Por Stela Paul, da IPS –
Mamna, Índia, 9/3/2016 – Prema Bai, de 58 anos, abaixa a cabeça e movimenta sua cadeira de rodas na aldeia indiana de Mamna, que nas primeiras horas da tarde parece deserta, apesar de nela viverem 742 famílias e ficar no Estado de Uttar Pradesh, o maior e mais povoado da Índia. A severa seca obrigou todo homem e toda mulher com menos de 50 anos a abandonar Mamna nas últimas semanas, e só ficaram os adultos idosos e as mulheres com filhos pequenos.
“Pensaram que éramos como o gado, uma carga em tempos difíceis porque só comemos, mas não produzimos nada em troca”, lamentou Bai, cujos dois filhos emigraram com suas mulheres para Agra, que fica a 255 quilômetros de distância, onde agora trabalham em uma fábrica de tijolos. Mas estão equivocados. Apesar de paralisada da cintura para baixo, Bai trabalha com algumas vizinhas para acabar com a crise hídrica na aldeia. Vestidas de azul, como símbolo da água, as mulheres se batizaram de jal saheli (amigas da água, em língua hindi).
A Constituição indiana considera crime a discriminação de qualquer pessoa por sua casta ou religião. Mas em Mamna os integrantes das casas “superiores” concentram mais poder e direitos do que os dalits ou as comunidades tribais (como são conhecidos nesse país os indígenas).
Quanto à extração de água de poços, as mulheres dalits ou indígenas devem esperar que integrantes das castas superiores encham seus recipientes. Muitas vezes os homens destas últimas pegam água para regar ou para banhar o gado, sem se importar que elas esperem sua vez para levar água à sua família.
Em 2011, dentro de um projeto com fundos da União Europeia (UE), as mulheres dos grupos mais desfavorecidos, entre as quais também havia muçulmanas, de 110 aldeias em três distritos (Hamirpur, Lalitpur e Jalaun) começaram a denunciar a discriminação e a reclamar seus direitos às fontes de água locais.
“As aldeias são parte de uma região chamada Bundelkhand, onde as mulheres destinam entre três e cinco horas por dia à busca por água porque se acredita que é responsabilidade delas prover a família”, contou a ativista Satish Chandra, da organização Parmarth Seva Sevi Sansthan, que trabalha com comunidades marginalizadas e leva adiante o projeto da UE. “Acreditamos que só um movimento encabeçado por mulheres pode aliviar essa carga”, apontou.
Kunti Devi, outra jal saheli da aldeia de Mamna, disse que, como primeira medida para garantir a segurança hídrica, as mulheres criaram o grupo especial “conselho da água” e fizeram um mapa do lugar onde marcaram os pontos de extração, incluídos os canais de irrigação, riachos, poços, lagos e pântanos, bem como o estado em que se encontram.
A seguir, recensearam a população para calcular as necessidades hídricas de cada família. Também identificaram quem vivia longe das fontes de água e quem vivia perto. Por fim, realizaram um plano detalhado para limpar, recuperar e protegê-las do uso indiscriminado. “Chamamos nosso plano de segurança hídrica”, explicou Devi, acrescentando que ele “contém detalhes de nossas vulnerabilidades e medidas que devemos adotar para superá-las”.
No entanto, apesar do compromisso e de seu esforço, conseguir a segurança hídrica tem sido uma longa luta e, no momento, 34 aldeias conseguiram alcançá-la, afirmou Mavendra Singh, também capacitadora da Parmarth. As mulheres contam que a principal dificuldade é o fato de a região de Bundelkhand sofrer sucessivas secas.
Por exemplo, entre 1º de junho e 30 de setembro de 2015, o distrito de Lalitpur recebeu apenas 321,3 milímetros de chuva, 66% menos do que o habitual, segundo dados do Departamento de Meteorologia. Em novembro do ano passado, o governo de Uttar Pradesh declarou que os sete distritos da região haviam sofrido o impacto da falta de água.
A jal saheli Kamlesh Kumari, da aldeia de Dharaupur, declarou: “quisemos aprofundar o lago este ano, mas abandonamos o plano por causa da seca. As autoridades cavaram um poço para irrigar os campos de trigo. Em abril, quando os cultivos já não precisarem de irrigação, tiraremos água do poço e encheremos o tanque. Mas o calor faz com que a água evapore mais rápido do que o habitual, por isso temos que enchê-lo a cada duas semanas, mais ou menos”.
O rápido esgotamento da água subterrânea é outro motivo de preocupação na região. “Em 2011, quando começou a funcionar o projeto, o nível de água era de pouco mais de 18 metros. Quatro anos depois, diminuiu para três metros”, disse Chandra, da organização Parmarth.Algumas aldeias, como Bamoria, têm água encanada, graças à intensa pressão, mas a maioria ainda depende de poços com bombas manuais, instaladas pelas autoridades, para cobrir suas necessidades diárias desde que secaram os tanques e riachos.
Mas as bombas manuais quebram constantemente e as mulheres tiveram que aprender a consertá-las.“Os problemas mais comuns são engrenagem gastas, peças internas ou rolamentos soltos, o que torna instável o movimento. Agora resolvemos os problemas”, pontuou Kumari, ressaltando que,“só quando diminui o nível de água, é que dependemos das autoridades para que aprofundem o poço”.
Jayati Janta, da tribo Sahariya e também jal saheli, foi eleita há pouco tempo chefe do conselho de aldeia de Rajawan, apesar da dura oposição dos homens das castas superiores. Dois meses depois da eleição, Janta já implanta um plano de segurança hídrica que inclui a construção de um tanque de percolação para recarregar a água subterrânea na aldeia. “Todas as mulheres colaboram com seu trabalho”, destacou.
“Uma jal saheli conhece as dificuldades que as mulheres enfrentam para conseguir água. Se pudermos ter mais algumas em cargos públicos poderemos mudar essa região”, enfatizou Lalita Dube, também jal saheli, da aldeia de Bhadauna. Envolverde/IPS
*Este artigo se baseou em entrevistas com mulheres de mais de 20 aldeias. Além disso, a jornalista recorreu a um estudo documentado do projeto.
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