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sexta-feira, 26 de junho de 2009

DECISÕES JUDICIAIS ECOLÓGICAS EM SANTA CATARINA - (1)

Vistos etc.


Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra a COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO, alegando, em síntese, que desde o mês de março de 2005, a ré vem despejando esgoto diretamente no Rio Catanduvas, sem qualquer tipo de tratamento, fato este que vem causando diversos danos ao meio ambiente, sobretudo à malha fluvial que atravessa a área urbana.

Aduziu que no ano de 2007, a Polícia Ambiental realizou vistoria no local, sendo constatado que a ré não suporta a demanda de esgoto coletado, e que parte dos resíduos são despejados diretamente em curso d´água, ocasionando alterações na água, como coloração e mau cheiro.

Ao final, pugnou pela concessão da liminar determinando a imediata readequação do sistema de esgoto, consistente em abster-se a ré do lançamento in natura dos efluentes eventualmente coletados pela empresa no Município de Catanduvas, bem como abster-se de cobrar dos usuários a tarifa de esgoto enquanto não provada pela demandada, através de perícia designada por este juízo, a efetiva prestação de serviço de esgotamento sanitários de acordo com a legislação ambiental. Juntou documentação (fls. 02/262).

Relegada a apreciação da ordem liminar, foi determinada a citação da ré (fl. 264).

Em sua defesa, a requerida requereu a denunciação do Município de Catanduvas e do Estado de Santa Catarina. Aduziu que as ações e políticas públicas de saneamento constam como programáticas e se atrelam à reserva do possível, na existência da disponibilidade de investimentos, sejam particulares ou públicos. Sustentou que não condiziria com a verdade a alegação do Ministério Público de que vem despejando esgoto diretamente no Rio Catanduvas sem qualquer tipo de tratamento, tampouco de que não existe tratamento de esgoto no Município de Catanduvas.

Por fim, alegou a inexistência de prova da regularidade do laboratório que produziu as análises, assim como o não preenchimento dos requisitos para concessão das medidas liminares (fls. 271/294).

Réplica às fls. 297/306.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório necessário.

DECIDO.

O surgimento do direito ao meio ambiente e dos demais direitos fundamentais de terceira geração é assim explicado pela doutrina:

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano, mesmo num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade correta. Os publicistas e os juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante do coroamento de uma evolução de trezentos anos dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 569).

O art. 225 da Constituição da República também dispõe que incumbe "ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." O art. 23, caput, VI, estabelece, ainda, a solidariedade de todos os entes do Poder Público para a proteção do meio ambiente e o combate a todas as formas de poluição.

É cediço que o direito ao meio ambiente equilibrado está intrinsecamente ligado ao direito fundamental à vida, motivo pelo qual a Constituição da República consagrou notadamente os princípios da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador:

Frente ao atual conceito de proteção ambiental trazido pela CRFB, percebe-se a importância atribuída à antecipação no que tange ao controle do risco de dano, notadamente com a aplicação dos princípios. O princípio da prevenção tem seu âmbito gravitacional dirigido às hipóteses em que se pode vislumbrar um perigo concreto, ou melhor, onde o risco de dano é mais palpável. O princípio da precaução, por sua vez, atua no caso de perigo abstrato, hipóteses em que não se pode ter noção exata das conseqüências advindas do comportamento do agente. Por este viés, é preferível o adiamento temporário das atividades eventualmente agressivas ao meio ambiente, a arcar com os prejuízos em um futuro próximo, ou ainda, pleitear reparação dos danos, a qual, nesta seara, torna-se normalmente complicada e, muitas vezes, ineficiente. (AI n. 04.002441-0, relator o Des. VOLNEI CARLIN). [sublinhado]

Assim, considerando que os princípios do Direito Ambiental são basicamente preventivos, o licenciamento de uma atividade pelo Poder Público - máxime daquelas situações que por sua natureza são passíveis de ensejar agressão ao meio ambiente e à saúde pública - é de incontestável interesse público.
Verifica-se que consta dos autos da Ação Penal n.º 218.07.001030-2 (fl. 37), onde é ré a CASAN, cópia de uma Licença Ambiental de Operação, datada de 5 de março de 1998.

Contudo, consta destes autos que em duas oportunidades foram realizadas vistorias pela Polícia Militar de Proteção Ambiental no local dos fatos, demonstrando, inclusive com fotografias (fls. 102/103 e 108/110), o estado precário e potencialmente danoso ao meio ambiente do sistema de esgoto oferecido pela ré no lugar onde são despejados os resíduos sem qualquer tipo de tratamento.

Na primeira oportunidade, foi instaurado o IP n.º 218.05.00440-4. Efetuada a vistoria e inspeção pela Polícia Militar de Proteção Ambiental em 10 de março de 2005 (n.º 020/13º PEL/CPPA/2005) constatou-se que:

Nos sistema de tratamento CASAN, Linha Banhado Grande às margens da BR 282, parte do esgoto não está sendo tratado adequadamente e vindo a ser lançado direito no rio Catanduvas, sem o devido cuidado, com isso o esgoto urbano foi se acumulando às margens do riacho e provocando mal cheiro no local. Segundo informações do Sr. Genoir Fávero, funcionário da empresa CASAN, o sistema de tratamento de esgoto encontra-se saturado (ineficiente), pois o sistema de filtragem desde a sua implantação não realiza o processo de purificação adequado dos efluentes (Esgoto de pia e sanitários), sendo lançados os mesmo em curso d´água na forma que dão entrada no sistema de tratamento. (fl. 27)

Compulsados os autos n.º 218.07.001030-2 (Ação Penal) que move a Justiça Pública contra a CASAN e MAURO ANTONIO NOVELLO, sobre os mesmos fatos do presente processo, verifica-se também o Auto de Constatação n.º 168/13º Pel PMA/2007, realizado na data de 30 de maio de 2007, merecendo referência ao relatório final:

Foram realizadas a coleta de três amostras d´água do curso d´água (a montante, no local e a jusante) e foram encaminhadas ao Laboratório de Análise de Saneamento e Água da Fundação Universidade do Oeste de Santa Catarina, em Joaçaba. No dia 11 de junho de 2007, o Laboratório de Análise de Saneamento e Água, expediu Boletins de Análise de Água, assinados pelo Químico, CRQ 13100631, José Carlos Azzolini, bem como o formulário de resposta aos quesitos formulados, nos quais deixa caracterizado a contaminação da água por lançamento de esgoto doméstico. Conforme parecer a água está contaminada, estando imprópria para consumo humano conforme a legislação vigente. (fl. 22 dos autos n.º 218.07.001030-2).

Dos autos mencionado acima, colaciona-se a conclusão final dada pelo Químico JOSÉ CARLOS AZZOLINI em resposta aos quesitos referentes aos Boletins de Análises do Termo de Coleta, in verbis:

Conclui-se, com base nos resultados obtidos através de análises efetuadas no Laboratório de Águas e Saneamento, que a água coletada no local do despejo não se encontra com padrões aceitáveis para consumo humano, sendo necessário tratamento convencional prévio, segundo Resolução 357/ do CONAMA e Decreto Estadual n.º 14.250/81. Os altos valores de DBO5, nitrogênio amoniacal, tensoativo aniônico e o perfil bacteriológico das três amostras, coletada no local do despejo, a montante e a jusante indicam contaminação por matéria orgânica, podendo ser causada por lançamento de esgoto doméstico. (fl. 15 dos autos n.º 218.07.001030-2)

Por fim, na data de 4 de julho de 2007, foi realizada ainda mais uma nova vistoria e inspeção pela Polícia Ambiental (Auto de Constatação n.º 0213/13º Pel PMA/2007), constando do relatório final:

A empresa Companhia Catarinense de Saneamento e Águas – CASAN não suporta a demanda de esgoto coletado, onde parte dos resíduos são despejados diretamente em curso d´água. Os resíduos oriundos do sistema de coleta de esgoto urbano, despejados diretamente no curso d´água, ocasionaram alterações na água que podiam ser visualizadas a olho nu, como: coloração da água, mau cheiro e ajuntamento de matéria orgânica na água. (...) No dia 4 de julho de 2007, o Laboratório de Análise de Saneamento e Água expediu Boletins de Análise de Água, assinados pelo químico, CRQ 13100631, José Carlos Azzolini, bem como o formulário de resposta aos quesitos formulados, que deixa caracterizada a contaminação da água por lançamento de esgoto doméstico. Conforme parecer, a água está contaminada, estando imprópria para consumo humano conforme a legislação vigente. (fls. 111/112)

Ressalte-se que o problema vem se arrastando desde o ano de 2005, ou seja, passados quase 4 anos, ainda não foram tomadas quaisquer providências suficientes para que o tratamento do esgoto fosse efetiva e totalmente implementado pela empresa ré, conforme faz prova a inspeção pessoal realizada por este Magistrado no local dos fatos (fls. 313/315).

Indubitavelmente tal absurdo está afetando a qualidade de vida daqueles que residem próximos ao local, bem como de todo o meio ambiente, pois os dejetos são despejados em meio à malha fluvial do Rio Catanduvas que atravessa o município, contaminando a água e o solo, sendo sabido que tal recurso hídrico serve à captação do sistema de abastecimento de Concórdia.

Assim dispõe o art. 225 da CR: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações".

Em casos análogos, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região acerca da necessidade de intervenção do Poder Judiciário em razão de omissão na implantação de políticas públicas responsáveis por lesões aos direitos fundamentais dos cidadãos, mutatis mutandis:

ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. RODOVIAS FEDERAIS. CRONOGRAMA DE RESTAURAÇÃO. SINALIZAÇÃO. VINCULAÇÃO. I – A intervenção do Judiciário em questões administrativas é cabível apenas em áreas alheias à margem de discricionaridade do administrador, aquele legitimidade ao juízo de oportunidade e conveniência quanto à atuação da Administração, em que se considera os recursos disponíveis, normalmente escassos, e as inúmeras necessidades. Tais áreas de intervenção admissível são, justamente, as da competência vinculada, em que a conduta da Administração é ditada pelo ordenamento jurídica e pelas normas, regras ou princípios, que o compõem. II – Considerando que a segurança e a saúde dos administrados e usuários de rodovias, bem como a integridade do patrimônio público que representam, são valores jurídicos tutelados pelo ordenamento, é de se concluir que atos tendentes a fragilizá-los ou vulnerá-los violam o sistema e extrapolam a discricionaridade. Assim, a apresentação de cronograma de conservação e/ou restauração e a regularização da sinalização, vertical e horizontal, das rodovias em debate, em sendo determinadas pelo Judiciário, são medidas que buscam corrigir o desvio de conduta vinculada esperada da Administração. O inaceitável é que o Juiz venha exigir da Administração a restauração deste ou daquele trecho, fazendo as vezes de administrador, tal só se admite em casos em que o estado de conservação exponha os usuários das rodovias, notória e indubitavelmente, a risco de vida. Não é o caso debatido. III – Presentes os requisitos legais que ensejam a antecipação dos efeitos da tutela, dá-se parcial provimento ao agravo de instrumento. Prejudicado o agravo regimental. (TRF 4ª Região, AI 2002.04.01.056347-4/RS, 4ª Turma, Rel. Juiz Federal VALDEMAR CAPELETTI).

Ademais, é sabido que é possível a concessão de medida liminar desde que presentes os requisitos, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora, o primeiro caracterizado pela relevância do fundamento do pedido e o último pela perspectiva de um "dano irremediável ou do perigo de que a situação de fato se altere de modo a tornar ineficaz o provimento final." (VICTOR A. A. BONFIM MARTINS. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 12, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 127).

O perigo na demora está evidenciado, pois restou caracterizado mediante laudos colacionadas aos autos o prejuízo causado ao meio ambiente com a contínua evacuação de dejetos no leito do Rio Catanduvas.

No tocante à fumaça do bom direito, sempre bom lembrar a lição do mestre HUMBERTO TEODORO JÚNIOR no sentido de que "incertezas ou imprecisões a respeito do direito material do requerente não podem assumir a força de impedir-lhe o acesso à tutela cautelar. Se, à primeira vista, conta a parte com a possibilidade de exercer o direito de ação e se o fato narrado, em tese, lhe assegura provimento de mérito favorável, presente se acha o fumus boni iuris, em grau suficiente para autorizar a proteção das medidas preventivas." (Curso de Direito Processual Civil, v. II. 16º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 372).

Nesse sentido, tal comprovação não merece maiores digressões, porquanto evidente a ilegalidade da atividade que vem sendo exercida pela ré, ante a manifesta atividade poluidora.

Quanto ao pedido de ordem liminar do Ministério Público, a CASAN insurge-se nos seguintes termos: "As ações e políticas públicas de saneamento constam como programáticas e se atrelam na reserva do possível, na existência e na disponibilidade de investimentos, sejam particulares ou públicos, oriundos da União, dos estados e dos municípios, ante a comum competência constitucional. (...) Portanto, Excelência, a atuação estatal está atrelada à existência de recursos financeiros, não se podendo punir aqueles que com parcos recursos, envidam os melhores esforços para mudar o caótico cenário nacional na matéria." (fls. 276/277).

Ocorre que, em tempos atuais, a degradação do meio ambiente não pode ficar a mercê da espera da correta aplicação das receitas públicas, haja vista que o presente processo foi iniciado em maio do ano de 2008, fruto de trabalho prévio que remonta muitos anos no passado, como já dito, sendo que até o presente momento nada foi realizado de concreto, conforme informa o próprio réu.

Ademais o serviço público prestado pela empresa estatal é pago pela população, de forma que o argumento da reserva do possível não parece crível, quando se sabe das reclamações dos usuários acerca das altas tarifas de esgoto.

Sendo assim, infelizmente, ao que tudo indica, e conforme bem mencionado pelo Ministério Público, o problema só terá resolução efetiva, quando imposta a obrigação de fazer com cominação de multa por descumprimento.

Não se olvide, ainda, que é de conhecimento público a propaganda inverídica promovida pela CASAN, retratada pela matéria jornalística juntada à fl. 312, onde a empresa invoca a qualidade de "modelo" de tratamento de esgotos, o que pode evidenciar, inclusive, a má-fé do agente público MAURO NOVELLO que já é, frise-se, processado criminalmente, pelos mesmos fatos.

Por fim, tenho que o fato do serviço estar sendo encampado pelo Município de Cantaduvas não impede a concessão da tutela almejada liminarmente, pois a petição à fls. 311 indica o que de fato vem ocorrendo nesta altura dos acontecimentos: gestão compartilhada do serviço, onde o Município de Catanduvas segue inerte, refém do arbítrio da CASAN.
Em ultima análise, incide sobre o responsável pelo dano histórico noticiado a obrigação de repará-lo e fazê-lo cessar, como inerente a sua função institucional obviamente, independente de qualquer processo de encampação ou posterior integração de outro ente público no pólo passivo da demanda.

Ante o exposto, concedo a liminar pleiteada e, em conseqüência, determino o início da readequação provisória do sistema de lançamento de esgoto no Rio Catanduvas, no prazo impreterível de 15 (quinze) dias. Fixo o prazo de 30 (trinta dias) para o início de medidas definitivas, e ainda o prazo de 6 (seis) meses para a entrega da ETE em situação plena de eficiência. Fixo pena de multa para caso de descumprimento de quaisquer das condições desta decisão liminar na pessoa do Superintendente Regional de Negócios no Oeste, PAULO OSCAR CHRIST, com fulcro no art. 11 da Lei n.º 7.347/85, em R$100,00 (cem reais) por dia de atraso, até o limite de R$100.000,00 (cem mil reais), a serem revertidas para o Fundo de Reparação dos Bens Lesados.

Intime-se pessoalmente PAULO OSCAR CHRIST para que promova o cumprimento desta decisão, sob pena da multa lhe ser cobrada, porquanto inútil onerar os cofres públicos, que não têm capacidade volitiva.

Intimem-se.
21 de maio de 2009.

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