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domingo, 31 de outubro de 2021
COP26: O que há de novo no Acordo sobre Florestas?
Por Cínthia Leone, Instituto ClimaInfo
No que se refere às árvores, um acordo sobre florestas é esperado na terça-feira, 2 de novembro, durante a Cúpula Mundial de Líderes. Abaixo está um resumo do que pudemos apurar sobre este acordo:
O que há de novo no Acordo sobre Florestas?
O acordo recomprometerá os países a deter e reverter a perda e degradação das florestas até 2030. Esta promessa já tinha sido feita na declaração de Nova Iorque sobre florestas em 2014. A novidade é que este acordo estabelecerá pela primeira vez um pacote de medidas para ajudar a cumprir essa meta, o que incluirá:
Povos Indígenas: Um compromisso de proteger as comunidades indígenas como guardiãs do mundo natural e um pacote específico de apoio de fontes públicas e filantrópicas. Espera-se ainda que os anúncios de financiamento público incluam novos financiamentos para proteger especificamente a Floresta do Congo. Um resumo sobre o papel crítico dos povos indígenas para proteger as florestas está aqui.
Finanças: Vários agentes financeiros públicos e privados devem enfatizar seus compromissos para combater o desmatamento, incluindo o anúncio de portfólios livres de desmatamento. Também são esperados anúncios adicionais sobre a iniciativa LEAF – uma parceria público-privada que busca mobilizar pelo menos US$ 1 bilhão para proteger as florestas.
Sinais regulatórios: Legisladores e reguladores devem destacar os riscos materiais associados ao desmatamento, e é provável que haja sugestões de endurecimento de medidas regulatórias. Também é possível que sejam anunciadas novas legislações destinadas a garantir que as cadeias de abastecimento internacionais estejam livres do desmatamento – o que já está em consideração na União Europeia, EUA, e Reino Unido.
Comércio internacional e cadeias de fornecimento: O acordo provavelmente fornecerá mais detalhes sobre as iniciativas existentes que reúnem grandes produtores e grandes consumidores de produtos ligados ao desmatamento, como carne bovina, soja e óleo de palma. Por exemplo, o Fact Dialogue (Floresta, Agricultura e Comércio de Commodities), supervisionado pelos governos britânico e indonésio, deve apresentar um roteiro voluntário para reduzir o desmatamento de commodities impulsionado pelo desmatamento.
Quem apoia o Acordo?
A União Europeia, a Indonésia e a República Democrática do Congo estão entre as partes que já concordaram em apoiar um acordo com essas bases. O Brasil está entre os governos federais que alegadamente ainda não sinalizaram positivamente para a assinatura, mas partes do acordo são ativamente apoiadas por empresas brasileiras, governos estaduais e organizações da sociedade civil.
O acordo será efetivo?
O Forest Deal parece ser um grande passo à frente em termos de escala e qualidade da resposta internacional ao desmatamento. Com ele, mais países passam a estar envolvidos em discussões sobre como parar o desmatamento, mais recursos estarão disponíveis de fontes públicas e privadas, e uma gama de ferramentas políticas, de regulamentação e financeiras passam a ser colocadas em prática para enfrentar o problema.
O acordo está em grande parte focado na prevenção do desmatamento. Embora este seja um primeiro passo essencial, muitos especialistas dizem que esta é apenas uma parte da solução e enfatizam a necessidade de apoio aos países para fazer a transição para economias mais sustentáveis que proporcionem benefícios sociais e econômicos para as milhões de pessoas que vivem dentro e ao redor das florestas.
Por que um acordo sobre florestas está sendo buscado na COP26?
As florestas desempenham um papel fundamental na regulação do clima local, nacional e global. Elas absorvem dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, ajudando a manter a temperatura média global mais baixa. De acordo com o World Resources Institute, florestas absorvem atualmente 30% de todas as emissões de CO2.
O desmatamento significa que menos CO2 é absorvido, ao mesmo tempo em que mais emissões são feitas, especialmente em regiões tropicais. Isto porque as florestas liberam o carbono armazenado naturalmente quando a madeira é queimada, quando as árvores morrem ou quando são deixadas para apodrecer depois de terem sido cortadas. Entre 2019-20, a perda florestal tropical emitiu 2,6 bilhões de toneladas métricas de CO2, equivalente às emissões anuais de 570 milhões de automóveis.
De acordo com o IPCC, todos os cenários para limitar o aquecimento a 2°C neste século dependem de reduções no desmatamento e na degradação das florestas. O IPCC também constatou que proteger as florestas existentes é uma maneira mais rápida, melhor e mais barata de estabilizar o clima global do que o plantio de novas árvores.
Além de alimentar a crise climática global, o desmatamento tem um grande impacto sobre o clima e temperatura locais e padrões de chuva regionais. Por exemplo, na Amazônia brasileira e no Cerrado, o desmatamento está levando a temperaturas mais altas, estações secas mais longas e estações chuvosas mais curtas.
Biomas em destaque nas negociações do Forest Deal:
Amazônia: a maior floresta tropical do mundo é um enorme sumidouro de carbono, armazenando o equivalente de quatro a cinco anos de emissões humanas de carbono. O desmatamento, em grande parte alimentado pela expansão da pecuária e da soja, atingiu níveis recordes pelo terceiro ano consecutivo em 2021 no Brasil. Isto está minando a capacidade da Amazônia de agir como um sumidouro de carbono e empurrando-a perigosamente para perto de um ponto de viragem – o tipping point – a partir do qual o bioma não será capaz de se autorregular.
Bacia do Congo: as árvores da segunda maior floresta tropical do mundo absorvem cerca de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 a cada ano. Mas o calor extremo e a seca causados pela mudança climática estão afetando a capacidade do bioma de absorver carbono. O desmatamento é impulsionado em grande parte por agricultura, infraestrutura e extração de madeira. No ritmo atual, estima-se que toda a floresta primária poderá se perder até o final do século.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/10/2021
COP26: apenas mais uma Conferência do Clima?
por JUACY DA SILVA.
O que é a COP-26 e qual a sua importância para conter, enquanto é tempo, as mudanças climáticas, o aquecimento global e a emergência climática de que milhares de cientistas tem alertado
“O mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta terra com a mesma dignidade. Como comunidade, temos o dever de garantir que cada pessoa viva com dignidade e disponha de adequadas oportunidades para o seu desenvolvimento Integral. Deus deu a terra a todo gênero humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém” (Papa Francisco, Fratelli Tutti, 218 e 219)
“Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza” (Papa Francisco, Laudato Si, 139)
Estamos `as vésperas da COP 26 – mais uma Conferência do Clima, que reunirá em torno de 200 Autoridades, a grande maioria ou quase a totalidade, com poucas ausências, de Chefes de Estado, Chefes de Governos, e milhares de outros participantes. líderes empresariais, religiosos, militantes de ONGs (Organizações não Governamentais), movimentos sociais, em Glasgow, na Escócia, Reino Unido, de 31 deste mês de Outubro até 12 de novembro próximo (2021).
O grande objetivo ou o que os estudiosos têm denominado de objetivo estratégico é analisar o que os países, principalmente os maiores poluidores do planeta tem feito para cumprirem as metas que firmaram no Acordo de Pais em 2015, para que o aquecimento global/temperatura média da terra, não ultrapasse 1,5 graus, em relação ao que existia no início do período de industrialização, há 170 anos.
O que se busca é que seja realizado um debate franco, honesto, sem mentiras e fake news, sobre o que cada país, realmente, está realizando para enfrentar o aquecimento global e a EMERGÊNCIA CLIMÁTICA, antes que o “ponto do não retorno”, ou seja, o nível de degradação dos ecossistemas, da destruição da biodiversidade e o aquecimento global atinjam níveis intoleráveis, tornando praticamente impossível todos os tipos de vida, inclusive a vida humana, no Planeta Terra, denominado de “Nossa Casa comum”, pelo Papa Francisco.
O que é a COP-26 e qual a sua importância para conter, enquanto é tempo, as mudanças climáticas, o aquecimento global e a emergência climática de que milhares de cientistas tem alertado os governantes, os empresários, a população e, enfim, o mundo?
A COP-26 é mais uma reunião, como suas congêneres anteriores há mais de duas décadas, sob os auspícios e coordenação da ONU, entre representantes das partes, ou seja, dos países que há décadas vem se comprometendo e não cumprindo integralmente com metas que evitem uma catástrofe anunciada em relação `as condições de vida no planeta.
Desde 2015, quando quase duas centenas de países firmaram o ACORDO DE PARIS, que todos os anos os representantes de governos, de todos os matizes políticos e ideológicos, sistemas econômicos, políticos e sociais, além de representantes de movimentos sociais, ONGs, mundo empresarial, líderes religiosos, cientistas, pesquisadores se reúnem para avaliarem as ações e omissões que os países têm realizado ou deixaram de realizar quanto `as metas acordadas.
Mesmo que o Papa Francisco, líder espiritual e pastor de mais de 1,34 bilhão de fiéis, onde estão incluídas pessoas comuns e também governantes, empresários, espalhados por todos os continentes e países, não possa comparecer, a Delegação que representará o Vaticano e a Igreja Católica, estará presente e participará das discussões da COP-26.
Outro líder mundial que deverá comparecer é o atual Presidente dos EUA, Joe Biden que, diferentemente de seu antecessor Donald Trump que chegou a retirar o segundo país que mais polui do Acordo de Paris, o atual presidente decidiu recolocar o seu país novamente nos trilhos das discussões climáticas, além de ter e dar certa ênfase em transformar a economia americana em uma economia verde.
Diversos outros países continuam com suas economias baseadas em matrizes energéticas que utilizam combustíveis fósseis, principalmente a China e índia ou na destruição e queimadas de suas florestas, como o Brasil e a Indonésia, terão muitas dificuldades para convencerem os demais participantes de que estejam, realmente, cumprindo as cláusulas e metas do Acordo de Paris.
Talvez seja por isso, que o Presidente Bolsonaro não chefiará a delegação brasileira, que deverá comparecer `a COP-26, praticamente de mãos vazias, pois em vez de o Brasil realizar as ações e metas com as quais o país se comprometeu em 2015, no Acordo de Paris, a preocupação do atual governo foi “flexibilizar” os sistemas de controle e fiscalização, sucatear os organismos responsáveis pela área ambiental, enquanto deixava e continua deixando “a boiada passar”.
Sabemos e esta realidade, do aquecimento global, das mudanças climáticas, da destruição da biodiversidade, do aumento das catástrofes naturais que tem origem na ação humana, já tem sido constatada por inúmeros estudos e em alertas constantes por milhares de cientistas, de que os modelos econômicos, sociais, políticos e culturais baseados no uso intensivo de combustíveis fósseis (Petróleo, Carvão e Gás Natural), ao lado do desmatamento/destruição de todas as florestas, não apenas as tropicais que ainda restam, em todos os países e biomas; do uso de um sistema de transporte , também baseado em fontes sujas de energia, altamente poluidora; do consumismo, desperdício e descarte que aumentam assustadoramente, em ritmo muito maior do que o crescimento populacional e das taxas de urbanização, gerando mais lixo, resíduos sólidos, tornando os cursos d’água, córregos, rios, baias e os oceanos na maior lixeira do planeta, tem acarretado níveis alarmantes de poluição do ar, das águas e do solo e, como consequência, a emissão em níveis intoleráveis de gases de efeito estufa e todas as demais formas de poluição.
Quando se trata da destruição do planeta, em relação `a geração e emissão de gases poluentes, os chamados gases de efeito estufa, responsáveis diretos pelo aquecimento do planeta, pelas mudanças climáticas, pela elevação da temperatura dos oceanos, pela perda e destruição da biodiversidade, ou seja, a vida no planeta e a degradação generalizada que estamos assistindo em todo o mundo, nem todos os países são igualmente responsáveis por este processo catastrófico.
O aquecimento global pode ser observado ou analisado de duas perspectivas, a primeira é a quantidade ou volume de gases de efeito estufa que estão concentrados na atmosfera e que foram produzidos ao longo do processo de industrialização, em quase dois séculos e a segunda, é o volume anual de gases poluentes que os países continuam produzindo a cada ano.
O volume desses gases poluentes atualmente “estocado” na atmosfera é de 412,5 partes por milhão de dióxido de carbono em 2020, conforme dados coletados por cientistas do Observatório Oceanográfico e atmosférico dos EUA.
Os países que lideram o ranking histórico dessas emissões são os EUA (20,3%); China (11,4%), Europa (10,5%); Rússia (6,9%), Brasil (4,5%). Neste contexto o nosso país é o sexto país que mais contribuiu para este acúmulo de gases de efeito estufa. Enquanto os países Europeus, Asiáticos (China, Japão, Coreia do Norte e Índia), EUA e Canadá emitiram esses gases oriundos do uso de combustíveis fósseis, o Brasil e a Indonésia, por exemplo, produziram mais de 80% das emissões de gases poluentes na atmosfera, oriundos do desmatamento, queimadas e uso da terra para atividades agropecuárias ,extração de madeiras ou grandes represas hidrelétricas e, em menor nível que a poluição urbana e industrial.
Entre 1850 e 1920 houve um aumento de 85% de acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, sendo que parte deste volume, são absorvidos, sequestrados pelos oceanos e pelas florestas. Assim, `a medida que o desmatamento e queimadas se intensificam e a poluição e destruição da biodiversidade, inclusive marinha e lacustre aumentam, este mecanismo de sequestro perde sua eficácia e os gases sequestrados da atmosfera e que estavam “estocados no solo ou nos oceanos, acabam novamente retornando para a atmosfera, jantando-se a outros bilhões de toneladas de gases de efeito estuda que continuam sendo produzidos por todos os países, principalmente, pelos 15 ou 20 países que mais continuam poluindo o planeta.
Entre 1850 e 2020, fruto do processo de crescimento econômico, principalmente da industrialização e atividades conexas, ao todo foram produzidos cerca de 2,5 bilhões de toneladas de CO2 (GtCO2). Com isso, restam apenas 500 GtCO2 do “orçamento de carbono”, o limite máximo para que as médias de temperaturas do planeta possam ficar abaixo dos 1,5ºC de aquecimento, como previsto pelo Acordo de Paris.
Durante o período da pandemia do coronavírus, com uma queda significativa das atividades econômicas na maioria dos países, houve uma certa “trégua” em relação `a emissão de gases poluentes na atmosfera. Todavia, com a retomada das atividades econômicas de forma mais acelerada no pós pandemia e tendo em vista que pouca coisa mudou em relação `as práticas econômicas e sociais, com certeza o ritmo de poluição do planeta vai continuar e Talvez aumentar, com maior intensidade do que em anos recentes, frustrando as expectativas quanto ao alcance do Acordo de Paris e da COP-26.
Todavia, apesar dos vários acordos climáticos e diversas conferências mundiais sobre desenvolvimento e meio ambiente, sobre sustentabilidade e outras preocupações afins, firmados por praticamente todos os países, inclusive pelos que mais continuam poluindo o planeta, praticamente a grande maioria das metas acordadas tem ficado apenas no papel e o mundo, principalmente as lideranças politicas e empresariais da maioria dos países, continuam fingindo que estão agindo para melhor cuidar do planeta (a nossa casa comum).
As emissões de gases de efeito estufa, ligadas ao uso de combustíveis fósseis e o uso da terra, praticamente quadruplicaram nos últimos 60 anos e aumentaram quase 12 vezes no século passado. “O 0,2 GtCO2 liberado em 1850 equivale a apenas 0,5% dos cerca de 37 GtCO2 que provavelmente serão emitidos em 2021”, revelam os dados dos relatórios mais recentes sobre o clima Isto demonstra que tem havido muito blá, blá, blá nesses encontros e nos acordos firmados entre os países, pouca coisa de concreto tem sido feita que promovam mudanças significativas nesta caminhada rumo `a destruição do planeta e todas as formas de vida.
Dados do Atlas de Carbono, de 2017, indicam que A china é o país que, atualmente, mais polui o planeta com 28% da emissão do total de gases de efeito estufa lançados na atmosfera; seguindo-se EUA 14%; Índia 7%; Rússia 5%; Japão 3%; Alemanha 2,8%; Coreia do Sul e Irã (2% cada), e outros 7 países, incluindo Brasil que ocupava a 13a. posição, com volumes que variam entre 1,0% e 1,5%.
Esses quinze maiores poluidores do planeta são responsáveis por 83% do volume desses gases tóxicos que estão destruindo a camada de ozônio, produzindo o aquecimento global do planeta e gerando a emergência climática que está batendo `as nossas portas, gerando todas as crises socioambientais, tornando a vida em geral e a vida humana em particular, praticamente impossível, enquanto as discussões sobre o clima se arrastam e diversos países teimam em continuar imaginando que o crescimento econômico baseado em combustíveis fósseis e na degradação dos ecossistemas e biomas não tem consequências universais ou que cada país pode, soberanamente, continuar destruindo o planeta.
Coerente com o que vem falando e insistindo em relação `a ecologia integral e a necessidade de um melhor cuidado com a criação, com o bem comum, com as futuras gerações, com a vida no planeta foi que, para preparar a contribuição do Vaticano a ser apresentada na COP-26, o Papa Francisco reuniu-se recentemente com diversos outros líderes religiosos e cientistas em Roma.
Cuidar do planeta e combater a crise socioambiental que se abate sobre todos os países não é uma questão meramente tecnológica, econômica e financeira, mas, fundamentalmente, uma questão ética, moral, cultural e humana, por isso todas as pessoas são chamadas a participar dessas discussões e das ações que possam transformar os modos de produção, as relações de trabalho, as politicas públicas, as atitudes e comportamentos que levam `a destruição do planeta.
A ênfase do documento do Vaticano e de outros países participantes da COP-26, é no sentido de que os países ricos ou de renda média, como o Brasil e outros mais, ou seja , os 15 países ou o G-20 que mais poluem o planeta devem promover mudanças profundas e radicais em seus modelos econômicos, de trabalho, de uso dos recursos naturais e respeitarem mais os limites do planeta.
Outro aspecto é quanto `a necessidade desses países que mais tem poluído o planeta e que continuam poluindo, prejudicando os demais países têm a obrigação moral, além de realizarem mudanças internas que alterem os rumos do próprio crescimento/desenvolvimento econômico, para repararem os danos causados e os danos atuais que continuam causando, precisam compensar, ou seja, proverem recursos tecnológicos e financeiros para que os países subdesenvolvidos, pobres e de baixa renda possam também promoverem mudanças, principalmente o uso de fontes renováveis de energia e de uso da terra e das águas, para que os impactos das atividades econômicas desses países não venham contribuir para o aumento da poluição do planeta e do aquecimento global.
No caso dos países que ainda possuem florestas os mesmos deveriam ser beneficiados/remunerados por esses “serviços ambientais”, que as florestas prestam para a manutenção do clima em níveis que atendam os parâmetros estabelecidos no Acordo de Paris. Afinal, Floresta preservada vale mais do que área degradada, como acontece em inúmeros países, inclusive no Brasil.
De forma semelhante, para que tais parâmetros sejam atingidos, é fundamental tanto a despoluição dos oceanos, que já se transformaram em uma imensa lixeira planetária, quanto medidas para que todos os países parem de poluir os diversos cursos d’água que acabam desembocando nos oceanos e também mecanismos para sequestrarem os gases poluentes que estão “estocados” na atmosfera.
O custo dessas medidas devem ser de responsabilidade proporcional de quem tem poluído e de quem continua poluindo, ou seja, todos precisam “fazer o dever de casa”, mas os países que são considerados os grandes/maiores poluidores do planeta devem pagar um quinhão maior desta fatura.
Enfim, vamos aguardar como deverá ocorrer a COP-26 e quais os compromissos que serão reafirmados ou firmados, com vistas a momentos específicos como os anos de 2030; 2040 e 2050.
Se a humanidade não acordar, com certeza as futuras gerações pagarão um preço incalculável em termos de danos socioambientais, causados pela falta de visão de futuro das gerações que nos antecederam e das atuais gerações, principalmente as autoridades públicas/políticos e líderes empresariais, as primeiras que só pensam nas próximas eleições e as segundas, que continuam só pensando em seus lucros imediatos e a qualquer preço, inclusive inviabilizando a vida neste planeta terra.
Será que esses imaginam que ficarão a salvo desta destruição socioambiental e suas consequências?
JUACY DA SILVA, professor-fundador, titular e aposentado, UFMT. Sociólogo, mestre em sociologia, articulador da Pastoral da Ecologia Integral no Centro-Oeste Email profjuacy@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/10/2021
COP26 – 4 questões principais a serem observadas na cúpula do clima de Glasgow
Por Rachel Kyte*
Dean of the Fletcher School, Tufts University
Glasgow fica orgulhosamente às margens do rio Clyde, que já foi o coração da glória industrial da Escócia e agora uma plataforma de transição para sua energia verde. É um anfitrião adequado para a conferência do clima das Nações Unidas, COP26 , onde os líderes mundiais discutirão como seus países reduzirão as emissões de gases de efeito estufa que estão causando a mudança climática.
Estive envolvido em negociações climáticas por vários anos como um ex-funcionário sênior da ONU e estarei em Glasgow para as negociações a partir de 31 de outubro de 2021. Conforme as negociações estiverem em andamento, aqui está o que observar.
Ambição
Na conferência climática de Paris em 2015, os países concordaram em trabalhar para manter o aquecimento global bem abaixo de 2 graus Celsius (3,6 Fahrenheit), visando 1,5 C (2,7 F). Se a COP21 em Paris foi o acordo sobre um destino, a COP26 é a revisão dos itinerários e ajustes de curso.
A má notícia é que os países não estão no caminho certo. Este ano, eles foram obrigados a apresentar novos planos de ação – conhecidos como contribuições nacionais determinadas, ou NDCs . A última contagem da ONU de todos os planos revisados apresentados antes da cúpula de Glasgow coloca o mundo em uma trajetória para aquecer 2,7 C (4,86 F), bem em níveis perigosos de mudança climática, até o final deste século.
Gráfico mostrando trajetórias de emissões
O Relatório da Lacuna de Emissões do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, divulgado em 26 de outubro de 2021, mostra que as promessas nacionais até agora estão muito aquém das metas do Acordo de Paris. PNUMA
Todos os olhos estão voltados para o G-20, grupo das principais economias mundiais que, juntas, respondem por quase 80% das emissões globais . Sua cúpula anual acontece em Roma de 30 a 31 de outubro, imediatamente antes do início da COP26.
Alguns países-chave do G-20 ainda não enviaram seus planos atualizados, incluindo a Índia. Brasil, México, Austrália e Rússia apresentaram planos que não estão em conformidade com o Acordo de Paris.
Detalhes de como a China alcançará suas metas climáticas estão surgindo agora , e o mundo está debruçado sobre eles para ver como a China fortalecerá sua meta de redução de emissões para 2030, que atualmente envolve cortar as emissões de 65% por unidade do produto interno bruto, avançando na data quando o crescimento das emissões do país chegará ao pico e estabelecer metas de produção industrial para outros gases de efeito estufa, como o metano.
aumento das emissões em 200 anos
Uma dança delicada entre os Estados Unidos e a China, e a diplomacia hábil da França, foi fundamental para se chegar ao acordo climático de Paris em 2015. Seis anos depois, uma rivalidade crescente ameaça diminuir o que antes era uma corrida até o topo.
Enquanto isso, os olhos do mundo estão voltados para os Estados Unidos. A oposição de dois senadores democratas, Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, e Kyrsten Sinema do Arizona, provavelmente forçará o governo Biden a descartar um plano que teria incentivado as concessionárias a mudar para fontes de energia mais limpas mais rapidamente. Se sua ousadia planetária destruir essa parte fundamental do Plano A do presidente Joe Biden sobre como os EUA atingirão suas metas de emissões para 2030, o mundo vai querer ver os detalhes dos Planos B, C ou D em Glasgow.
Mercados de carbono
Uma tarefa restante da conferência de Paris é estabelecer regras para os mercados de carbono , particularmente como os países podem negociar créditos de carbono entre si ou entre um país e uma empresa privada.
Existem mercados de carbono regulamentados da União Europeia à China, e os mercados voluntários estão estimulando otimismo e preocupação. Regras são necessárias para garantir que os mercados de carbono realmente reduzam as emissões e forneçam receita para os países em desenvolvimento protegerem seus recursos. Faça certo e os mercados de carbono podem acelerar a transição para zero líquido. Malfeita, a lavagem verde prejudicará a confiança nas promessas feitas por governos e empresas.
Outra tarefa é determinar como os países medem e relatam suas reduções de emissões e quão transparentes são uns com os outros. Isso também é fundamental para combater o greenwashing.
Além disso, espere ver pressão para que os países voltem em um ou dois anos com melhores planos de redução de emissões e relatórios de progresso concreto.
Finanças climáticas
O que sustenta o progresso em todas as questões é a questão financeira.
Os países em desenvolvimento precisam de ajuda para crescerem verdes e se adaptarem às mudanças climáticas, e estão frustrados porque essa ajuda tem sido lenta. Em 2009 e novamente em 2015, os países ricos concordaram em fornecer US $ 100 bilhões por ano em financiamento climático para nações em desenvolvimento até 2020, mas eles ainda não alcançaram essa meta .
Faltando uma semana, o Reino Unido revelou um plano de financiamento do clima , intermediado pela Alemanha e Canadá, que estabeleceria um processo para contar e acertar o que conta nos US $ 100 bilhões, mas levará até 2023 para chegar a esse valor.
Por um lado, é um progresso, mas parecerá relutante para os países em desenvolvimento cujos custos de adaptação agora devem ser pagos à medida que os custos globais dos impactos climáticos aumentam, incluindo ondas de calor, incêndios florestais, inundações e intensificação de furacões, ciclones e tufões. Assim como com o lançamento global da vacina , o mundo em desenvolvimento pode se perguntar se está sendo arrastado lentamente para uma nova divergência econômica, onde os ricos ficarão mais ricos e os pobres, mais pobres.
Além dos custos de mitigação e adaptação está a questão de perdas e danos – o termo inócuo para os danos sofridos por países que pouco contribuíram para a mudança climática no passado e a responsabilidade dos países que trouxeram a emergência climática com suas emissões históricas . Essas difíceis negociações se aproximarão do centro do palco à medida que as perdas aumentam.
O financiamento climático público fornecido pelos países também pode desempenhar outro papel por meio de seu potencial de alavancar os trilhões de dólares necessários para investir em transições para energia limpa e crescimento mais verde. Espere grandes promessas de fontes de financiamento privadas – fundos de pensão, seguradoras, bancos e filantrópicas – com seus próprios planos líquidos zero, incluindo o fim do financiamento e investimentos em projetos de combustíveis fósseis e financiamento de esforços críticos para acelerar o progresso.
Está chovendo promessas
Uma seção transversal do mundo estará em Glasgow para a conferência, e eles estarão falando sobre caminhos para reduzir as emissões globais de carbono para zero líquido e construir maior resiliência.
Do transporte livre de emissões à aviação , do fim do financiamento do carvão ao aço verde e ao cimento , das plataformas para reduzir o metano , às soluções baseadas na natureza , a conferência de duas semanas e os dias que a antecederão verá um fluxo constante de compromissos e novos grupos de países, organizações não governamentais e empresas trabalhando em conjunto.
Acompanhar e verificar as realizações em relação a essas promessas será fundamental após a COP26. Sem isso, o discurso “blá-blá-blá” da ativista climática Greta Thunberg dirigido aos delegados de uma reunião pré-COP em Milão, algumas semanas atrás, continuará a ecoar em todo o mundo.
Henrique Cortez *, tradução e edição.
* Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês: https://theconversation.com/4-key-issues-to-watch-as-world-leaders-prepare-for-the-glasgow-climate-summit-170536
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/10/2021
COP26: entenda sua importância e contexto na crise climática
Por Cínthia Leone, Instituto ClimaInfo
O que é a COP26?
Cerca de 200 países se reunirão durante duas semanas em Glasgow, na Escócia, para elaborar planos para enfrentar a crise climática. Globalmente, as perspectivas são sombrias, com as emissões de gases de efeito estufa aumentando e os impactos ligados à mudança climática atingindo todos os cantos do planeta. Os governos precisam explicar como controlarão coletivamente esta crise.
Quais são as expectativas para a reunião em Glasgow?
Os resultados esperados da COP26 podem ser divididos em três categorias: primeiro – precisaremos de progresso nos cortes globais de emissões de GEE e um compromisso de fazer isso mais rápido; segundo – precisaremos ver um pacote de ajuda para as nações mais vulneráveis ao clima instável e que já estão sendo atingidas pelos impactos climáticos; terceiro – provavelmente veremos acordos setoriais, que vão desde proibições de carvão e petróleo, datas para encerrar a venda de carros movidos a combustíveis fósseis e desmonetização do desmatamento.
Mais detalhes sobre estas 3 categorias
(i) Os governos foram solicitados a entregar seus planos climáticos nacionais antes da COP26, de modo que teremos uma ideia decente de como serão as trajetórias de emissões para o resto da década de 2020. Não será suficiente, então a COP26 precisa de uma decisão de todos os governos (sobretudo aqueles que submeterem planos climáticos fracos, caso do Brasil) para fazer mais, mais rápido e mais cedo.
(ii) Os países em desenvolvimento estão sendo atingidos pela crise climática e precisam de apoio. Isso significa que as nações ricas estão entregando um plano em Glasgow para atingir o apoio anual de US$ 100 bilhões prometido, e elaborando um plano para incrementar esse apoio depois de 2025. Isto significa reconhecer que a adaptação é central para a luta contra a crise do clima, e que é necessário trabalhar em como lidar com as perdas e danos que as nações mais pobres já estão sofrendo.
(iii) Fora das negociações formais, alguns clubes de países estão se formando para assinar acordos que proíbam novos projetos de carvão, petróleo e gás; o controle do desmatamento e a redução radical das emissões de metano, e a eliminação gradual da venda de carros a gasolina e diesel na década de 2030. A situação atual dos compromissos de eliminação gradual dos veículos a gasolina e a diesel é mapeada aqui.
Qual a importância dos acordos setoriais?
Os acordos setoriais podem potencialmente oferecer grandes sinais – mas (i) precisamos que eles sejam acionados, (ii) precisamos que sejam em grande parte novos compromissos que impulsionem esforços adicionais (iii) e que impeçam principalmente as coisas ruins ao invés de colocar energia no positivo, como a implantação em massa de energia limpa, novos sistemas alimentares. Nesse sentido, a COP26 trata de deter as coisas ruins e lançar as bases para a economia de baixo carbono.
Onde estamos agora?
A última avaliação da ONU sobre os planos climáticos sugere que as emissões aumentarão 16% até 2030. Isso está bem fora da meta – os cientistas dizem que as emissões precisam cair 45% até 2030 para limitar o aquecimento em apenas 1,5C.
O que significa 1,5C?
A ciência é realmente clara sobre limitar o aquecimento em 1,5C. Um planeta aquecido significa aumentos na frequência e intensidade de extremos de calor e de frio, ondas de calor marinhas, precipitações e ciclones mais intensos, aumento de secas e de degradação de solos e reduções no gelo marinho ártico, cobertura de neve e do permafrost.
É realmente assim tão ruim?
As estimativas dos custos potenciais do aquecimento contínuo ainda variam muito, mas são muito mais altas do que estudos anteriores haviam sugerido. Por exemplo, dois estudos de destaque, um da Swiss Re e outro da University College London, projetaram perdas que vão de 10% e 23% do PIB global neste século, se as emissões não forem reduzidas rapidamente. Este nível de dano econômico seria maior do que o observado tanto na pandemia de Covid quanto na Grande Depressão dos anos 30.
A meta de 1,5C basicamente já era?
Isso não é correto. O último relatório da ciência climática da ONU foi claro: ainda podemos nos evitar de um aquecimento maior, mas precisamos agir agora – e isso significa que todos os países e todos os setores da economia global devem fazer sua parte. Isso exigirá um esforço maciço, mas toda redução de emissões conta.
Existe alguma esperança?
O Acordo de Paris de 2015 funcionou. Seis anos depois, o conceito de emissões líquidas de gases de efeito estufa zero até meados do século se consolidou: esta é agora uma realidade para a qual centenas de países e milhares de empresas estão trabalhando. O relatório do Efeito de Paris 2020 da Systemiq sublinhou as mudanças nos setores de transporte, indústria pesada e serviços que estamos vendo. Mas a ciência é clara: precisamos avançar mais rapidamente para limpar a economia global – a COP26 pode ajudar a impulsionar esta transição viável, desejável e acessível.
Onde a coisa já está apertando?
Este ano vimos Madagascar avisar que está à beira de uma fome generalizada induzida pelo clima após 4 anos de chuvas fracas. Tivemos inundações devastadoras na China e na Alemanha, uma onda de frio inédita no Texas, EUA, incêndios fatais na Grécia e na Turquia, uma cúpula de calor sufocante nos EUA e no Canadá, uma seca extrema no Afeganistão e tempestades intensas que castigaram o Caribe. Cada vez mais nenhum lugar está a salvo.
Quem precisa melhorar metas de cortes de emissões?
Os países do G20 são responsáveis por quase 80% das emissões globais (O Brasil é o sexto maior emissor atualmente), e todos esses grandes poluidores precisam se antecipar à próxima cúpula do G20 em Roma, no final de outubro. As nações do G20 que ainda não entregaram planos climáticos ambiciosos antes da COP26 incluem, além do Brasil, Índia, China, Austrália, Arábia Saudita e Rússia.
Quem precisa doar dinheiro?
Os EUA, UE, Reino Unido, Japão, Canadá e Austrália estavam entre os principais países desenvolvidos e blocos que se comprometeram a fornecer US$ 100 bilhões de financiamento climático aos países mais vulneráveis por ano até 2020. Que eles não conseguiram fazer isso já está claro, a partir de dados da OCDE. Há uma lacuna de 20 bilhões de dólares ao ano, e esses países estão sob pressão para preenchê-la.
Por que precisamos dessas grandes reuniões internacionais?
A mudança climática é a crise existencial do nosso tempo. Está no topo ou perto do topo das preocupações públicas na Europa, nos EUA. América Latina, África e Ásia estão sendo atingidas por secas, tempestades, enchentes e outras condições extremas. É absolutamente correto que todos os governos do mundo se reúnam para elaborar um plano. A verdadeira vergonha não é o tamanho da reunião, mas a falta de ação rápida por parte dos grandes poluidores.
O que será suficiente para chamar a COP26 de sucesso?
A COP26 não é uma final da Copa do Mundo. Não haverá uma pontuação clara e não teremos ganho a batalha quando ela terminar. Os objetivos são claros: precisamos reduzir as emissões em cerca de 45% até 2030, mas estamos no caminho certo para um aumento das emissões até esta data. A COP deve e pode apresentar um plano para acelerar radicalmente os cortes de emissões nos próximos 3 anos, um plano forte e justo para apoiar os países em desenvolvimento na linha de frente desta crise, fechar brechas para fraudes climáticas, começar a fechar a indústria de combustíveis fósseis em nível global e impedir a derrubada de mais florestas.
Contexto atual da transição energética
Os países do Norte estão vivendo uma crise energética causada pela energia verde?
O grande aprendizado dos recentes picos de preços de energia em alguns países é que aquelas economias que tinham uma participação maior de fontes de energia renováveis pagaram uma conta de importação de gás muito menor do que as outras. A mudança para energia limpa – e o investimento adequado em infraestrutura para o setor – pode imunizar consumidores domésticos e industriais das flutuações de preços da energia fóssil e oferecer segurança de fornecimento que não seja afetada pela geopolítica, mercados ou recursos finitos.
Como disse o chefe da AIE Fatih Birol “as transições de energia limpa bem gerenciadas são uma solução para as questões que estamos vendo hoje nos mercados de gás e eletricidade – não a causa delas”. Com a nova Perspectiva Energética Mundial da AIE, a solução para esta crise é construir mais energia solar e eólica com armazenamento de energia. A AIE prevê que as contas domésticas de energia cairão como resultado da transição energética como substituto barato das altas rendas de combustíveis fósseis. (WEO p 26, estudo IEEFA) Os altos custos atuais dos combustíveis fósseis não são o resultado da mudança para as energias renováveis, mas um alerta para que os formuladores de políticas acelerem a transição. Isto é o que já estão dizendo que poderia acontecer na China.
Por que investir em energia eólica e solar?
Em 2020, pela primeira vez, as energias renováveis representaram a maior parte da nova capacidade de energia adicionada na maioria dos mercados emergentes. A construção de infraestrutura para o gás caiu para seu nível mais baixo nestes mercados desde 2014, com apenas 17GW adicionados.
As economias emergentes responderam por 58% (US$144 bilhões) dos US$249 bilhões em financiamento de ativos investidos em capacidade de energia limpa em escala de uso em todo o mundo durante 2020. Isto foi graças à competitividade de custo das tecnologias limpas em comparação com suas rivais fósseis – o que os investidores estrangeiros notaram claramente.
Espera-se que o custo da energia solar em escala de uso caia quase 20% nos próximos cinco anos, tornando a energia solar a solução economicamente mais viável para adicionar nova capacidade de geração de energia para mais da metade da população mundial. Uma nova parceria anunciada há algumas semanas com a Bloomberg Philanthropy e a ISA está mobilizando US$ 1 trilhão para impulsionar a energia solar até 2030 nos países em desenvolvimento: é uma enorme oportunidade que os investidores aproveitarão.
O termo em inglês energy major costumava se aplicar apenas às super petroleiras: não mais. O limite de mercado de quatro empresas de energia limpa – Enel, Iberdrola, NextEra Energy e Orsted – superou o de outros gigantes fósseis. Este é um claro testemunho da previsão dos analistas de que a energia renovável está dominando o mercado global de energia.
Um pouco mais de contexto pode ser útil
-Gap de emissões: O relatório de síntese da UNFCCC NDC (setembro de 2021) mostra um aumento de 16% nas emissões em 2030, com base nas promessas apresentadas até hoje; isso nos coloca no caminho certo para 2,7°C de aquecimento até o final do século – muito longe da meta do Acordo de Paris de nos manter bem abaixo de 2°C, com o objetivo de 1,5°C.
-Gap de emissões do G20: As emissões das nações do G20 representam cerca de 76% das emissões anuais globais; Desde de julho de 2021, os compromissos reforçados de cortes de emissão alinhadas ao Acordo de Paris cobrem apenas cerca de metade desse montante. Alguns grandes emissores do G20 ainda não apresentaram NDCs antes da COP26 (incluindo China, Austrália e Índia) enquanto outros apresentaram NDCs que ou não se movem, ou enfraquecem seus compromissos (como Rússia e Brasil).
-Gap de financiamento climático: A avaliação da OCDE em setembro de 2021 mostra contribuições de nações ricas e bancos multilaterais de desenvolvimento totalizando cerca de US$ 79bn ao ano – ainda abaixo dos US$ 100bn prometidos. O compromisso dos EUA de dobrar seu financiamento climático para US$11,4 bilhões veio após esta avaliação, no entanto, e fechou a lacuna até certo ponto. Várias nações do G20 ainda não assumiram compromissos – incluindo a Austrália e a Itália. O ODI calculou as contribuições até o momento e fez uma estimativa do que seria uma contribuição “fair share”. Mais informações sobre financiamento climático e COP26 aqui. O Secretário Geral da ONU pediu uma divisão 50/50 entre mitigação e adaptação no financiamento climático, e as ONGs e alguns países em desenvolvimento pediram que uma proporção maior seja em doações, em vez de empréstimos.
-Passos seguintes no financiamento climático. A COP26 deve iniciar os trabalhos para negociar o aumento do compromisso de financiamento climático para o próximo período. O compromisso de 100 bilhões de dólares por ano cobre cinco anos a partir de 2020; a partir de 2025, as nações doadoras devem aumentar ainda mais suas promessas.
-Aceleração: O Acordo de Paris se baseia em um “mecanismo de catraca” para que os NDCs sejam revisadas a cada cinco anos, e em ações globais periódicas para revisar a implementação do Acordo de Paris. A primeira ação global começa este ano e termina em 2023. Particularmente como a lacuna continua sendo significativa entre a ambição das NDCs atuais combinadas e a meta de Paris de 1,5°C, a pressão das nações vulneráveis ao clima está crescendo para acelerar este processo, incluindo a revisão de NDCs para aumentar a ambição a cada ano em um “pacto de emergência climática”.
-Perdas e danos: A reunião ministerial de julho do Reino Unido elevou o tema das perdas e danos ao patamar de prioridade para discussão na COP26, e a carta de Alok Sharma antes da reunião pré-COP em Milão inclui na lista de elementos emergentes para os resultados da COP26 o “Acordo sobre o desenvolvimento da Rede de Santiago sobre Perdas e Danos”. ONGs e nações vulneráveis ao clima estão pedindo que o Reino Unido nomeie uma liderança para as negociações de Perdas e Danos, que este seja um item formal da agenda da COP, e que seja providenciado financiamento adequado.
-Estratégias de longo prazo. Espera-se que as partes do Acordo de Paris apresentem NDCs aprimoradas com seus compromissos de redução de emissões até 2030, antes da COP26, mas também se espera que apresentem estratégias de longo prazo que mostrem como elas irão produzir um valor líquido zero até meados do século. A carta de Alok Sharma às partes antes da reunião pré-COP em Milão inclui, como item para resultado negociado na COP26, “expectativas reforçadas de todas as partes para produzir estratégias de longo prazo apontando o caminho para o zero líquido, atualizado regularmente à luz da melhor ciência disponível”.
-Desmatamento. A proteção das florestas em pé é uma das alavancas críticas que podemos puxar para manter 1,5 e Paris ao alcance – mais importante, se continuarmos a derrubar nossas florestas – o carbono armazenado em nossas árvores pode estourar nosso orçamento de carbono. Na COP26, estamos esperando um conjunto de acordos que demonstrem aprendizado com os fracassos passados no tema de florestas – esta é a primeira vez que a COP leva o desmatamento a sério. O pacote usará alavancas poderosas, como investidores, bancos de desenvolvimento, reguladores financeiros e legislação comercial para sinalizar o fim do desmatamento. Esta coleção de anúncios envia uma mensagem convincente a qualquer empresa envolvida com agricultura, madeira e mineração: o desmatamento não é mais aceitável ou impossível de investigar.
-Carvão. A Powering Past Coal Alliance foi formada em 2015, liderada pelo Reino Unido e pelo Canadá. Os membros se inscrevem para concordar em eliminar gradualmente as usinas de carvão existentes, e não construir mais. Em setembro de 2021, os signatários consistiam de 41 governos nacionais (incluindo alguns grandes usuários de carvão, como a Alemanha), 41 governos subnacionais (incluindo regiões de grandes nações consumidoras de carvão, como Austrália, Polônia e EUA), e 55 organizações (incluindo empresas de energia e grandes instituições financeiras). Mais recentemente, a ONU lançou um compromisso “Sem Carvão Novo”, convidando os signatários a se comprometerem a não construir novas usinas elétricas a carvão. Em seu início, foi assinado pelo Chile, Dinamarca, França, Alemanha, Montenegro, Sri Lanka e Reino Unido. A E3G calcula que existem 40 nações sem usinas de carvão em seus planejamentos atuais e que poderiam se juntar à iniciativa de “não construir nenhum projeto novo carvão”.
-Financiamento de combustível fóssil. Em dezembro de 2020, o Reino Unido se comprometeu a pôr fim ao financiamento de projetos de combustíveis fósseis no exterior. Em junho de 2021, os países do G7, reunidos no Reino Unido, se comprometeram a acabar com o financiamento governamental para a energia não mitigada do carvão no exterior. O anúncio da China do fim do financiamento de usinas de carvão no exterior poderia levar ao cancelamento de até 190 GW de projetos de carvão – uma quantidade de economia de emissões comparável à da UE que chegaria a zero líquido em 2050. Os EUA também estão eliminando gradualmente o financiamento de fósseis no exterior através de MDBs. A Dinamarca e a Costa Rica iniciaram recentemente uma aliança de nações (Beyond Oil and Gas Alliance – ou BOGA) que se comprometeu a ir muito mais longe e a se comprometer com uma data para a eliminação gradual da produção e exploração de petróleo e gás, de acordo com o apelo da AIE em maio de 2021 para que o mundo não financie novos projetos de fornecimento de combustível fóssil.
-Metano. Como o relatório AR6 do IPCC destacou, o efeito de aquecimento do metano é 30 vezes maior que o dióxido de carbono, o que significa que cortes rápidos no metano poderiam fazer ou quebrar os esforços para manter o aquecimento a 1,5°C. Em setembro de 2021, os EUA e a UE apresentaram um novo compromisso sobre o metano, comprometendo-se a reduzir as emissões de metano em 30% de 2020 a 2030. Os signatários iniciais, juntamente com a UE e os EUA, são: Argentina, Gana, Indonésia, Iraque, Itália, México e Reino Unido. Este acordo é uma grande notícia – mas precisa ser acompanhado de planos de entrega para cada setor chave – Energia, Resíduos, Agricultura e Pecuária.
-Veículos com emissão zero. A situação atual dos compromissos de eliminação progressiva dos veículos a gasolina e diesel é mapeada aqui. A Presidência do Reino Unido quer assinar mais compromissos para a eliminação gradual precoce e a transição para veículos elétricos.
Sem trapaças
Artigo 6: este é um elemento remanescente do livro de regras de Paris a ser concluído, e se refere ao comércio de carbono entre nações e entre agentes públicos e privados. O progresso no acordo das regras foi bloqueado por várias partes (destaque para o Brasil) que procuram evitar o ajuste das NDCs para cada crédito de carbono vendido. O Brasil suavizará esta posição ao solicitar um período de transição antes que os ajustes correspondentes sejam implementados. O Brasil também insistirá que os créditos de Quioto sejam transferidos para o mecanismo de Paris, pelo menos por algum tempo. A concessão de qualquer um destes pedidos significaria uma dupla contagem, já que as reduções de emissões seriam usadas para alcançar tanto a NDC do Brasil como a NDC do país comprador.
-Calendários comuns: este é um elemento remanescente do livro de regras de Paris a ser concluído. Essencialmente a decisão é se as NDCs devem ter uma duração padrão de cinco anos ou dez anos. As partes de alta ambição, as nações vulneráveis ao clima e a sociedade civil têm pressionado para que se chegue a um acordo de cinco anos, com base no fato de que um período mais curto para revisão provavelmente impulsionará uma maior ambição do que deixar uma NDC intocada por dez anos.
-Transparência. Este é um elemento remanescente do Manual de Regras de Paris a ser concluído. Ele se refere à transparência dos mecanismos pelos quais os cortes de emissões das partes são contabilizados e relatados para garantir que as reduções de emissões sejam genuínas, e não sejam contabilizadas duas vezes.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/10/2021
Mais da metade da exploração madeireira em Roraima não foi autorizada pelos órgãos ambientais
Pesquisa inédita mostrou que o estado teve área maior do que 5 mil campos de futebol com atividade ilegal entre agosto de 2019 e julho de 2020
Uma área maior do que cinco mil campos de futebol teve exploração ilegal de madeira em Roraima em apenas um ano, de agosto de 2019 a julho de 2020. Isso representou mais da metade de toda a extração de madeira realizada no estado no período.
Os dados são de uma pesquisa inédita, que mapeou pela primeira vez a exploração madeireira em Roraima. Baseado em imagens de satélite, o estudo foi realizado pela Rede Simex, integrada por quatro organizações de pesquisa ambiental: Imazon, Idesam, Imaflora e ICV.
Segundo a pesquisa, entre agosto de 2019 e julho de 2020, 9.458 hectares de florestas tiveram exploração de madeira em Roraima, sendo 5.217,01 hectares (55%) de forma não autorizada e 4.240,89 hectares (45%) com a permissão da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Roraima (Femarh/RR).
Do total da extração não autorizada, aproximadamente 2.955 hectares estão localizados em imóveis cadastrados, 1.338 hectares em vazios cartográficos, 717 hectares dentro de projetos de assentamento, 163 hectares em Terras Indígenas, 25 hectares em terras não destinadas e e 19 hectares em Unidades de Conservação (UCs).
Ilegalidade afeta terras indígenas na divisa com Pará e Amazonas
Os dois territórios indígenas atingidos pela exploração ilegal de madeira, a Waimiri-Atroari e Trombetas/Mapuera, que tiveram 92 e 70 hectares afetados, respectivamente, ficam na divisa com o Pará e o Amazonas. Somadas, essas áreas equivalem a mais de 160 campos de futebol.
Além das terras indígenas, a extração de madeira também não é permitida nas unidades de conservação de proteção integral. Em Roraima, apenas um território desse tipo foi afetado pela exploração madeireira: a Estação Ecológica de Maracá, com 18 hectares.
“É necessário que os órgãos ambientais invistam em tecnologias de monitoramento da degradação florestal e aumentem a fiscalização ambiental em todo o estado, em especial nos municípios do interior. São muitas as fragilidades que levam ao avanço da ilegalidade no setor madeireiro. Entretanto, essas medidas podem coibir a invasão de áreas protegidas, como terras indígenas e UCs, e evitar que sejam exploradas”, comentou Tayane Carvalho, pesquisadora do Idesam.
Apenas dois municípios concentram 95% da extração no estado
Dos 15 municípios do estado, Rorainópolis e Amajari são os que tiveram maiores índices de extração madeireira, 44,75% e 40,3%, respectivamente, representando um total de 95%. Importante ressaltar que toda a exploração de madeira no município de Amajari ocorreu de forma não autorizada. A pesquisa também aponta que, do total de áreas exploradas ilegalmente, 14% estavam dentro de assentamentos da reforma agrária e 57% em imóveis rurais cadastrados.
“Esses dados revelam que, no caso de Roraima, o governo do estado tem informação considerável para autuar e responsabilizar grande parte dos envolvidos com a exploração ilegal de madeira, pois a maioria das áreas exploradas sem autorização ocorreram em poucos municípios e em imóveis rurais já cadastrados, seja no CAR ou no SIGEF”, comentou Pablo Pacheco, pesquisador do Idesam responsável pelo estudo.
A pesquisa da Rede Simex foi possível porque a Femarh/RR disponibilizou os dados de autorizações de exploração florestal, áreas de usos alternativos de solo e das áreas de manejo florestal. Além disso, o órgão também colaborou com o período de análise, permitindo a verificação da legalidade das explorações florestais em Roraima.
Degradação
A exploração madeireira pode provocar a degradação florestal, que é um dano ambiental diferente do desmatamento. Na degradação, a floresta é continuamente empobrecida por distúrbios, como no caso da retirada de madeira sem planos de manejo. O empobrecimento da floresta ocorre com a redução da biomassa florestal, da biodiversidade e dos estoques de madeira comerciais. Já o desmatamento é quando ocorre o chamado “corte raso”, a remoção completa da vegetação, que pode ser feita com objetivo de converter a área em pastagem, lavoura ou garimpo, por exemplo.
Sobre a Rede Simex – Integrada por pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e do Instituto Centro de Vida (ICV), foi formada para que o Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), que já era realizado no Pará e Mato Grosso, pudesse ser ampliado para outros estados da Amazônia.
#Envolverde
Brasil 2022: um ano decisivo
Por Fábio Feldmann para o Jornal da Unicamp –
Nos últimos 50 anos temos construído um processo de cidadania planetária no qual se busca o enfrentamento dos desafios representados pelo aquecimento global, erosão da biodiversidade, acidificação e plásticos nos oceanos numa escala global, marcada por uma dimensão de irreversibilidade.
A Conferência de Estocolmo em 1972 foi fundamental porque representou uma tomada de consciência sobre a dimensão planetária da questão ambiental, lançando os pilares para futuras políticas nacionais, consagrando direitos e instrumentos hoje universais. Também foi determinante a criação do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) Tímido nos seus anos iniciais, adquiriu maior importância mais tarde, embora não tenha se transformado numa organização potente como a OMS (Organização Mundial de Saúde).
Esses comentários iniciais são importantes para se compreender a criação da SEMA (Secretaria Especial do Meio Ambiente), em 1973, e a edição da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981. Ambas são desdobramentos de Estocolmo. Elas traduzem o desafio de institucionalizar na esfera interna dos países decisões da comunidade internacional, instrumentos legais sancionatórios, até então inexistentes, em face à soberania dos países integrantes das Nações Unidas.
No caso brasileiro, é importante lembrar que o Brasil teve uma postura reativa às preocupações ambientais lançadas em Estocolmo sob a ótica de que o grande desafio nacional seria o crescimento econômico a qualquer custo, sendo a poluição sinônimo de progresso. Nessa perspectiva haveria uma “conspiração em curso“ contra os países em desenvolvimento com a finalidade de impedir ou mesmo retardar suas estratégias de crescimento econômico. As preocupações ambientais não passariam de cortina de fumaça dessa conspiração.
Nesse período também surgem debates importantes provocados pelo livro “ Limites do crescimento“ do Clube de Roma, indicando a necessidade de se repensar a capacidade do planeta de “assimilar os efeitos da poluição“ e a finitude dos recursos naturais.
Por sua vez entidades não governamentais ganham inegável espaço político, como expressão legítima de representação da sociedade civil perante os governos nacionais e a própria comunidade internacional. São exemplos o Greenpeace e a Anistia Internacional, com uma agenda de defesa dos direitos humanos e políticos e bandeiras ecológicas como fim da caça às baleias e testes nucleares, entre outras.
Mas é na década de 1980 que há uma virada importante na percepção da questão ambiental, tendo como gatilho principal a constatação da existência do enorme buraco na camada de ozônio sobre a Antártida. Se até então havia indícios de que o planeta estaria sob impacto da ação humana, com a divulgação daquelas imagens de satélite se comprovou que os danos seriam incontentáveis e planetários. Na época se verificou que a causa do buraco foi o lançamento na atmosfera de substâncias geradas por tecnologia de refrigeração inexistentes até então na natureza. Ou seja, produtos de uso cotidiano como geladeiras, equipamentos de ar condicionado, propelentes de aerossóis usados em desodorantes e cosméticos estavam provocando danos graves na camada natural de proteção à vida no planeta.
O impacto dessa divulgação foi imediato, mobilizando a opinião pública mundial e resgatando de certo modo a agenda de Estocolmo, mas dessa vez com protagonismo marcante da sociedade civil, mídia e comunidade acadêmica. Nesse cenário assume relevância a formação da Comissão instalada pelas Nações Unidas para avaliar Estocolmo, liderada pela primeira ministra norueguesa Gro Brundland.
O que, a princípio, seria mais uma Comissão condenada à irrelevância entre inúmeras outras, a Comissão Brundlant se torna a grande referência dos debates mundiais, com a divulgação do relatório “ Nosso futuro comum “, no qual são tratados os temas com várias recomendações sob o título “ Meio ambiente e desenvolvimento “. Ali se consolida a ideia do “Desenvolvimento sustentável”, contrapondo-se à sinonímia de crescimento econômico e desenvolvimento, com destaque para a sobrevivência das futuras gerações, na medida em que seria necessário pensar não apenas em um balanço entre pobres e ricos nos países, mas entre as atuais e as futuras gerações.
Nada mais importante nos dias de hoje quando o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) aponta que se não reduzirmos dramaticamente as emissões de gases efeito estufa, estaremos condenados ao caos climático, com danos e consequências irreversíveis.
A resposta dada pelas Nações Unidas foi a convocação da Conferência do Rio, intitulada, não por coincidência, o título de Conferência mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento.
Aqui cabe dizer que a escolha do Brasil como sede da Conferência se deu por algumas razões. O país estava na berlinda em razão da divulgação pelo INPE das queimadas na Amazônia e o pelo assassinato de Chico Mendes no Acre, atraindo olhares da opinião pública internacional. A reação do governo brasileiro foi se oferecer para ser a sede da Conferência, em uma estratégia de enfrentamento às críticas internacionais. Bom lembrar que essa oferta se deu no governo Sarney (1985-1990) que, no plano interno, criou o Programa Nossa Natureza como demonstração de seu compromisso com as temáticas ambientais, que resultou em importantes mudanças na legislação brasileira por força da atuação do Congresso Nacional.
Foi assim que obtivemos uma nova legislação sobre agrotóxicos, aconteceu a criação do Fundo Nacional do Meio Ambiente, modificamos o Código Florestal, com ampliação da reserva legal e criação de áreas de preservação permanente (APP). Ocorreram ainda mudanças importantes na Política Nacional do Meio Ambiente com objetivo de promover sua atualização perante a Constituição de 1988.
A realização da Conferência do Rio promoveu uma mudança de patamar no tratamento das questões ambientais no mundo com a Convenção do Clima e da Biodiversidade, além da Agenda 21. Além do próprio processo de negociação multilateral, engajando governos nacionais, sociedade civil, agências multilaterais, instituições científicas, a Conferência contribuiu para um novo desenho na arquitetura e conteúdo da agenda mundial para o ambiente.
A Rio 92/Eco 92 foi o grande passaporte para o Brasil se firmar como protagonista no desenvolvimento sustentável, nas mudanças climáticas e na biodiversidade. No primeiro, por concentrar os desafios de se desenvolver com crescimento econômico e simultaneamente com combate à pobreza e desigualdade social. No campo do aquecimento global, pela sua contribuição em termos de gases efeito estufa decorrentes do desmatamento no bioma amazônico e cerrado. E no que tange a biodiversidade, por ser reconhecidamente megabiodiverso, abrigando riqueza de espécies, biomas e conhecimento científico sobre o mesmo, além dos ditos saberes tradicionais. Pode-se afirmar que o Brasil talvez seja um dos melhores exemplos de exercício do chamado “soft power” nesses temas, devendo -se isso a um conjunto de capitais: disposição política, qualidade da diplomacia brasileira, capacidade da comunidade científica e acadêmica e grau elevado de organização da nossa sociedade civil.
E no campo empresarial merecem destaque mudanças importantes de atitude em várias áreas, a exemplo da instituição do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), na Bolsa de Valores de São Paulo, estimulando as empresas brasileiras com ações no mercado de capital a assumirem compromissos públicos com os seus investidores e consumidores.
Com maior ou menor intensidade, os governos nacionais desde Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer (entre 1990 até 2019) mantiveram o país alinhado ao exercício de seu “soft power” nas grandes negociações internacionais e no plano doméstico, no avanço da governança ambiental em termos de capacidade institucional e de novas legislações. A participação brasileira foi sempre reconhecida no combate às mudanças climáticas, quer no Protocolo de Quioto, quer no Acordo de Paris. No campo da biodiversidade, no Protocolo de Nagoya e na desertificação, na aprovação da respectiva Convenção. Na Conferência Rio + 20 tivemos um grande papel na proposição dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprovados pela Assembleia Geral em 2015.
De tudo o que foi dito até aqui é inegável que nas últimas décadas, o Brasil adquiriu relevância e protagonismo nas instâncias multilaterais e, ainda que com muitos desafios, avançou no plano doméstico em suas posições e políticas nacionais. Como contrapartida ganhou capital político e reputacional estratégico na comunidade internacional, na opinião pública mundial e no ambiente empresarial, cada vez mais engajado no enfrentamento das mudanças climáticas, perda da biodiversidade, gestão dos recursos naturais e combate à pobreza e desigualdades sociais.
A partir de 2019, entretanto, com o governo Bolsonaro, estamos assistindo a uma evidente ameaça aos ganhos adquiridos, graças a um discurso tosco e negacionista no plano internacional, associado a um deliberado projeto de desmantelamento da governança ambiental nacional. Com a ameaça de se retirar do Acordo de Paris a diplomacia brasileira se viu rigorosamente constrangida logo de início, sendo que a postura da delegação brasileira na COP 25, em Madri, se mostrou beligerante e pouco construtiva, agravando nosso isolamento diplomático.
Com o aumento do desmatamento na Amazônia nesses últimos anos em face à desídia do governo federal, nossa vulnerabilidade reputacional se ampliou exponencialmente, não apenas perante a opinião pública e sociedade civil, mas agora frente ao setor financeiro e empresarial mundial, hoje cada vez mais preocupado com os riscos associados ao aquecimento global.
Desde Paris há um enorme movimento no sentido de se incorporar os riscos climáticos na atuação dos bancos centrais, reconhecendo sua importância na economia global e na necessidade de que as empresas reconheçam e divulguem perante seus investidores como esses riscos podem afetar seus negócios.
Nos setores exportadores nacionais, especialmente no agronegócio, existe o receio legítimo de que podemos perder acesso a mercados importantes, como o europeu, em face às políticas do governo Bolsonaro em relação a destruição da Amazônia e do Cerrado, além do enfraquecimento institucional do sistema nacional do meio ambiente. Esse desmantelamento se reflete na redução dos recursos orçamentários dos órgãos ambientais, com respectivo aumento das práticas de grilagem de terras públicas e desmatamento. Além de iniciativas no Legislativo patrocinadas pelo Governo através de sua base parlamentar, como o esvaziamento do licenciamento ambiental, aprovação de regularização fundiária sem salvaguardas ambientais, entraves à criação de marco regulatório instituindo mercado de carbono no país.
São tantos os exemplos que confirmam o perfil antidemocrático, negacionista e atrasado desse governo que os impasses hoje claramente colocados remetem a várias instâncias. No âmbito do Judiciário, notadamente no Supremo Tribunal Federal, medidas de salvaguarda dos preceitos constitucionais que garantem expressamente a cidadania ambiental das presentes e futuras gerações.
Preceitos constitucionais amparados nos compromissos do país consubstanciados em praticamente todos tratados internacionais firmados desde Estocolmo, reforçados recentemente pela recentíssima ideia de incluir o direito ao meio ambiente sadio como um dos direitos humanos.
Mas talvez a instância mais importante será a das eleições de 2022, na qual celebraremos os 50 anos de Estocolmo e 200 anos da Independência. Teremos aí o encontro entre as aspirações de uma cidadania planetária com os desafios de uma eleição presidencial e parlamentar que vai permitir ou desautorizar o país a continuar sua trajetória de liderança na construção de uma cidadania planetária.
Observação: Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.
Fábio Feldmann
Fábio Feldmann é ambientalista, ex-deputado constituinte e autor de importantes legislações brasileiras como Lei da Mata Atlântica, educação ambiental, entre outras. Participa de importantes ONGs nacionais e internacionais ligadas à defesa do meio ambiente como SOS Mata Atlântica e Greenpeace. Um dos primeiros políticos brasileiros a se engajar no tema das mudanças climáticas.
#Envolverde
Como acelerar a descoberta para enfrentar as mudanças climáticas
Por Tonny Martins, Gerente Geral IBM América Latina –
De acordo com um estudo da Organização Meteorológica Mundial¹, a América Latina é projetada como uma das regiões do mundo onde os efeitos e impactos das mudanças climáticas, como ondas de calor, diminuição da produtividade agrícola, incêndios florestais, esgotamento de recifes de coral e os níveis extremos do mar, serão mais intensos. À medida que esses impactos se tornam mais frequentes e pronunciados, os cientistas e inovadores estão na vanguarda da busca de soluções para ajudá-los com seus objetivos de mitigação e adaptação, e os líderes empresariais estão se tornando mais conscientes de seu papel conforme as empresas se tornam uma parte importante dessa equação.
Esses desafios não podem ser resolvidos com métodos desatualizados. Precisamos trabalhar juntos para acelerar o progresso científico usando novas metodologias e tecnologias como IA, robótica, computação quântica, computação de alto desempenho (HPC) e uma abordagem de nuvem híbrida. A mudança climática é uma preocupação séria que requer ação oportuna e significativa em nível global, portanto, promover a colaboração e aproveitar a criatividade de todo o ecossistema de inovação global é fundamental.
Para ajudar organizações e governos a lidar com as mudanças climáticas, a IBM promove três abordagens principais para fazer a diferença no futuro:
Promover a colaboração em todo o ecossistema
Promover a colaboração é essencial, nos comprometendo com projetos que reúnam um ecossistema ampliado de universidades, startups, centros de pesquisa e nossos clientes na América Latina para criar novas soluções que melhorem a qualidade de vida de todas as pessoas. Recentemente foi inaugurado o Centro de Pesquisa em Inteligência Artificial do Brasil, parceria entre IBM, Universidade de São Paulo (USP) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), apresentando avanços nos trabalhos acadêmicos e pesquisas de ponta em IA para resolver problemas de grande impacto social e econômico. Um dos projetos que está sendo desenvolvido é um agente virtual que dominará todo o conhecimento existente sobre a Amazônia Azul, uma vasta região do Oceano Atlântico na costa brasileira, rica em biodiversidade e recursos energéticos. É o primeiro conjunto de dados de perguntas e respostas em grande escala em português e inglês que visa fornecer informações sobre o ecossistema marinho.
Fortalecer a inovação de diferentes pontos de vista
Equipes diversas veem o mesmo tópico de diferentes perspectivas, têm uma melhor compreensão do propósito e se adaptam às mudanças com mais facilidade. Isso estimula a criatividade e a inovação, abrindo o leque para novas soluções possíveis. Esta é uma das razões pelas quais desenvolvedores, cientistas de dados, profissionais de UX, professores, estudantes, especialistas em meio ambiente e mudanças climáticas, indústrias e políticas públicas são pessoas-chave a serem incluídas nas equipes de cocriação. Hoje, vemos diversas equipes colaborando por meio de iniciativas como aCall for Code, buscando as melhores ideias e aplicativos de código aberto para ajudar a lidar com os efeitos das mudanças climáticas. Por exemplo, um dos finalistas regionais de Call for Code na América Latina, a SpecWater, desenvolveu uma solução que analisa o espectro de luz dentro de uma amostra de água coletada por um dispositivo IoT para ajudar a monitorar a qualidade da água.
Tecnologia em ação, IA e nuvem híbrida para criar um futuro seguro e sustentável
Os desafios de hoje exigem uma abordagem holística que permita às empresas gerenciar melhor os relatórios e a conformidade ambiental, gerenciar seus negócios com mais eficiência para reduzir o consumo e planejar o impacto climático em suas estratégias de longo prazo. Recentemente, anunciamos o IBM Environmental Intelligence Suite, um conjunto de software que combina novas inovações de IA e automação desenvolvidas pela IBM Research, com nossas tecnologias de análise de dados meteorológicos e geoespaciais, para ajudar as organizações a se preparar e responder aos riscos meteorológicos e climáticos, incluindo como prever e se adaptar a condições climáticas adversas, bem como recursos de contabilidade de carbono para ajudá-los a quantificar com precisão sua pegada de carbono, enquanto avaliam melhor seu próprio impacto no meio ambiente. Por exemplo, isso poderia ajudar os varejistas a usar a análise de risco climático para proteger locais de armazenamento no futuro, ou empresas de energia e serviços públicos que poderiam prever onde fortalecer a infraestrutura crítica para evitar o colapso.
As mudanças climáticas são uma realidade e é preciso trabalhar de forma coordenada para aproveitar todas as inovações disponíveis no ecossistema para ajudar a resolver os desafios mais urgentes que temos como sociedade. A América Latina tem o talento e a tecnologia para desenvolver soluções hoje que beneficiam nosso presente e futuro, e as empresas precisam fazer dessa discussão uma prioridade e tomar medidas reais para se comprometer com a mudança.
#Envolverde
Pastagem ocupa 75% da área desmatada ilegalmente em terras públicas na Amazônia
Às vésperas da COP 26, novo estudo do IPAM mostra grilagem como vetor de emissão de gases estufa e contaminação do setor pecuário com irregularidades na cadeia de produção de gado.
As áreas de pasto ocupam 75% do que foi desmatado nas terras públicas não destinadas da Amazônia, boa parte resultante de grilagem, contaminando o setor com ilegalidade. As informações são de um estudo lançado hoje por pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), que mostra o avanço do desmatamento nessas áreas na última década e seu peso para o agravamento das mudanças climáticas.
O texto aponta que, entre 1997 e 2020, um total de 21 milhões de hectares foram destruídos, ou 8% dos 276,5 milhões de hectares de florestas públicas existentes da Amazônia Legal. É uma área maior do que o Paraná. A emissão de gases estufa associada é de 10,2 giga toneladas de CO2, correspondendo a cinco anos de emissões brasileiras.
“A grilagem é um fator de risco para o equilíbrio climático do planeta, e ainda carrega para o setor da pecuária dois problemas: ilegalidade e mais emissões de gases do efeito estufa”, diz o pesquisador sênior do IPAM, Paulo Moutinho. “Uma economia verdadeiramente de baixo carbono no Brasil precisa passar por uma análise ampla sobre o impacto das cadeias produtivas no agravamento do efeito estufa. Deixar essas emissões de lado não faz sentido quando temos uma emergência climática em curso”, alerta.
A COP 26, a Conferência do Clima da ONU, começa na próxima semana em Glasgow, no Reino Unido, com a missão de acertar o livro de regras do Acordo de Paris, que estabelece esforços globais para controlar as emissões de gases do efeito estufa. Um dos pontos em aberto é o funcionamento de um mercado de carbono que tem o potencial de impulsionar projetos de conservação de florestas tropicais.
“Se o Brasil quiser se mostrar como destino de investimentos em projetos de REDD+ [Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal], por exemplo, precisa fazer a lição de casa. Isso significa necessariamente acabar com o desmatamento, começando por proteger as florestas públicas e combater a grilagem de forma definitiva”, afirma Moutinho.
“Terra de ninguém”
O problema é grave. A nova análise do IPAM mostra que 44% do desmatamento nos dois últimos anos (2019 e 2020) na Amazônia ocorreu em terras públicas.
Terras indígenas e unidades de conservação, ainda que sob intensa pressão, mostram os menores índices de desmatamento: somente 1% e 2% de suas áreas totais, respectivamente, foram convertidas para outros usos. Já a conversão da floresta em pasto é regra em terras devolutas e florestas não destinadas, muitas vezes seguida por um Cadastro Ambiental Rural (CAR) irregular, numa tentativa de emular posse da terra para venda ou para usufruto.
Atualmente, existem 16 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas declarados como propriedade privada dentro do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, e 15,2 milhões de hectares nas outras terras não destinadas. O desmatamento nas áreas com CAR foi 59% maior no período 2016 a 2020 em relação ao período anterior, de 2011 a 2015.
“Depois do desmatamento, um quarto da área é abandonado e começa a apresentar indícios de regeneração. O restante vira pasto e continua até hoje”, explica a principal autora do estudo, a pesquisadora Caroline Salomão. “Nos últimos dez anos, percebemos que o pasto permaneceu nessas áreas públicas, ou seja, houve algum tipo de investimento.”
O boi criado nessas áreas pode ser vendido para outras fazendas e, mais cedo ou mais tarde, acaba invariavelmente em um frigorífico. Como as empresas não monitoram o cumprimento de regramentos sociais e ambientais de seus fornecedores indiretos, ele não é computado como carne de desmatamento ilegal.
Segundo Salomão, frigoríficos e varejistas – com o auxílio do Ministério Público e de governos federal, estaduais e municipais – poderiam investir em tecnologias para mapear todas as fazendas de fornecimento, dando escala a iniciativas inovadoras como “Boi na Linha”, GT Rastreabilidade do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos (GTFI), “Selo Verde”, entre outras.
Além disso, investimentos em capacitações sobre melhoria produtiva e regularização ambiental para fornecedores podem fazer uma grande diferença. “É claro que o combate à grilagem e a proteção das terras públicas é responsabilidade do governo. Mas o setor privado pode ser determinante para a mudança ao fechar as portas para ilegalidade”, defende a autora.
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Relatório aponta Brasil como um dos produtores de petróleo com mais inconsistência para cumprir o Acordo de Paris
Planeta COPPE Notícias –
O Brasil está entre os países de maior preocupação para os cientistas autores do 2021 Production Gap Report (Relatório de lacuna de produção de 2021) que detalha as estratégias e os planos de governo para a produção de combustíveis fósseis em 15 dos principais centros produtores. Lançado dia 20 de outubro, o documento traz análises de mais de 40 pesquisadores, sendo quatro da Coppe/UFRJ, e mostra que os grandes produtores mundiais planejam produzir mais do que o dobro da quantidade de combustíveis fósseis em 2030 do que seria consistente para limitar o aquecimento global a 1,5°C, em linha com expectativas do Acordo de Paris.
Produzido pelo Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo (SEI), Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD), ODI, E3G e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o relatório mede a lacuna existente entre a produção de carvão, petróleo e gás natural planejada pelos países e os limites de produção globais que seriam necessários para o cumprimento do Acordo de Paris. A maior lacuna é a do carvão, cuja produção está prevista para ser aproximadamente 240% maior do que o recomendável em 2030. Em seguida vem a do óleo cru, ultrapassando o limite em mais de 57%, e na sequência a do gás, com 71% a mais do que seria consistente com a limitação do aquecimento global em 1,5°C.
O relatório, que contou com a participação dos professores Roberto Schaeffer e Alexandre Szklo; do pesquisador de pós-doutorado Bruno Cunha; e da aluna de doutorado Fernanda Leite Barbosa; todos do Programa de Planejamento Energético da Coppe, mostra que o total do volume planejado pelos grandes produtores de combustíveis fosseis para 2030 acarretará na produção anual de 36 bilhões de toneladas de CO2. Uma quantidade que supera o dobro das 17 bilhões de toneladas, que seria a quantidade máxima de emissões associada à queima de combustíveis fósseis, conforme o Acordo de Paris. Além do Brasil, fazem parte do grupo de grandes produtores: Austrália, Canada, China, Alemanha, Índia, Indonésia, México, Noruega, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, e Estados Unidos.
De acordo com Roberto Schaeffer, o Brasil, que pretende dobrar sua produção de óleo e gás, acaba ficando em uma posição equiparável a Estados Unidos e Arábia Saudita, que também pretendem ampliar suas produções. Com isso, o principal foco de preocupação climática no país, que é o desmatamento, pode se tornar outro, entre 2030 e 2050, passando a ser a área de petróleo, gás natural e seus derivados. Para o professor da Coppe, a expectativa do governo federal, de produzir grandes volumes de petróleo compatíveis com suas novas reservas nos campos do pré-sal, são incompatíveis com a expectativa do mundo de poder consumi-lo. “A atual projeção do governo brasileiro é incompatível até mesmo com sua promessa recente de ser neutro em carbono em 2050. Por isso, imagino que os responsáveis pelas áreas de energia em geral, e de petróleo em particular, não estão conversando com aqueles da área ambiental no Brasil”.
Desde o início da pandemia da Covid-19 os países do G20 direcionaram cerca de US$ 300 bilhões em novos fundos para atividades de combustíveis fósseis, de acordo com o relatório, o que é mais do que o destinado para energia limpa. Além disso, vários grandes produtores de carvão estão planejando continuar ou aumentar a produção para além de 2030, e tudo ocorre mesmo esses países tendo reduzido significativamente as finanças públicas internacionais para a produção de combustíveis fósseis nos últimos anos.
Os autores consideram que informações verificáveis e comparáveis, tanto de governos quanto de empresas, sobre a produção e o apoio a combustíveis fósseis são essenciais para lidar com a lacuna de produção. Os pesquisadores dizem que os governos devem fortalecer a transparência, divulgando seus planos de produção nos documentos relacionados a seus compromissos climáticos para com o Acordo de Paris. De acordo com eles, os governos têm um papel primordial, que é fechar a lacuna de produção de uma forma que garanta que a transição para o abandono dos combustíveis fósseis seja justa e equitativa. “Os governos podem restringir a exploração e extração de combustíveis fósseis, eliminar gradualmente os subsídios aos produtores e as finanças públicas para projetos de combustíveis fósseis, e redirecionar o apoio para a descarbonização e para esforços de transição justa”, concluem os autores do relatório.
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ONU pede regras mais sólidas para transição verde do setor financeiro do G20
Por ClimaInfo –
A 16ª cúpula do G20, grupo das 20 economias mais ricas do mundo, acontece neste final de semana em Roma, na Itália. Para muitos líderes internacionais, o encontro servirá como um aperitivo à COP26, que começa logo em seguida em Glasgow. Não à toa, parte importante da agenda da reunião está tomada pela questão climática e pela urgência das principais economias globais intensificarem esforços para combater o aquecimento do planeta.
Ontem (27/10), o braço financeiro do PNUMA (UNEP-FI) apresentou uma análise aos países do G20, com recomendações para compromissos viáveis de neutralidade climática de instituições financeiras. De acordo com o UNEP-FI, os formuladores de políticas públicas nos países mais ricos do mundo precisam considerar maneiras mais efetivas para supervisionar as contribuições do setor financeiro para os esforços climáticos nacionais e internacionais. A principal preocupação é com a proliferação de compromissos corporativos puramente artificiais, sem qualquer lastro científico ou transparência sobre as metas, ações e cronogramas de trabalho.
“O objetivo dessas recomendações não é apenas apoiar as instituições financeiras a atingirem o valor líquido zero com credibilidade, mas também catalisar mudanças na economia real. Na ausência de uma estrutura acordada globalmente, os líderes voluntários estão fazendo progresso. No entanto, gostaríamos que todos os bancos, seguradoras e investidores adotassem as recomendações com o apoio dos membros do G20”, disse Eric Usher, chefe do UNEP-FI. A Reuters também repercutiu a notícia.
Ainda sobre o G20, Assis Moreira elencou no Valor outros temas na pauta dos chefes de estado em Roma – em particular, as disrupções nas cadeias globais de fornecimento e o aumento do preço dos combustíveis fósseis no último ano, que vêm causando problemas de abastecimento em diversos mercados. Teme-se que a crise energética acabe se sobrepondo nas discussões em detrimento da questão climática, com atrasos nos planos para transição limpa no setor energético global.
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Em meio à pandemia, invasões de terras e assassinatos de indígenas aumentaram em 2020
Relatório anual do Cimi retrata continuidade da alta violência contra povos indígenas no Brasil, mesmo em ano marcado pela pandemia da Covid-19
O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2020, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apresenta o retrato de um ano trágico para os povos originários no país. A grave crise sanitária provocada pela pandemia do coronavírus, ao contrário do que se poderia esperar, não impediu que grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros invasores intensificassem ainda mais suas investidas sobre as terras indígenas.
O segundo ano do governo de Jair Bolsonaro representou, para os povos originários, a continuidade e o aprofundamento de um cenário extremamente preocupante em relação aos seus direitos, territórios e vidas, particularmente afetadas pela pandemia da Covid-19 – e pela omissão do governo federal em estabelecer um plano coordenado de proteção às comunidades indígenas.
CLIQUE AQUI PARA BAIXAR O RELATÓRIO
O ano de 2020 ficou marcado pelo alto número de mortes ocorridas em decorrência da má gestão do enfrentamento à pandemia no Brasil, pautada pela desinformação e pela negligência do governo federal. Esta realidade, lamentável para a população brasileira em geral, representou uma verdadeira tragédia para os povos indígenas.
Em muitos casos, o vírus que chegou às aldeias e provocou mortes foi levado para dentro dos territórios indígenas por invasores que seguiram atuando ilegalmente nestas áreas em plena pandemia, livres das ações de fiscalização e proteção que são atribuição constitucional e deveriam ter sido efetivadas pelo poder Executivo.
O Relatório identificou que, em 2020, os casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” aumentaram, em relação ao já alarmante número que havia sido registrado no primeiro ano do governo Bolsonaro. Foram 263 casos do tipo registrados em 2020 – um aumento em relação a 2019, quando foram contabilizados 256 casos, e um acréscimo de 137% em relação a 2018, quando haviam sido identificados 111 casos. Este foi o quinto aumento consecutivo registrado nos casos do tipo, que em 2020 atingiram pelo menos 201 terras indígenas, de 145 povos, em 19 estados.
Acesse o sumário executivo em outros idiomas:
Resumen Ejecutivo (Español)
Executive Summary (English)
Sommario Complessivo (Italiano)
Rapport de Synthese (Français)
Kurzfassung (Deutsche)
As invasões e os casos de exploração de recursos naturais e de danos ao patrimônio registrados em 2020 repetem o padrão identificado no ano anterior. Os invasores, em geral, são madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais, fazendeiros e grileiros, que invadem as terras indígenas para se apropriar ilegalmente da madeira, devastar rios inteiros em busca de ouro e outros minérios, além de desmatar e queimar largas áreas para a abertura de pastagens. Em muitos casos, os invasores dividem a terra em “lotes” que são comercializados ilegalmente, inclusive em terras indígenas habitadas por povos isolados.
Esses grupos e indivíduos atuam com a certeza da conivência – muitas vezes explícita – do governo, cuja atuação na área ambiental foi sintetizada pela célebre frase do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles: era preciso aproveitar a pandemia para “passar a boiada” da desregulamentação.
O caso dos povos Yanomami, Ye’kwana e Munduruku exemplifica a estreita relação entre a ação dos invasores, a omissão do Estado e o agravamento da crise sanitária. Na TI Yanomami, onde é estimada a presença ilegal de cerca de 20 mil garimpeiros, os invasores devastam o território, provocam conflitos, praticam atos de violência contra os indígenas e, ainda, atuam como vetores do coronavírus – num território onde há também a presença de indígenas em isolamento voluntário.
Em muitas aldeias, a pandemia levou as vidas de anciões e anciãs que eram verdadeiros guardiões da cultura, da história e dos saberes de seus povos, representando uma perda cultural inestimável – não só para os povos indígenas diretamente afetados, mas para toda a humanidade. Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mais de 43 mil indígenas foram contaminados pela Covid-19 e pelo menos 900 morreram por complicações da doença no ano de 2020.
As violências praticadas contra os povos indígenas e seus territórios são condizentes com o discurso e as práticas de um governo que tem como projeto a abertura das terras indígenas à exploração predatória, atuando no sentido de disponibilizar essas áreas para a apropriação privada e favorecendo os interesses de grandes empresas do agronegócio, da mineração e de outros grandes grupos econômicos.
Essa opção política do governo federal é evidenciada pelos inúmeros discursos proferidos pelo próprio presidente da República e por medidas práticas como o Projeto de Lei (PL) 191, apresentado pelo governo ao Congresso Nacional em fevereiro de 2020, e a Instrução Normativa (IN) 09, publicada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em abril.
Enquanto o PL 191/2020 prevê a abertura das terras indígenas para a mineração, a exploração de gás e petróleo e a construção de hidrelétricas, entre outras atividades, a IN 09/2020 passou a permitir a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas – o que inclui terras em estágio avançado de demarcação e áreas com restrição de uso devido à presença de povos isolados.
Estas medidas também tiveram influência direta no aumento dos casos de “conflitos relativos a direitos territoriais”, que mais do que dobraram em relação ao ano anterior. Foram 96 casos do tipo em 2020, 174% a mais do que os 35 identificados em 2019.
Também chama atenção o considerável aumento dos assassinatos de indígenas no Brasil. Em 2020, 182 indígenas foram assassinados – um número 61% maior do que o registrado em 2019, quando foram contabilizados 113 assassinatos.
Uma síntese deste cenário desolador pode ser indicada pelo fato de que, embora nem todos os tipos de violência tenham apresentado aumento em relação a 2019, o cômputo geral das categorias “violência contra a pessoa” e “violência contra o patrimônio indígena”, em 2020, foi o maior dos últimos cinco anos. No mesmo período, os casos de “violência por omissão do poder público” registrados em 2020 só foram menores que os de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro.
Violência contra o Patrimônio
Em relação aos três tipos de “Violência contra o Patrimônio”, que formam o primeiro capítulo do Relatório, foram registrados os seguintes dados: omissão e morosidade na regularização de terras (832 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (96 casos); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (263 casos registrados). Os registros somam, assim, um total de 1.191 casos de violências contra o patrimônio dos povos indígenas em 2020.
A paralisação das demarcações de terras indígenas, anunciada pelo presidente da República ainda durante a sua campanha eleitoral, continua sendo uma diretriz de seu governo. Das 1.299 terras indígenas no Brasil, 832 (64%) seguem com pendências para sua regularização. Destas, 536 são áreas reivindicadas pelos povos indígenas, mas sem nenhuma providência do Estado para dar início ao processo administrativo de identificação e delimitação.
Violência Contra a Pessoa
Em 2020, os dados de “Violência contra a Pessoa”, sistematizados no segundo capítulo do Relatório, foram os seguintes: abuso de poder (14); ameaça de morte (17); ameaças várias (34); assassinatos (182); homicídio culposo (16); lesões corporais dolosas (8); racismo e discriminação étnico cultural (15); tentativa de assassinato (13); e violência sexual (5). Os registros totalizam 304 casos de violência praticadas contra a pessoa indígena em 2020. Este total é maior do que o registrado em 2019, quando foram identificados 277 casos.
Os estados com o maior número de assassinatos de indígenas em 2020, segundo os dados obtidos junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a secretarias estaduais de saúde, foram Roraima (66), Amazonas (41) e Mato Grosso do Sul (34). Infelizmente, os dados fornecidos pela Sesai e pelos estados não apresentam informações detalhadas sobre as vítimas e nem as circunstâncias destes assassinatos, o que inviabiliza análises mais aprofundadas.
Destacam-se, neste contexto, dois casos ocorridos em meio a desastrosas ações da polícia militar. No Amazonas, o caso que ficou conhecido como “massacre do rio Abacaxis” teve origem no conflito causado por turistas que ingressaram ilegalmente no território de indígenas e ribeirinhos, na região dos rios Abacaxis e Marimari, para praticar pesca esportiva. Uma operação da polícia militar no local resultou na morte de dois indígenas do povo Munduruku e de pelo menos quatro ribeirinhos, além de outros dois desaparecidos e diversos relatos de violações de direitos humanos praticados pelos policiais. Em Mato Grosso, quatro indígenas do povo Chiquitano que estavam caçando numa área próxima à sua aldeia foram mortos por policiais do Grupo Especial de Fronteira (Gefron).
Cabe ressaltar que muitos dos casos de abuso de poder, ameaças várias e racismo e discriminação étnico cultural ocorreram quando os indígenas buscavam atendimento ou assistência em meio à pandemia. Além das mortes e da fome, que atingiu muitas comunidades em situação de vulnerabilidade extrema, o preconceito e o racismo foram agravantes do sofrimento vivenciado pelos povos indígenas durante a crise sanitária.
Violência por Omissão do Poder Público
Embora não tenham registrado aumento em relação a 2019, os casos de “violência por omissão do poder público” em 2020 mantiveram-se, junto com o ano anterior, em um patamar elevado em relação ao registrado nos anos imediatamente anteriores ao início do governo Bolsonaro.
Com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), o Cimi também obteve da Sesai dados parciais de suicídio e mortalidade na infância indígena. Em 2020, foram registrados 110 suicídios de indígenas em todo o país. Os estados do Amazonas (42) e Mato Grosso do Sul (28) mantiveram-se como os que registraram as maiores quantidades de ocorrências. Não houve aumento dos casos em relação a 2019, quando os dados da Sesai indicaram a ocorrência de 133 suicídios.
Ainda segundo os dados da Sesai, foram registrados 776 óbitos de crianças de 0 a 5 anos em 2020. Também neste caso os estados com maior número de registros foram os mesmos que no ano anterior: Amazonas (250 casos), Roraima (162) e Mato Grosso (87). Apesar de, como no caso dos suicídios, não ter sido verificado um aumento do número de casos em relação a 2019, a Secretaria ressalta que os dados são preliminares e estão sujeitos a alteração.
Ainda nesta categoria foram registrados os seguintes dados: desassistência geral (51); desassistência na área de educação escolar indígena (23); desassistência na área de saúde (82); disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (11); e morte por desassistência à saúde (10), totalizando 177 casos.
Também neste capítulo, grande parte dos casos relatados possui relação direta com o contexto da pandemia e a falta de assistência do poder público, especialmente na área de saúde. A falta de apoio para a instalação de barreiras sanitárias nas terras indígenas, a interrupção ou omissão no fornecimento de cestas básicas e de materiais de higiene, necessários para garantir condições básicas de proteção e prevenção contra a Covid-19, foram alguns dos casos recorrentes registrados neste capítulo.
Artigos e dados sobre a pandemia
Além dos dados referentes ao ano de 2020, o Relatório apresenta também artigos com a proposta de aprofundar a reflexão sobre a realidade dos povos indígenas no país. Neste ano, três artigos abordam os impactos da pandemia sobre os povos indígenas, acompanhados de uma síntese dos dados de óbitos e contaminações entre indígenas sistematizados pela Apib e pela Sesai a respeito do ano de 2020. Os textos abordam como a pandemia afetou os povos indígenas no país; o descaso do governo federal na reação à crise sanitária; e a situação dos indígenas encarcerados em meio à pandemia. Além disso, outros dois artigos discutem o racismo e a discriminação contra os povos originários e o sequestro da água dos rios pelo agronegócio no Tocantins.
Assista o lançamento: https://bit.ly/LançamentoRelatorioYT
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terça-feira, 26 de outubro de 2021
Desconsiderar mudança climática fez Brasil gastar R$ 17 bi a mais com térmicas
Por Mario Ferreira
A falta de água custa caro à União, ao setor produtivo e ao consumidor. Um estudo apresentado em mesa redonda promovida pelo iCS (Instituto Clima e Sociedade) estima que o Brasil gastou R$ 17 bilhões a mais do que teria gasto se tivesse agido de forma preventiva, acionado há mais tempo térmicas a gás, mais baratas, para economizar a água das hidrelétricas.
Esse “seguro contra a seca” teria custado R$ 20 bilhões. Como não foi feito, os reservatórios chegaram ao menor nível em 90 anos, e o governo, agora, tem de gastar R$ 37 bilhões para acionar todas as térmicas, inclusive as mais caras, a diesel. Os cálculos são do engenheiro Donato Filho, diretor da Volt Robotics e professor de pós-graduação da USP em Modelagem Computacional e Sistemas Inteligentes. A apresentação do estudo contou com a participação o do matemático Sérgio Margulis e do engenheiro Luiz Eduardo Barata, ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), entre outros especialistas convidados pelo iCS.
O estudo mostra também que a conta poderia ser ainda menor caso o governo tivesse investido antes na ampliação da geração solar e eólica. Essas fontes renováveis teriam evitado o esvaziamento dos reservatórios, cumprindo a mesma função que as térmicas, só que a um custo muito menor e sem aumentar as emissões. Um investimento anual de R$ 10,7 bilhões, metade do valor gasto com as térmicas, seria o melhor “seguro contra a seca” disponível. “Em vez disso, leis e emendas obrigam a contratar térmicas, um malabarismo para passar o custo da energia suja ao consumidor. É uma espiral da morte: aumentamos as emissões de CO2, que aceleram as mudanças climáticas. As térmicas deveriam ser a última opção, mas se tornaram prioridade nas emendas do Congresso à MP de privatização da Eletrobras, com o consumidor sendo forçado a comprá-las a preços altos”, critica Donato.
Sérgio Margulis reforça que o planejamento não pode mais ignorar as mudanças climáticas: “As secas não são mais eventos extraordinários, são para sempre e cada vez mais frequentes e intensas. O setor agrícola também vai ter que se adaptar a mais temperatura e menos chuva, todos temos de conviver com o novo normal.” Margulis, que foi economista do meio ambiente do Banco Mundial em Washington por 22 anos e trabalhou com o tema em mais de 40 países, é autor de “Mudanças climáticas: tudo o que você queria e não queria saber”. Ele apresentou uma série de mapas evidenciando a tendência de redução da chuva em todo o Brasil, com exceção do Sul.
“O fator fundamental desta grande crise é que o planejamento não considera as mudanças climáticas. Quem paga é o contribuinte, e isso impacta toda a economia”, complementa a diretora programática do iCS, Teresa Liporace.
Ela lembra que, às vésperas da COP, o Brasil dá uma “pedalada” em sua própria vantagem competitiva, adotando ações poluentes quando deveria mitigar riscos climáticos. “A quem interessa adotar medidas de curto prazo que vão ter impactos a longo prazo para todos?” O ex-ministro José Goldemberg, que presidiu quatro estatais do setor elétrico, comparou a atitude do governo em não evitar o esvaziamento dos reservatórios à de quem não faz seguro do carro. “Se você paga o seguro, vê que é muito menos do que o prejuízo de perder o carro. Não fazer seguro contra a incerteza tão grande de chuvas é um absurdo.”
Ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e ex-secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia, Luiz Eduardo Barata lembra que o problema das mudanças climáticas é mundial, mas o Brasil procura agravá-lo ao contratar fontes poluentes em vez de se adequar à realidade. “O problema não é divino, é da natureza. Começa com crise climática, se transfere para a hídrica e, no Brasil, vira crise elétrica. O caminho é quebrar o paradigma e viabilizar a contratação em grande escala das renováveis, mas insistimos em negar o que o mundo nos apresenta”, disse o engenheiro.
Muitos estudos, segundo Barata, demonstram que o Brasil pode recuperar os reservatórios, tirando-os da situação crítica, com energias renováveis. “O esquema que vivemos desde o início do sistema, década de 50, não serve mais, e o uso das renováveis no período seco permitiria manter as hidrelétricas em condições de modular a carga elétrica o ano todo, sem esvaziar os reservatórios”. Donato reitera que o Brasil precisa observar como as mudanças climáticas estão alterando decisões governamentais pelo mundo. “O governo da China, um país comunista, está falando em adotar preço de mercado para a energia, para as pessoas sentirem o que estão gastando. E nós estamos com tarifa fixa”, compara.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/10/2021
Depois de 80 anos onça-parda reaparece na zona oeste do Rio de Janeiro
Vestígios reunidos desde 2007 por pesquisadores confirmaram a presença de onças pardas em áreas de preservação ambiental na zona oeste do Rio de Janeiro.
A descoberta ganhou forma quando, no ano passado, câmeras de segurança do Sítio Burle Marx, em Barra de Guaratiba, flagraram o felino durante a madrugada.
Com base nesses achados, o grupo publicou um artigo científico neste mês na revista Check List, em que destaca que esse é o primeiro registro comprovado do animal na capital fluminense em cerca de 80 anos. A espécie chegou a ser considerada extinta na lista municipal de fauna e flora ameaçada.
Também conhecida como suçuarana, a Puma concolor circula no Parque Estadual da Pedra Branca, no Parque Municipal do Mendanha e na Reserva Biológica de Guaratiba, segundo o biólogo e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Jorge Pontes, um dos responsáveis pelo artigo. Já havia registro desses animais em outras partes do Grande Rio, como em Magé, Tinguá e Itaboraí, e uma das possibilidades é que eles podem ter partido das bordas da região metropolitana para retornar aos resquícios de Mata Atlântica na capital.
“A importância é que é um animal do topo de cadeia alimentar, e que é mais exigente. Se ele sobrevive no Rio, pode ser indício não só da adaptação dele a áreas periurbanas e urbanas, mas também de que tem lugar para ele se refugiar. Isso vai ter que fazer com que os órgãos públicos pensem em políticas para a fauna”, afirma o pesquisador, que destaca a importância de preservar corredores entre essas grandes áreas de preservação, como a Floresta do Camboatá, que fica entre os maciços do Mendanha e Pedra Branca.
Pontes alerta que a divulgação da presença das onças-pardas também deve servir para que os órgãos públicos se preparem para combater a caça a esses animais. Ele destaca que o próximo passo necessário para entender melhor o retorno das onças ao Rio é um estudo para localizá-las e monitorá-las, porque os dados reunidos até agora não permitem concluir qual é o tamanho da população dos felinos na cidade.
Vizinhos de áreas populosas, os parques onde a onça deixou vestígios são frequentados por cariocas e turistas em busca de trilhas e cachoeiras. O biólogo explica que essas onças não costumam atacar seres humanos e são curiosas.
“Quando ela encontra alguém, geralmente é por acidente. O melhor é você ficar onde você está e deixar que ela siga o caminho dela. Esses encontros são muito rápidos. Ela dá de cara e foge”, diz Pontes, que acrescenta que, caso sejam avistados filhotes do animal, eles devem ser deixados na mata. “Ele pode parecer perdido, mas a mãe só saiu para buscar comida”.
As onças-pardas são animais solitários, que só andam em pares na época do acasalamento, descreve o biólogo. Quando têm filhotes, as mães criam os mais novos até que eles possam ganhar autonomia e seguir seu caminho na mata. A espécie é considerada ameaçada por diferentes países e sua presença se estende por biomas de praticamente todo o continente americano, do Canadá à Patagônia da Argentina.
Quando adultos, esses felinos podem ter até dois metros do focinho até a ponta da calda, mas têm um porte mais esguio do que a onça pintada. Entre suas presas estão animais como a cotia, o gambá e o porco do mato, que teve sua presença recentemente constatada no Parque Municipal do Mendanha. Pontes alerta que a preservação ambiental também é importante para que as onças encontrem comida na mata e não se sintam atraídas por animais de rua ou de estimação, o que pode fazer com que entrem no perímetro urbano.
Por Vinícius Lisboa, da Agência Brasil , in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/10/2021
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