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sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Incêndios podem contribuir para morte lenta das onças-pintadas no Pantanal

por Elizabeth Alberts, Mongabay – Há aproximadamente 2 mil onças-pintadas vivendo no Corredor das Onças no Pantanal, e conservacionistas estimam que os incêndios impactaram o habitat de cerca de 600 delas, além de deixarem algumas mortas ou feridas. As onças têm dificuldade de fugir porque os incêndios queimam também debaixo da terra, o que impede sua identificação visual. O Pantanal, maior região alagada do mundo, sofre uma onda de incêndios desde o final de 2019. Estima-se que as chamas tenham destruído aproximadamente 3,3 milhões de hectares, ou 22% da região. Embora não esteja totalmente claro de que forma os incêndios afetarão as populações de onças-pintadas no futuro, eles podem levar à insegurança alimentar e à instabilidade genética, de acordo com os specialistas. Fernando Tortato costuma passar seu tempo analisando imagens de armadilhas fotográficas para monitorar as onças no Pantanal. Mas, nos últimos 45 dias, ele assumiu um novo papel, o de bombeiro, às vezes trabalhando em turnos exaustivos de 24 horas ininterruptas para ajudar a extinguir as chamas que vêm arrasando o Pantanal desde o final de 2019. Segundo Tortato, os incêndios parecem uma “onda que queima tudo”. “No Pantanal, que é uma área alagada, normalmente temos alguns rios, riachos, lagoas e brejos que são barreiras naturais contra o fogo”, diz Tortato, pesquisador do programa de conservação de onças-pintadas da ONG Panthera. “Mas este ano, com esta condição – totalmente seca – as barreiras não funcionaram. E, com isso, o incêndio atingiu uma escala que nunca vimos antes.” Fernando Tortato ajudando a apagar as chamas no Pantanal. Foto: Fernando Tortato/Panthera. Somente em 2020, estima-se que os incêndios queimaram aproximadamente 3,3 milhões de hectares do Pantanal, o equivalente a 22% de toda a região, de acordo com dados compilados pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Acredita-se que muitos incêndios foram causados deliberadamente por pessoas abrindo terreno para a agricultura, mas a seca generalizada que aflige o Pantanal está ajudando a alimentar as chamas. Muitas espécies foram afetadas pelo fogo, especialmente pequenos vertebrados como répteis e anfíbios, que não conseguem fugir com facilidade. Os conservacionistas também estão preocupados com as onças-pintadas (Panthera onca), animais que atraem um grande número de turistas para a região a cada ano. Por se tratar de uma espécie quase ameaçada, o número de onças já estava em tendência decrescente devido à perda e à fragmentação de habitat, bem como aos conflitos entre humanos e a fauna selvagem; e os incêndios podem exercer ainda mais pressão sobre esses felinos. Em meados de setembro, o Parque Estadual Encontro das Águas, em Porto Jofre (MT), onde está uma das maiores concentrações de onças-pintadas do mundo, teve 85% de sua área afetados pelo fogo. Embora a população total de onças-pintadas nas Américas Central e do Sul seja estimada entre 65 mil e 170 mil indivíduos, o Corredor das Onças do Pantanal abriga uma população pequena, porém vital, de cerca de 2 mil indivíduos, de acordo com Howard Quigley, diretor-executivo de ciência da conservação da Panthera e integrante do grupo especializado em felinos da UICN (União Internacional pela Conservação da Natureza). Considerando a quantidade de terras queimadas no Pantanal, acredita-se que aproximadamente 600 onças-pintadas tiveram seu habitat impactado pelo fogo, o que pode levar a problemas de insegurança alimentar para a espécie, diz Quigley. Também é provável que muitas onças tenham morrido ou ficado feridas pelos incêndios. Até agora, a equipe da Panthera e seus parceiros encontraram uma onça morta e quatro com queimaduras. Onça-pintada fêmea resgatada com queimaduras nas patas. Foto: Abigail Martin. “No panorama mais amplo da viabilidade das onças-pintadas, isso pode ser visto como apenas mais um sinal no radar de sobrevivência da espécie, tendo pouco impacto geral”, diz Quigley. “Por outro lado, as onças podem estar vivendo uma morte lenta, e isso é grave.” “A sobrevivência das onças está fortemente ligada a duas coisas: a segurança dos núcleos populacionais e o movimento dos animais pelas terras entre esses núcleos, os corredores, cuja combinação forma o Corredor das Onças”, acrescenta Quigley. “Olhando apenas para o Pantanal, esses incêndios certamente não ajudam na segurança da população local de onças-pintadas.” As maiores populações de onças do Pantanal estão localizadas perto do Gran Chaco, no Paraguai, e do Parque Nacional Noel Kempff Mercado, na Bolívia, segundo Quigley. Se os incêndios afetarem severamente essas populações, a espécie pode passar por uma instabilidade genética no futuro, afirma. “Com os incêndios na Bolívia no ano passado, este pode ser um golpe duplo para a população regional de onças, embora não seja um nocaute, até onde sabemos”, explica Quigley. Para as onças, fugir das chamas não é um processo simples. Muitos dos incêndios queimam também sob o solo e não são detectáveis visualmente, o que torna difícil evitá-los, explica Tortato. “Elas podem queimar as patas porque não conseguem ver o fogo”, diz ele. “Identificar esses lugares [onde o fogo está queimando] é tão difícil para os animais quanto para nós.” A equipe da Panthera vem trabalhando com o governo, comunidades locais e outras organizações para tentar salvar o maior número possível de animais selvagens. Até agora, eles ajudaram uma tartaruga, duas serpentes, vários iguanas e duas onças, entre elas uma fêmea de quatro anos chamada Glória, resgatada por membros da comunidade com queimaduras severas nas patas. Equipe da ONG Panthera combatendo um incêndio no Pantanal. Foto: Fernando Tortato/Panthera. “Quando as pessoas perceberam que ela estava procurando refúgio em torno da comunidade, agiram imediatamente para salvá-la”, contou Rafael Hoogesteijn, diretor do programa de conflitos do projeto de conservação das onças da Panthera, num blog. “Em outras partes da América Latina, ela teria sido morta na hora. Mas, nessa região do Pantanal, a relação entre as pessoas e a vida selvagem é tão profunda que a comunidade fez tudo o que podia para salvá-la. Eles mantiveram o grande felino de quatro anos vivo até que pudesse ser levado para um centro de resgate e receber tratamento médico. Glória está se recuperando bem, e os veterinários continuam monitorando-a na esperança de soltá-la no futuro.” A equipe também trabalha para ajudar os moradores locais, muitos dos quais já estão sofrendo por causa da pandemia de covid-19 que afetou bastante os lucros do turismo este ano. Esta semana começou a chover no Pantanal. Embora a região sul tenha recebido bastante água, a parte norte só teve chuvas leves até agora. “Não é suficiente para apagar os incêndios”, constata Tortato. Ainda assim, ele e seus colegas têm esperança de que a região se recupere ecologicamente, pelo menos em certa medida, depois que as chuvas finalmente chegarem. Imagem aérea dos incêndios na região do Pantanal. Foto: Fernando Tortato/Panthera. “Talvez o Pantanal não seja mais o mesmo, mas deve criar uma nova composição da vida selvagem”, diz Tortato. “Não sabemos. Normalmente as pesquisas mostram mais perguntas do que respostas. Este é o problema.” Embora ainda não esteja claro como os incêndios influenciarão as populações de onça-pintada no futuro, há um fator positivo para a espécie. No Pantanal, as onças predam jacarés e capivaras e, nesta época do ano, essas espécies tendem a viver na água, o que provavelmente as salvou do fogo. A abundância desses animais será uma fonte fácil de alimento para as onças-pintadas sobreviventes. “As onças devem ter comida suficiente nos próximos meses se tomarem ou mantiverem territórios que se sobrepõem a esses corpos d’água”, diz Quigley. “O problema então passa a ser como elas sobreviverão na estação chuvosa, quando as principais presas se dispersam pela imensa extensão de água que é o Pantanal de janeiro a maio.” #Envolverde

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