Por Sucena Shkrada Resk*
Surtos epidêmicos entre humanos, com início em doenças zoonóticas, se tornam mais prováveis
A The Wildlife Conservation Society lançou um documento, neste mês de maio, que alerta sobre o perigo que ronda a humanidade com a possibilidade de mais surtos epidêmicos e pandemias derivados de contágios primários provenientes de animais selvagens – as chamadas doenças zoonóticas -, onde existe o desequilíbrio ecossistêmico, que podem resultar posteriormente na transmissão de vírus entre humanos. A maioria das ameaças emergentes tem esta origem, como as associadas ao coronavírus. O que fica claro é que o problema não está nos “animais”, mas na ação descontrolada dos humanos na sua relação com o meio ambiente.
O estudo “Ligações entre integridade ecológica, emergentes doenças infecciosas originárias da vida selvagem e outros aspectos da saúde humana – uma visão geral da literatura” é assinado por um grupo de cientistas. São eles: Tom Evans, Sarah Olson, James Watson, Kim Gruetzmacher, Mathieu Pruvot, Stacy Jupiter, Stephanie Wang, Tom Clements and Katie Jung.
A pesquisa alerta que historicamente, são pelo menos mais de 335 surtos de doenças infecciosas emergentes (envolvendo 183 patógenos distintos) relatados mundialmente, entre 1940 e 2004 e a taxa de surtos tem aumentado significativamente, nos últimos anos.
Um dos fatores deste desequilíbrio é a existência do comércio destas espécies para consumo alimentar em determinadas sociedades, que facilita esta propagação. Há precedentes, como o vírus Severe Acute Respiratory Syndrome ou Síndrome Respiratória Aguda Grave, em português (SARS-Cov-1), que foi originado de morcegos, na China, entre os anos de 2002 e 2004, que chegou a matar cerca de 800 pessoas e impactar o turismo, alimentação e viagens na China continental, em cifra aproximada de US $ 8,5 bilhões.
O vírus MERS-CoV foi decorrente de camelos, no Oriente Médio, em 2012. Agora, a SARS-CoV-2, popularmente conhecida como Novo Coronavírus, que transmite a Covid-19, está associada inicialmente a morcegos, em Wuhan, na China. As autoridades desta cidade, que é capital da província de Hubei, proibiram a çaça e consumo, no mínimo por cinco anos.
Os efeitos exponencialmente mais dramáticos da atual cepa do vírus, que se propagou pelo planeta, revela como esta é mais grave em seu grau de transmissibilidade e letalidade. Cerca de 354 mil perderam suas vidas até o dia 28 e há o registro de 5.593 milhões de casos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e um quadro recessivo sem precedentes se construindo no mundo. A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) estima que os prejuízos monetários no mundo já giram em mais de US $ 1-2 trilhões.
Segundo os pesquisadores, os fatores que acentuam estes riscos de doenças infecciosas emergentes são conversão de terras, criação de novas margens para habitat, além do comércio e consumo de animais silvestres (seja legal ou ilegal em determinados locais) e da intensificação agrícola. O vínculo (predatório) a áreas de alta biodiversidade, eleva as taxas de contato entre humanos e certas espécies selvagens.
As pressões são exercidas por diversas origens – caça, exploração madeireira, extração de petróleo, gás e minerais, construção de infraestrutura, pastagem de gado, recreação, poluição, gerenciamento de incêndio e drenagem ou inundação de habitats naturais.
A degradação ecossistêmica possibilita também doenças transmitidas por diferentes vetores e pela água e ar, entre outros, associadas a outros efeitos à saúde humana por meio das mudanças climáticas. Este conjunto pode contribuir para conflitos locais e transnacionais sobre recursos naturais, resultando no enfraquecimento da segurança internacional.
Em relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU), o alerta sobre a necessidade da conservação florestal no planeta foi dado, pois desde 1990, aproximadamente uma área de 80 milhões de hectares de floresta primária no mundo foi devastada. No grupo dos países com mais perdas, está o Brasil. A perda de biodiversidade no planeta é um dos efeitos graves, que impacta também a segurança alimentar.
O enfrentamento destes problemas, de acordo com o estudo, pode se dar por meio de diferentes mecanismos. Entre eles, a adoção de políticas públicas de saúde que insiram esta pauta; a proteção da integridade ecológica com adoção de planejamento espacial e criação e manejo de áreas protegidas efetivas, com a manutenção de unidades de conservação, e apoio à gestão de ecossistemas por indígenas. A conservação de bacias hidrográficas e adaptação e mitigação às mudanças climáticas fazem parte deste modelo de enfrentamento, com a premissa da conservação da biodiversidade e de regimes pluviométricos.
Os cientistas recomendam que povos e comunidades locais sejam inseridos neste planejamento pela gestão pública, em políticas para minimizar as ameaças causadas pela pressão de determinados segmentos econômicos. E haja uma dedicação à segurança alimentar destes povos quanto à sua cultura e subsistência. A proposta é de que sejam criados sistemas comunitários de gerenciamento de recursos naturais e gestão integrada em paisagens mais amplas.
É considerado também crucial, nesta série de medidas, o fechamento de mercados comerciais de animais silvestres e proibição deste comércio para consumo humano, especialmente de pássaros e mamíferos. E a implementação de sistemas de vigilância e resposta a doenças zoonóticas, associadas a animais domésticos.
Sobre o tema doenças zoonóticas, há outras fontes interessantes, como o livro Spillover – Animal Infections and the Next Human Pandemic, de David Quammen, especialista em ciência e natureza, publicado no ano de 2012. Na obra, decorrente de um trabalho profundo de pesquisa, o autor trata desde o vírus Hendra, na Austrália, nos anos 1990, originado de morcegos, até a gripe, decorrente de aves e suína.
*Sucena Shkrada Resk – jornalista, formada há 28 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
#Envolverde
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