Por Ulisses Capozolli, cortesia para a Envolverde –
Às 22h54 de amanhã, sábado, pelo horário oficial de Brasília, começa a primavera no hemisfério sul e o outono no Norte. O deslocamento aparente do Sol, do hemisfério norte para o sul, faz com que ele cruze o equador (ou o equador celeste, a projeção do equador da Terra na esfera celeste) às 22h54, estabelecendo praticamente a mesma duração do dia e da noite em ambos os hemisférios. Ainda que permaneçam ligeiras diferenças.
Mas, se a Terra gira em torno do Sol, por que falar de um deslocamento do Sol em relação à Terra? Tudo uma questão de ponto de vista para observadores localizados na Terra. O ponto central, neste caso, é que a Terra se desloca em torno do Sol com uma inclinação de 23 graus e 27 minutos (23° 27’) do seu eixo de rotação em relação à eclíptica, o plano de órbita da Terra e demais planetas em torno do Sol. Para compreender o que é a eclíptica, imagine uma pequena experiência. Corte uma melancia pela metade e coloque uma das partes sobre uma mesa e a outra exatamente sobre a primeira, mas sob a superfície da mesa. Parecerá que a mesa dividiu as duas porções da melancia (o Sol) como se fosse uma lâmina afiada. A superfície da mesa, nesta pequena experiência mental, é a eclíptica, o plano de órbita dos planetas em torno do Sol. Você pode-se perguntar pela razão de a Terra ter essa inclinação em seu eixo de rotação e a resposta é: não sabemos. Supostamente, ela pode ter resultado do impacto de um corpo com a Terra que teria dado origem à Lua, quando a Terra ainda era muito jovem, um mundo quente demais para abrigar a vida que surgiria muito tempo depois no leito dos oceanos.
A origem da Lua, que forma um sistema planetário binário com a Terra, por seu porte significativo em relação à Terra, tem atormentado a ciência ao longo do tempo. A Lua poderia estar passando pelas proximidades da Terra, viajando pelo interior do Sistema Solar vinda de um ponto desconhecido e ter sido agarrada gravitacionalmente pela Terra, desejosa de uma companhia? Durante certo tempo essa possibilidade esteve sob considerações. Até que cálculos demonstraram que esse agarrão teria sido impossível. A Terra não teria tido “força” suficiente para deter a Lua de sua errância cósmica. Então começou a tomar força a ideia do impacto de um corpo, esse sim um errante cósmico, com a Terra. O choque teria arrancado parte do corpo da Terra e projetado esse material no espaço, onde ele voltou a coalescer (condensar-se em torno de um centro de gravidade) para formar um corpo: a Lua. Essa hipótese foi inicialmente considerada pelo astrônomo inglês George Howard Darwin (1845-1912) segundo filho do naturalista Charles Robert Darwin, o pai da seleção natural. Para Darwin filho, o Oceano Pacífico teria sido a cicatriz deixada pelo impacto do corpo que deu origem à Lua.
A inclinação do eixo de rotação da Terra combinada com a translação, o giro da Terra em torno do Sol, dá origem às estações. E as estações são marcadas por diferenças na radiação solar, o que significa mais ou menos luminosidade e calor nos diferentes hemisférios. Com a variação do calor, há uma variação na quantidade de chuva ou neve. As formas de vida, desde as colônias celulares primitivas que se formaram nos oceanos, se adaptaram às estações do ano e, atualmente, a vegetação é o melhor exemplo disso. As plantas renovam suas folhagens na primavera. Folhas são antenas biológicas para captação de energia solar e as flores as estratégias de reprodução, em boa parte dos casos com a oferta de frutos para a vida animal: humanos, esquilos, aves, toda uma longa e fascinante teia de vida que caracteriza a Terra. O único mundo repleto de vida em toda a vastidão do Sistema Solar. A única fonte de vida conhecida no Cosmos, investigada por sondas espaciais e telescópios de grande porte.
Como a vegetação, as árvores em especial, podem prever as estações do ano? As árvores, toda a vegetação, tem memória, ainda que seja de um tipo distinto da memória animal. A memória das árvores está localizada na extremidade das raízes e isso não é resultado do puro acaso. As raízes sugam e bombeiam água para o corpo de uma árvore e se dão conta do fluxo do tempo entre as diferentes estações. Elas se preparam para o fluxo das chuvas. A abundância de água fará com que as árvores cresçam ou se reproduzam, ou façam as duas operações ao mesmo tempo. Tudo organizado pelo complexo e fascinante mecanismo da vida. A vida, enquanto processo organizativo, é o contraponto do caos, da desorganização. A organização depende de uma fonte de energia e, na Terra, essa fonte principal é uma estrela bem próxima: o Sol. Algumas árvores podem florescer antes da primavera, como ocorre com os ipês, as plantas símbolo do Brasil em sua diversidade de cores. Por que os ipês se antecipam à primavera? Por uma estratégia refinada. Florindo antes, os ipês atraem uma massa de polinizadores que não será tão grande quando todas as outras árvores florescerem. O que significa dizer que as árvores têm não apenas memória, mas também refinadas estratégias de sobrevivência. A primavera, deste ano, chega em um momento tenso e de certa maneira trágico para o Brasil. Mas que, também por isso, é um momento de rara possibilidade de mudanças. O desejo que acompanha essa postagem é que cada um de nós, brasileiros, possa se dar conta da singularidade da Terra no céu, da força e da determinação da vida, para inspirar nossas decisões. A brutalidade e a destruição não combinam com a vida. Elas estão associadas ao caos. À desorganização. À morte. Ao banimento da vida. (#Envolverde)
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