Como por milagre eu vi procissões.
E vultos através da vidraça.
E maçãs maduras caindo do pé.
E um sol que se levanta.
Como por milagre eu senti cheiros antigos.
E revi faces amigas.
E lembrei de rostos mortos.
E aprendi a dizer não.
E aprendi a dizer sim.
Como por milagre eu salvei náufragos.
E eu mesmo - como por milagre - cheguei à praia.
E escutei discussões sem delas participar.
E ouvi queixas.
E fiz queixas.
E se queixaram de mim.
Como por milagre fiz um poema.
E ergui paredes.
E fixei quadros de crianças.
E sonhei com mulheres adormecidas.
Como por milagre - metamorfose inexplicável - fui segunda-feira.
E me transformei em sábado também.
E consegui ser domingo.
Como por milagre busquei - alcancei - o Norte.
E busquei o leste.
E fugi para o Oeste.
E como por milagre não pressenti o sul.
Como por milagre passei por tardes loiras.
E conheci o amor.
E acompanhei cardumes.
E me perdi com eles.
E achei um cavalo-marinho.
E recolhi conchas.
E me transformei em faca.
E anzol.
E rede.
Como por milagre uma sereia falou comigo.
E gaivotas drogadas voavam por sobre meus cabelos.
E estive em terras longínquas.
E ouvi morteiros ao entardecer.
E o napalm queimou minha pele de pecador.
E toquei tambores de guerra.
E como por milagre fumei o cachimbo da paz.
Como por milagre andei por estepes desoladas.
E descampados verdes.
E desci ao fundo das minas.
E naveguei por mansos canais azuis.
Como por milagre alguns dos meus netos aprenderam a ler.
Enquanto outros netos meus entraram na universidade.
E não morri este ano como por milagre.
Assim como - por milagre - um novo ano nascerá.
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