A licença ambiental dada para complexo turístico e residencial na Área e Preservação Ambiental (APA) de Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro, continua valendo. Depois de ter sido anulada em decisão liminar, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região entendeu, na semana passada, que a liberação não extrapolou a lei e que o resort, cujas obras ainda não começaram, não causará dano ambiental se for executado dentro dos limites da própria autorização.
O Ministério Público Federal recorreu à Justiça questionando a licença dada ao complexo Fazenda São Bento da Lagoa. O empreendimento terá campo de golfe,centro hípico, shopping centers, clubes, hotéis e prédios residenciais, com capacidade para 20 mil pessoas, em uma área de 840 hectares. Na região, entre a Lagoa de Maricá e a Praia da Barra de Maricá, foram identificados espécies endêmicas de animais, aves migratórias, dunas raras e sítios arqueológicos.
Preocupado com os impactos socioambientais, o MPF questionou o plano de manejo da APA, que admite a instalação do complexo e pediu o cancelamento da licença. O Ministério Público Estadual também tem ação contra as leis que permitem construções na restinga.
A decisão de manter a licença, dada no último dia 28, pelo desembargador Poul Erik Dyrlund, considerou, no entanto, que a ação do MPF intervinha nas prerrogativas do governo do estado e do município. Recomendou às partes “conciliar os legítimos interesses ambientais, econômicos, sociais, culturais etc, aparentemente conflitantes, mas que, na realidade, devem ser convergentes”. O Ministério Público ainda não foi notificado e não informou se vai recorrer.
O recurso que derrubou a liminar é do município de Maricá, que defende o projeto por acreditar que trará benefício econômicos, impedindo “favelização” e gerando 32 mil empregos. “O projeto privado do resort é apoiado por sua sustentabilidade e pela forte geração de empregos dentro de um setor com enorme potencial de crescimento: o turismo”, justificou a prefeitura.
Com a decisão da Justiça Federal, ambientalistas temem a emissão da segunda licença ambiental, que autoriza o início das obras do projeto. Eles voltaram a criticar o zoneamento da APA, que consideram ilegal, mas está previsto no controverso plano de manejo, permitindo intervenção em mais de 50% da restinga e 78% do território pesqueiro artesanal de Zacarias.
“É preciso terminar com o drama que se arrasta desde os anos 1940, com tentativas de implantar megaempreendimentos urbanos verticalizados e assim destruir e descaracterizar a comunidade pesqueira, os ecossistemas nativos, áreas de pesquisa científica e sítios históricos e arqueológicos”, disse a professora Desirée Guichard, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que atua no Fórum de Pesquisadores da Restinga de Maricá e no Movimento Pró-Restinga.
Segundo Desirée, as leis estadual e municipal que serviram de base para emissão de licença ambiental ao resort violam normas legais de proteção ao patrimônio cultural, ao meio ambiente e à pesquisa científica. Outros usos deveriam ser dados à restinga, como a anexação ao Parque Estadual da Serra da Tiririca e a regularização fundiária de todo o povoado de Zacarias, disse ela.
A centenária colônia de pescadores, que ainda sobrevive do pescado, está preocupada com impactos da urbanização nos brejos, que pode reduzir o volume de peixes na Lagoa de Maricá.
Os empreendedores voltaram a afirmam que o projeto respeita as regras ambientais e a permanência dos pescadores tradicionais. Eles dizem que o projeto limita a ocupação a 6,4% da área e assegura a instalação de estações de tratamento de esgoto, centro de pesquisa e de uma reserva particular do patrimônio natural. “O projeto foi desenvolvido para se tornar referência de sustentabilidade”, afirmou o IDB, em nota.
Em troca, em uma trégua na batalha judicial que se estende desde 2009, uma das propostas da IDB é dar o título de propriedade individual às antigas famílias de pescadores e fazer obras de urbanização, como pavimentação dos acessos, de chão batido. A comunidade não quer.
Regularização coletiva
Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores de Zacarias cobra a regularização fundiária coletiva por usucapião, pelo governo estadual. A entidade alega que a regularização dos terrenos por família deixará de fora áreas comuns, como o acesso ao mar, a sede da associação de pescadores, que tem campo de futebol, e o parquinho para as crianças, que deverão ser demolidos para dar lugar a instalações do complexo turístico.
Segundo os registros, a ocupação daquela região data de 1797, o que assegura aos pescadores o direito de ficar. Porém, para a titulação coletiva, que depois não permite a venda individualmente, é necessária uma ação de desapropriação de parte da Fazenda São Bento, área do resort.
Os moradores da pequena vila, a maioria idosos, pedem uma posição do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro para resolver o impasse. Eles tentam, mas ainda não conseguiram uma reunião com representantes do instituto. Procurado ao longo de toda a sexta-feira, por e-mail e telefone, o Iterj não respondeu à Agência Brasil.
A Secretária do Patrimônio da União (SPU), responsável pela área no entorno da lagoa, informou, por nota, que acompanha a situação e o desenrolar das ações na Justiça. “Temos buscado interlocução junto aos atores envolvidos para chegarmos a um melhor acordo”, diz o texto.
Por Isabela Vieira, da Agência Brasil, in EcoDebate, 04/04/2016
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