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quarta-feira, 8 de maio de 2013

Aquecimento global e suas implicações para o futuro humano. Entrevista com Ernesto Lavina

“As pessoas duvidam que exista uma evidência física de que o mundo está mudando. Ela existe sim, e são as geleiras”, afirma o geólogo.








“Estamos em um momento realmente crucial. Todas as vezes, nos últimos 800 mil anos, em que a temperatura média da Terra atingiu patamares como os atuais, entramos em um novo período frio, que culmina com período glacial. Como não há nada de novo acontecendo em termos tectônicos na Terra, poderíamos dizer que dentro de um período de 10 a 15 mil anos entraremos em uma nova era glacial. É um palpite, em função de que a memória da Terra tende a prevalecer”, afirma Ernesto Lavina, professor da Unisinos, em entrevista concedida, por telefone, à IHU On-Line.



Segundo ele, “o vulcanismo é a chave de tudo o que acontece na Terra. Só que, paralelamente a isso, temos a interferência humana”.



O geólogo explica que “se não existisse o efeito estufa, a temperatura média da Terra seria algo como 18ºC abaixo de zero. Na verdade, o efeito estufa não é o vilão por si só. É o acúmulo, principalmente do vapor d’água, do CO2 e um pouquinho de metano e ozônio, que fazem com que a temperatura seja algo hoje entre 13 e 14ºC acima de zero”.



O tema desta entrevista será o tema da conferência que o geólogo e professor proferirá na próxima terça-feira, dia 07-05-2013, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU, das 19h30 às 22h, na programação do I Seminário que prepara o XIV Simpósio Internacional IHU – Revoluções Tecnocientíficas, Culturas, Indivíduos e Sociedades. A modelagem da vida, da produção do conhecimento e dos produtos tecnológicos para a tecnociência contemporânea que ocorrerá de 21 a 24 de outubro de 2014.

Ernesto Lavina é geólogo e doutor em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. É professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Tem experiência na área de Geociências, atuando na área de geologia sedimentar.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O senhor pode falar sobre as principais mudanças climáticas ao longo da história da Terra?



Ernesto Lavina – A Terra, ao longo do tempo, alterna períodos quentes com períodos frios. A nossa época (atual) é considerada um período frio, em que existem calotas polares. A observação e o estudo do registro geológico, pelo menos nesse último bilhão de anos (ou nesses últimos mil milhões de anos) mostra que ele pode ser dividido em duas partes. A primeira, de 1 bilhão de anos até 550 milhões de anos atrás, é de quando o planeta foi muito frio, mais frio até do que hoje. Havia muitas geleiras espalhadas pelas latitudes médias e altas. Houve um momento, em torno de 640 milhões de anos atrás, em que toda a Terra se congelou, inclusive o Equador. É a teoria da Bola de Neve.



Outra coisa que é preciso entender: a Terra é um planeta vulcânico. Todo o sistema e a atmosfera da Terra – e seu ecossistema – se mantêm por causa do vulcanismo. Se não existisse o vulcanismo, nós não estaríamos aqui. Estamos a aproximadamente 150 milhões de quilômetros do sol. Isso é uma distância imensa. Se não existisse o efeito estufa, a temperatura média da Terra seria algo como 18ºC abaixo de zero. Na verdade, o efeito estufa não é o vilão por si só. É o acúmulo, principalmente do vapor d’água, do CO2 e um pouquinho de metano e ozônio, que fazem com que a temperatura seja algo hoje entre 13 e 14ºC acima de zero. Toda essa diferença é devida à acumulação de vapor d’água e de CO2, principalmente. O nitrogênio e o oxigênio, que são os gases que compõem 99% da atmosfera da Terra, são absolutamente transparentes à radiação infravermelha. Isso significa que eles não absorvem nem emitem calor.



Tudo o que acontece na Terra tem a ver com esse pequeno percentual de vapor d’água e CO2 na atmosfera. Então, as principais mudanças ao longo do tempo geológico se resumem à alternância de momentos de frio e calor. Como essa que eu citei, de um bilhão de anos até 550 milhões de anos, quando a Terra foi muito fria, sendo que culminou num momento em que a temperatura caiu abaixo de zero e se pensa que deve ter havido um manto de gelo com até dois quilômetros de espessura cobrindo todo o planeta. E depois, em uma fase de um vulcanismo gigantesco, o planeta aqueceu. E daí entramos nesses últimos 500 milhões de anos em que o planeta foi, na maior parte do tempo, bem mais quente do que hoje, o que significa que não havia gelo, inclusive nos polos.



Quando olhamos a história da Terra, os momentos em que existe gelo dos polos nesses últimos 550 milhões de anos são muito raros. Um momento é o atual. Houve um outro, há 300 milhões de anos, e outro, pequeno, há 444 milhões de anos. Fora isso, a Terra era bem mais quente do que hoje e o nível do mar era muito mais alto.



IHU On-Line – O que mais contribui para o aumento do aquecimento global: as mudanças cíclicas da Terra ou a ação danosa do ser humano ao meio ambiente?



Ernesto Lavina – Na história da Terra, da qual o homem não faz parte, são as mudanças naturais, e aqui cito o vulcanismo, que joga em dois times. Um tipo de vulcanismo libera uma quantidade muito grande de CO2 na atmosfera, mas libera pouca cinza vulcânica. Esse vulcanismo, ao longo do tempo, vai produzindo o efeito estufa. O CO2 vai absorvendo a radiação infravermelha, o calor, e o planeta vai esquentando. Só que existe um outro tipo de vulcanismo, que joga uma quantidade gigantesca de cinzas para a atmosfera superior. É uma explosão. A câmara magmática vira literalmente pó. Se esse pó estiver em volume suficiente para bloquear ou diminuir a radiação solar que chega à Terra, ocorre o que se chama de inverno vulcânico: o planeta congela instantaneamente. Isso aconteceu há 74 mil anos. O mundo passou por uma era glacial que quase extinguiu a humanidade. Ao longo do tempo geológico, o vulcanismo é a chave de tudo o que acontece na Terra. Só que, paralelamente a isso, temos a interferência humana.



Informações da internet



Ao fazer uma pesquisa na internet fiquei impressionado com o grau de desinformação das pessoas. Existe muita falácia nessa questão do aquecimento global. As pessoas se perguntam na internet como se pode falar em aquecimento global antes de existir o aparelho que media o CO2. Ora, se pode sim. Aquela neve que cai nas geleiras vai aprisionando bolhas de ar. De modo que o gelo tem uma quantidade grande de bolhas de ar aprisionada. Então se pode, tirando o testemunho das grandes geleiras do planeta, medir diretamente o teor das bolhas de ar. Podemos estudar hoje os últimos 800 mil anos da história da Terra a partir das bolhas de ar. O que se mostra é que nos últimos 800 mil anos o teor de CO2 na atmosfera mal chegou a 300 ppms.


A partir da revolução industrial, o CO2 começa a subir e desde 1983 ele literalmente dá um salto, com a curva de subida ficando quase vertical. Isso é dado objetivo. As pessoas duvidam que exista uma evidência física de que o mundo está mudando. Ela existe sim e são as geleiras. É impressionante a comparação das fotos do início do século com imagens atuais das maiores geleiras do planeta. Eu, que estou acostumado a ver com isso, fiquei assombrado. Isso não é subjetivo. As geleiras estão derretendo, o nível do mar está subindo, o CO2 está aumentando exponencialmente (hoje deve estar cruzando a linha dos 400 ppms).



O homem hoje está produzindo cerca de 10 bilhões de toneladas métricas por ano de CO2. Isso não é um número pequeno. Todo ano, a respiração de todos os seres, os fogos naturais, as fumarolas vulcânicas no fundo do mar e os vulcões de modo geral produzem algo em torno de 150 e 200 bilhões de toneladas métricas de CO2. Daí alguém pode dizer: ah, mas a indústria só produz 10 bilhões, o que é menos de 5%. Então o homem só contribui com 5% do CO2.



Só que aqui temos um outro dado: hoje se sabe que o principal gás do efeito estufa na Terra é o vapor d’água. Se ele é o principal, o CO2 é menos eficiente e o homem só contribui com 5%, então a sociedade industrial não seria a responsável pelo aquecimento global. Só que aqui é preciso ter em conta que existe uma série de ciclos de realimentações.



O gelo, as calotas polares e geleiras são absolutamente sensíveis a qualquer variação na temperatura da terra. Onde o gelo recua, a região onde agora é solo e água, tem capacidade de reter muito mais calor, porque o gelo é reflexivo, ele devolve para o espaço a maior parte da radiação solar que bate sobre ele. Com esse aquecimento da água e do solo, a atividade bacteriana aumenta e o solo chega a ter três vezes mais CO2 do que a atmosfera. Daí chegamos ao limiar do metano.



A Terra possui estoques gigantescos de metano: no fundo dos oceanos, nos solos congelados, nas florestas. O metano é 23 vezes mais eficiente que CO2 para aprisionar calor. Estamos em um momento realmente crucial. Todas as vezes, nos últimos 800 mil anos, em que a temperatura média da Terra atingiu patamares como os atuais, entramos em um novo período frio, que culmina com período glacial. Como não há nada de novo acontecendo em termos tectônicos na Terra, poderíamos dizer que dentro de um período de 10 a 15 mil anos entraremos em uma nova era glacial. É um palpite, em função de que a memória da Terra tende a prevalecer.



IHU On-Line – Como a extração de carvão mineral para uso em usinas termelétricas contribui para o aumento da emissão de CO2 e, consequentemente, para o aumento do aquecimento global?



Ernesto Lavina – Todos nós gostamos de viver com os recursos da tecnologia, mas devemos lembrar que ela necessita de energia, que por sua vez produz CO2. Precisamos esclarecer que CO2 não é poluição. É um dos gases que nos permitem estar aqui. Só que a Terra está em constantes mudanças. Se o CO2 continuar se elevando, o nível do mar e a temperatura média do planeta vão subir. No futuro próximo não vejo maneiras de contornar isso. Porque sem energia as coisas não acontecem. E ela sai justamente da queima do petróleo, do carvão, do gás natural. Toda a queima produz CO2. Tudo o que a nossa sociedade faz, de uma forma ou de outra, libera CO2.



A tendência é de que vamos aumentar cada vez mais as taxas de emissão de CO2. No entanto, aos trancos e barrancos, o mundo está melhorando. Aquela miséria absoluta na Terra está cada vez menor. Por mais que a renda ainda seja mal distribuída, que os ricos sejam muito ricos e os pobres sejam muito pobres, nós estamos evoluindo nesses últimos séculos. Porém, em tudo que se evolui, em cada ponto que avançamos na vida social, há por trás um consumo energia extra, que libera CO2.



IHU On-Line – Este ano será divulgado o quinto relatório do IPCC . O que esperar dele e o que foi feito, na prática, a partir do que foi divulgado nos quatro relatórios anteriores?



Ernesto Lavina – Tudo o que foi feito é muito pouco. Pode-se atacar o problema de várias formas, mas uma maneira essencial é a diminuição da produção de energia. E isso nos tiraria do momento atual, da sociedade tecnológica.



IHU On-Line – E investir em fontes de energia alternativa, renovável?



Ernesto Lavina – Esse é o caminho para o futuro, não tem jeito. No entanto, custa muito dinheiro e ainda não são muito eficientes essas outras formas. A forma mais eficiente, barata e limpa de energia que temos é a mais perigosa, que é a energia nuclear. Se fosse para resolver imediatamente esse problema, teria que se trocar a matriz de produção de energia elétrica do carvão para usinas nucleares. No mundo são raríssimos os países que possuem recursos hídricos para produzir grandes represas, como é o caso do Brasil e mais alguns poucos.

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FONTE : (Por Graziela Wolfart)
(Ecodebate, 08/05/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]



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