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terça-feira, 19 de março de 2019

Grandes empresas falaram. Será que seus fornecedores escutaram?

Por Oxfam Brasil – 
Monitorando os compromissos das empresas alvo da campanha por Trás das Marcas ao longo da cadeia de fornecimento com novos indicadores para as traders do agronegócio
Entre 2013 e 2016, a campanha Por trás das marcas, da Oxfam, buscou impulsionar políticas e práticas de fornecimento mais sustentáveis ​​entre as 10 maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo. Agora, estamos direcionando nossa atenção às formas como essas empresas estão implementando seus compromissos.
Como parte de seus esforços, a Oxfam examinou sete traders (comercializadoras) globais do agronegócio segundo indicadores centrais da campanha Por trás das marcas, que mede a força das políticas de sustentabilidade das empresas. As traders do agronegócio são poderosos atores da cadeia de fornecimento. Elas são elos importantes entre os gigantes de alimentos e bebidas que vendem ao consumidor, como The Coca-Cola Company, Nestlé, PepsiCo e Unilever, e as pessoas que produzem a comida do mundo. A Oxfam queria saber as respostas às seguintes perguntas: As políticas de sustentabilidade e os planos de implementação das traders cumprem os padrões estabelecidos pelas principais empresas importantes da campanha Por trás das marcas, bem como suas melhores práticas? Elas estão preparadas para uma gestão que vise a melhoria dos impactos sobre mulheres, pequenos produtores de alimentos, além da terra e do clima?
Este relatório apresenta os “Indicadores para as traders do agronegócio” e descreve seus resultados. Ele faz um chamado para que as traders fortaleçam suas políticas de sustentabilidade e seus planos de implementação. O relatório também defende que as companhias examinadas na campanha Por trás das marcas se concentrem nas políticas e práticas das traders para cumprir com suas responsabilidades e implementar seus próprios compromissos com a cadeia de fornecimento.
As traders são poderosos atores da cadeia de fornecimento. Elas são elos importantes entre os gigantes de alimentos e bebidas que vendem ao consumidor, como The Coca-Cola Company, Nestlé, PepsiCo e Unilever, e as pessoas que produzem a comida do mundo. Sua posição e sua concentração no mercado lhes conferem muito poder sobre como a forma as commodities são compradas e produzidas e, portanto, uma enorme influência sobre as vidas de milhões de pequenos produtores de alimentos[i]. E essas empresas são imensas. As sete delas que fazem parte da nova avaliação com indicadores para o traders – Archer Daniels Midland (ADM), Barry Callebaut, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus Company, Olam International e Wilmar International – geram, juntas, mais de 290 bilhões de dólares em receitas por ano[ii]. Apenas a Olam International opera em mais de 65 países e possui cerca de 4.7 milhões de agricultores em suas cadeias de fornecimento[iii].
Apesar de seu poder, as traders sempre operaram sem chamar muita atenção pública, com exceção de suas práticas relacionadas ao óleo de dendê, principalmente na Indonésia[iv]. Muitas delas carecem dos compromissos de sustentabilidade e fornecimento responsável que são necessários para uma efetiva gestão de riscos e impactos sobre os direitos humanos.
Porém, as empresas às quais as traders vendem suas commodities dão muito valor ao que os consumidores pensam sobre suas marcas, e estes querem cada vez mais saber se seus lanches e suas bebidas favoritos estão livres de desmatamento e práticas de fornecimento baseadas na exploração e sofrimento.
Como os gigantes do setor de alimentos e bebidas estão no final de imensas cadeias, para conseguir implementar seus compromissos, atender à demanda dos consumidores por fornecimento sustentável ​​e ético, ou seja, fazer a coisa certa para agricultores e comunidades, essas empresas devem garantir que seus fornecedores – incluindo traders e o agronegócio – modifiquem suas práticas. Independentemente disso, as traders têm uma responsabilidade reconhecida internacionalmente de “não causar danos”[v] e uma oportunidade de operar de formas que ajudem a criar um sistema alimentar mais sustentável, apoiando mulheres e pequenos produtores, e enfrentando a conversão de terras, o desmatamento e as emissões.
Os primeiros passos para que se pratique a mudança em escala maior incluem políticas mais fortes de sustentabilidade social e ambiental e planos rigorosos para implementá-las. Portanto, este relatório trata das seguintes questões: As políticas de sustentabilidade e os planos de implementação das traders cumprem aos padrões estabelecidos pelas principais empresas da campanha “Por trás das Marcas” e voltados às melhores práticas? As traders do agronegócio estão preparadas para uma gestão que reduza os impactos sobre mulheres e pequenos produtores de alimentos, bem como a terra e o clima? O veredito: há muito que melhorar.
As pontuações baixas nos vários temas apontam para lacunas importantes nos compromissos das traders com políticas e planos de implementação. Mais de 90% das pontuações dessas empresas estão abaixo de 50%. O agronegócio tem responsabilidade e oportunidade de melhorar. As empresas da campanha “Por trás das Marcas” têm responsabilidade de respeitar os direitos humanos em todas as suas cadeias de fornecimento e, portanto, têm um papel a cumprir na garantia de que empresas do agronegócio das quais compram, incluindo as traders, implementem práticas melhores.
TERRA
O problema
Milhões de pessoas que dependem de suas terras para obter alimentos, meios de subsistência e água, e para a expressão de suas identidades e culturas, não têm seus direitos à terra garantidos[vi]. Isso se aplica especialmente às mulheres. Comunidades inteiras correm alto risco de perder suas terras para novos tipos de produção agrícola, inclusive para commodities produzidas, refinadas ou comercializadas por empresas do agronegócio. Em um estudo que analisou a sobreposição entre áreas de concessão agrícola e a presença de populações em vários países, os autores concluíram que já havia pessoas presentes em 93 a 99% das áreas de terra visadas para investimentos[vii]. Isso significa que praticamente não há terra agricultável disponível. Mesmo em situações em que as empresas do agronegócio ou seus fornecedores têm permissão dos governos para desenvolver ou operar em uma concessão de terras, é muito provável que elas violem os direitos básicos das pessoas se não tiverem o consentimento informado das comunidades para prosseguir.
Deixar de respeitar os direitos e o consentimento das comunidades não só prejudica as pessoas, mas também pode sair caro para as empresas. Constatou-se que o conflito de terras custou até 29 vezes o valor dos gastos operacionais esperados e levou as empresas a abandonar completamente o projeto[viii].
O problema no Brasil:
A concentração de terras no Brasil esta piorando. De acordo com dados do Censo Agropecuário de 2017, atualmente apenas 0,95% dos estabelecimentos rurais ocupam 47,5% da terra disponível. Essa concentração é decorrente de processos históricos que envolveram conflitos, expulsões, grilagem e também políticas que privilegiaram apenas os grandes produtores, concentrando o crédito, tecnologia, irrigação, apoio técnico e isenções fiscais no agronegócio.
O Brasil rural é permeado por conflitos que comumente possuem desfechos violentos. De acordo com a Global Witness, o Brasil é recordista mundial de assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente (entre os anos de 2017, 2016 e 2015) – respondendo na média por 25% destes tipos de assassinato no mundo.  De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, em 2017 foram registrados 1.168 conflitos no campo, o maior da série histórica que começou nos anos 1980.
Muitos dos conflitos envolvem terras públicas e a sua destinação. Também são muitos os casos de conflitos entre o agronegócio, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais. Entre o massacre de Eldorado dos Carajás e a Chacina de Pau D’Arco, passaram-se 21 anos, e pouco mudou.
Os indicadores
O tema da terra examina até que ponto as traders entendem o risco relacionado à posse da terra em suas cadeias de fornecimento, como elas e seus fornecedores envolvem as comunidades quando estão em busca de adquirir terras (independentemente de procurarem arrendá-las ou comprá-las), e se buscam modelos de negócios alternativos, como cooperativas de propriedade de agricultores[ix], para evitar transferir os direitos à terra. O tema também analisa como as traders resolvem disputas por terra em suas cadeias de fornecimento em lugares onde um investimento ao qual elas estão ligadas já tenha causado danos às comunidades. Por fim, abarca indicadores relacionados ao engajamento de pares e governos no fortalecimento da posse da terra e na implementação de compromissos relacionados à terra.
Principais conclusões
Todas as traders avaliadas estão, pelo menos, cientes e começando a prestar atenção aos direitos à terra. Entre os destaques animadores da avaliação estão o fato que: ADM, Cargill, Louis Dreyfus, Olam e Wilmar reconhecem a complexidade dos direitos à posse da terra, tais como direitos informais, tradicionais e consuetudinários; Barry Callebaut, Cargill, Olam e Wilmar assumiram compromissos sobre consentimento livre, prévio e informado (CLPI) que se aplicam a todas as suas compras de commodities[x]. A Wilmar também envolveu vários de seus próprios fornecedores na norma, um passo animador para colocar em prática seus compromissos com o CLPI. Sobre os indicadores de incidência, a Olam participou do desenvolvimento do Guia para Empresas sobre Respeito aos Direitos à Terra e às Florestas, do Grupo Interlaken, um exemplo de engajamento em um esforço coletivo para ajudar a fortalecer o reconhecimento dos direitos das comunidades à terra[xi]. Tanto a Olam quanto a Cargill participaram de uma reunião do Grupo Interlaken sobre direitos à terra em Camarões.
Mas existem lacunas fundamentais na forma como as traders estão abordando as questões da terra, mesmo entre aquelas com melhor pontuação, ou seja, Olam, Wilmar e Cargill. Nenhuma delas tem identificado sistematicamente, em todo seu fornecimento e sua compra de múltiplas commodities, os países onde o risco à posse da terra é particularmente alto. Nenhuma está exigindo que seus fornecedores e principais parceiros adotem modelos de negócios alternativos que evitem a transferência dos direitos sobre a terra. E nenhuma desenvolveu um plano de ação concreto para mitigar os riscos e enfrentar os impactos em sua produção e em sua compra de commodities como um todo. Isso coloca pequenos produtores de alimentos e comunidades em risco de perder a terra da qual dependem seus lares, meios de subsistência e modos de vida, e resulta em baixas pontuações gerais entre as empresas.
Quais foram os compromissos assumidos pelas empresas da campanha “Por trás das Marcas” com relação a terra?[xii] Os fornecedores estão seguindo o exemplo?
Em 2013, a terra foi um dos temas de menor pontuação da avaliação da campanha “Por trás das Marcas”. Desde então, The Coca-Cola Company, PepsiCo, Nestlé, Unilever e a subsidiária da Associated British Food, Illovo Sugar Africa, assumiram compromissos amplos quanto aos direitos à terra[xiii]:
  • Incluir o princípio do Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) em seus códigos, exigências ou orientações aos fornecedores para garantir que as comunidades sejam consultadas e deem consentimento informado quando as terras que usam forem vendidas ou arrendadas, em todas as posições de suas cadeias de fornecimento;
  • No caso de The Coca-Cola Company, PepsiCo, Nestlé e Illovo Sugar Africa, garantir a reparação das violações aos direitos da terra;
  • Apoiar e aderir às Diretrizes Voluntárias para a Governança Responsável da Terrados Recursos Pesqueiros e Florestais no Contexto da Segurança Alimentar Nacional (DVGTs) da FAO e outras normas internacionais sobre direitos à terra;
  • “Conhecer e divulgar” os riscos relacionados aos direitos fundiários e conflitos de terra em suas cadeias de fornecimento, incluindo, no caso de The Coca-Cola Company, PepsiCo, Nestlé e Illovo Sugar Africa, a publicação de avaliações sobre riscos e impactos relacionados à terra;
  • Defender que governos e outros atores do setor alimentar combatam a apropriação de terras e apoiem o investimento agrícola responsável;
  • No caso da Nestlé, identificar oportunidades para mulheres e homens obterem acesso à terra, “respeitando as reivindicações e usos consuetudinários existentes”; [xiv]
Seus fornecedores estão seguindo o exemplo?
Juntas, The Coca-Cola Company, PepsiCo, Nestlé e Unilever mantêm relações na cadeia de fornecimento com todas as sete traders avaliadas. Há uma desconexão entre os compromissos assumidos com relação aos direitos à terra por essas empresas alvo da campanha “Por trás das marcas” e os das traders do agronegócio das quais elas compram.
Com relação aos processos de aquisição de terras, somente Barry Callebaut, Cargill, Olam e Wilmar assumiram compromissos com o consentimento livre, prévio e informado (CLPI) que se aplicam ao conjunto de suas fontes de commodities. Nenhuma se comprometeu a não causar nem contribuir para o reassentamento involuntário e não ser beneficiária imediata de expropriação por um governo anfitrião ao adquirir terras. Quanto à abordagem dos conflitos de terra existentes, somente a Olam e a Wilmar se comprometeram com proporcionar ou cooperar na reparação de impactos negativos relacionados à posse da terra em suas cadeias de fornecimento. Muito poucas estão envolvendo seus próprios fornecedores nessas questões.
Essas conclusões indicam que The Coca-Cola Company, PepsiCo, Nestlé e Unilever não podem ter certeza de que seus fornecedores estão adquirindo terras de modo a garantir o respeito pelos direitos à terra ou que as comunidades cujos direitos tenham sido afetados negativamente por suas cadeias de fornecimento tenham tido acesso a reparação. As empresas da campanha “Por trás das Marcas” precisam fazer mais para garantir que seus fornecedores estejam seguindo suas políticas com relação aos direitos à terra.


(#Envolverde)

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