Por Fabíola Ortiz, da IPS –
Marrakesh, Marrocos, 21/11/2016 –A excessiva lentidão com que o mundo responde a eventos climáticos, como o El Niño e o La Niña, faz com que aqueles que “menos contribuem sejam os que mais sofrem”, afirmou à IPS Mary Robinson, enviada especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a mudança climática, na 22ª Conferência das Partes (COP 22) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática.
A primeira mulher a ocupar a Presidência da Irlanda (1990-1997), e também ex-comissária da Organização das Nações Unidas para os Direitos Humanos (1997-2002), no começo deste ano foi designada enviada especial para assuntos climáticos pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Durante aCOP22, que terminou no 18, Robinson insistiu na importância de soluções que envolvam as comunidades, na incorporação da igualdade de gênero e na participação das mulheres nas conversações climáticas.
“O aquecimento global aumenta com rapidez, agravado por fenômenos como o El Niño e o La Niña. Não têm que se converter em desastres humanitários, mas as pessoas ficam desamparadas. Reagimos com lentidão em muitos casos, o que levou a um desastre humanitário para 60 milhões de pessoas, que sofrem insegurança alimentar e secas”, apontou Robinson.
O El Niño está associado diretamente com secas e inundações em muitas partes do mundo, causando grave impacto em milhões de pessoas. O aquecimento das águas tropicais do Oceano Pacífico central e oriental é um fenômeno que ocorre a cada três a sete anos, quando as temperaturas na superfície da água sobem mais de um grau Celsius. Trata-se de um fenômeno natural, mas numerosos cientistas coincidem em afirmar que fica mais intenso por causa do aquecimento do planeta.
Não está totalmente clara a relação entre o El Niño e a mudança climática, mas é um fato que muitos dos países que sofrem esse fenômeno também são vulneráveis à variabilidade climática. O El Niño e as emergências climáticas derivadas são uma ameaça para a segurança humana e, em consequência, para a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), assinados pela ONU em setembro de 2015 no contexto da Agenda de Desenvolvimento 2030.
“Na América Central, vi o corredor seco em Honduras e vi mulheres chorando porque não havia água e se sentiam desatendidas, deixadas pelo caminho, e parece que não estão no centro da preocupação de ninguém”, afirmou Robinson. “Na Etiópia, vi meninas e meninos com mal nutrição grave, o que pode afetá-los por toda vida por causar atraso no crescimento, e o mesmo acontece na África austral. Descobri uma janela para a ‘nova normalidade’ e é muito grave. Devemos compreender a urgência de dar os passos necessários”, insistiu.
As secas e inundações vinculadas ao El Niño criaram enormes problemas na África oriental, África austral, América Central e região do Pacífico. A Etiópia, onde Robinson esteve no começo do ano, sofre a pior seca em meio século. Um milhão de crianças na África oriental e austral sofrem mal nutrição aguda. Além disso, é altamente provável que 2016 seja o ano mais quente desde que começaram os registros, com temperaturas globais superiores às que bateram recorde em 2015, segundo avaliação da Organização Meteorológica Mundial apresentada na COP 22.
Os dados preliminares mostram que as temperaturas globais deste ano são aproximadamente 1,2 grau superior à época pré-industrial. O termômetro foi disparado nos primeiros meses pelo fenômeno El Niño. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) informou que, em 2015, as causas que fizeram 19 milhões de novas pessoas deslocadas estavam relacionadas com o clima, a água e outras questões geofísicas em 113 países, mais que o dobro das que fugiram por causa de conflitos ou violência.
“Necessitamos de uma resposta muito mais concertada e fundos preparados. Se tivermos um sistema de alerta muito estratégico, poderemos atender ao problema com maior eficiência. A chave absoluta é construir resiliência nas comunidades. Devemos investir nisso agora, em lugar de enfrentar um enorme desastre humanitário”, destacou Robinson.
Na COP 22, a coalizão Risco Climático e Sistemas de Alerta (Crews), criada durante as negociações climáticas de Paris em 2015, integrada por Alemanha, Austrália, Canadá, França, Holanda, Luxemburgo e Japão, anunciou, no dia 17 deste mês, seu novo objetivo de mobilizar mais de US$ 30 milhões para julho do ano que vem e outros US$ 100 milhões até 2020. A associação internacional procura fortalecer a difusão de informação de risco e os sistemas de alerta em países vulneráveis, como Burkina Faso, Mali, República Democrática do Congo e os pequenos Estados insulares do Pacífico.
A ideia é impulsionar fundos para proteger as populações expostas a eventos climáticos extremos. Além disso, dará especial atenção às mulheres, particularmente mais vulneráveis às ameaças climáticas, que também são protagonistas na construção de resiliência. Segundo Robinson, “agora passamos das negociações de Paris para a implantação no terreno. É fundamental construir resiliência e deve se fazer isso de tal forma que compreenda as questões de gênero e a completa igualdade de gênero, bem como de direitos humanos. Devemos reconhecer o papel das mulheres como agentes de mudança em suas comunidades”.
O número de desastres climáticos aumentou mais que o dobro nos últimos 40 anos, disse Robert Glasser, representante especial do secretário geral da ONU para redução do risco de desastres. “A iniciativa ajudará a reduzir o impacto desses eventos nos países de renda baixa e média, que são os que mais sofrem”, acrescentou.
Por sua vez, o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, José Graziano da Silva, destacou à IPS que “já vemos na África as consequências da mudança climática, que prejudica nossos esforços para garantir a segurança alimentar para todos”. E acrescentou que,“por exemplo, o El Niño afetou toda a África nos últimos dois anos, e agora países que haviam tido um progresso fantástico, como Etiópia, Zâmbia, Tanzânia e Madagascar, agora sofrem fome novamente. Os países que haviam erradicado esse mal, outra vez devem enfrentá-lo. Precisamos nos adaptar”.
A mudança climática tem diferentes consequências em homens, mulheres, meninas e meninos, observou à IPS Edith Ofwona, especialista de programa do Centro Internacional de Pesquisas para o Desenvolvimento (IDRC). As questões de “gênero são fundamentais. Devemos reconhecer que não se trata apenas de mulheres”, acrescentou. “Mas as mulheres são importantes porque constituem a principal força de trabalho, especialmente na agricultura. É importante apreciar as diferenças nas consequências e necessidades em termos de resposta. É necessário um equilíbrio, ações afirmativas e garantir que se leve em conta todos os grupos sociais”, enfatizou. Envolverde/IPS
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