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sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Corrosão das leis ambientais


"A Medida Provisória 1.710 é flagrantemente inconstitucional, além de atropelar todo um processo de discussão de regulamentação que se dava no Conama."

Com a promulgação da chamada Lei de Crimes Ambientais, a repressão dos crimes contra a natureza foi indiscutivelmente aprimorada na legislação brasileira. A Lei 9.605 - que também dispõe sobre sanções administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao ambiente - foi assinada em 12 de fevereiro de 1998, mas o projeto tramitava no Congresso Nacional desde o início da década. Anteriormente havia tipificação de crimes contra a pesca, a fauna e outras contravenções penais.

O Código Penal Brasileiro - apesar de não tratar da matéria como exige a crescente ameaça das múltiplas formas de poluição - prevê alguns dispositivos relativos a crimes ambientais. É o caso do artigo 270, que atribui pena de reclusão de 10 a 15 anos para quem envenenar água potável, de uso comum ou particular, conduta considerada crime hediondo pela Lei 8.072/90. A Lei 7.643, de 18/12/87, proíbe a pesca ou qualquer forma de molestamento doloso de cetáceos nas águas territoriais brasileiras, prevendo pena de dois a cinco anos de reclusão. E a responsabilidade criminal por atos relacionados a atividades nucleares está prevista na Lei 6.453/77.

Do introduzido no ordenamento jurídico-ambiental brasileiro pela Lei de Crimes Ambientais, cumpre destacar: os crimes contra a administração ambiental, especialmente no que tange à conduta de funcionário público (artigos 66 a 69); a transformação de algumas contravenções penais florestais em crimes (artigos 38 a 53) e a regulamentação, ainda que tardia, da responsabilidade criminal de pessoas jurídicas, já prevista pela Constituição Federal de 1988 (§ 3º, do artigo 225).

Assim, agrega-se ao Direito Ambiental Brasileiro um entendimento contemporâneo das origens da degradação ambiental no planeta: a poluição é gerada pelo grande capital, o mesmo que exclui a maioria da população de uma vida digna. Merece ainda menção a maior possibilidade de aplicação de penas alternativas (artigos 9º e 23); a viabilidade de decretação da liquidação da pessoa jurídica quando criada e/ou utilizada para permitir ou ocultar crime ambiental (artigo 24) e a descriminalização do abate de animais silvestres para saciar a fome do agente ou de sua família (inciso I do artigo 37).

Biopirataria impune - Não podemos olvidar a criminalização da ação danosa contra o patrimônio cultural. Os avanços da lei seriam maiores caso o presidente da República não tivesse vetado alguns artigos fundamentais para o desenvolvimento ecologicamente sustentável do País. Como o que considerava crime a queimada realizada sem meios para evitar sua propagação. A queimada continua sendo contravenção penal florestal, conforme Lei 4.771, de 15/09/65, que institui o novo Código Florestal.

Outro veto significativo está relacionado ao artigo que considerava crime a biopirataria, impunemente realizada no Brasil, sem a devida coibição do Poder Público (Executivo, Judiciário e Legislativo). Não bastasse a deformação na Lei 9.605/98 pelos vetos citados, o presidente da República, num ato típico de um déspota, editou a Medida Provisória 1.710, de 7/8/98, flagrantemente inconstitucional, uma vez que não preenche os requisitos previstos na Carta Magna para sua edição (relevância e urgência), além de atropelar todo um processo de discussão que acontecia no Conama, ainda que de maneira precária e limitada.

Prazo para poluir - Na prática, a MP 1.710 colocou, inicialmente, à disposição daqueles que atentam contra a lei ambiental, um prazo de dez anos para que adaptações técnicas e legais fossem realizadas. Após protestos, principalmente das ONGs ecológicas, esse prazo foi reduzido para seis anos. Dessa forma, a aplicação da rigorosidade da nova lei ambiental é muito mais um "choro" dos poluidores, de grande ressonância na mídia, do que uma realidade posta no dia-a-dia da política ambiental brasileira.

Além disso, a Lei 6.938, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, em vigor desde 31/8/81, estabeleceu medidas legais de combate à poluição. Assim, o tempo transcorrido já foi mais que suficiente para adaptações, como a implementação de tecnologias limpas. Não precisávamos de mais uma década da MP paternalista.

Caso Bahamas - Um exemplo que ilustra muito bem o acima dito é o caso do derramamento intencional de ácido sulfúrico do navio Bahamas na Laguna dos Patos, junto ao porto de Rio Grande. Esse desastre ecológico gerou também danos sociais, trazendo à tona não só a poluição que descansava nos sedimentos da Laguna dos Patos, mas também a existência de um certo vazio na legislação ambiental, escudo impróprio da Administração Pública na adoção de medidas efetivas de prevenção e mitigação dos prejuízos.

Cabe ressaltar a aprovação por unanimidade, no Consema, de resolução proposta pelo Centro de Estudos Ambientais (CEA), organização ecológica não-governamental, que pretende prevenir e coibir danos sócio-ambientais que outros "Bahamas" possam produzir.

Só com cidadania - No Caso Bahamas, o Poder Judiciário condenou o capitão do navio. Entretanto, os demais agentes envolvidos (pessoas físicas e jurídicas) ainda não tiveram contato com a Lei 9.605/98. Aqui, cabe citar o artigo 54, que considera crime "causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou destruição significativa da flora".

A problemática ambiental no Brasil (e no planeta) não será resolvida com a prisão dos agentes poluidores. A privação da liberdade, em si, de nada serve para a construção de uma nova relação sociedade/ambiente. Precisamos repensar a forma hegemônica mundial de produzir e viver, seja nas cidades ou não, priorizando a educação ambiental transformadora, buscando mudar comportamentos e hábitos, construindo cidadania, não-atingível só por lei ou por decreto e, muito menos, por medidas provisórias.
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FONTE : Antônio C. P. Soleré advogado, especialista em Direito Ambiental, representante do Centro de Estudos Ambientais (CEA) pelas ONGs ecológicas gaúchas no Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) e pelas ONGs ecológicas da Região Sul do Brasil (RS, SC e PR) no Conselho Nacional do Meio Ambiente Ambiente (Conama). O autor agradece pela colaboração a Luis Carlos Figueiredo, advogado, e a Marlise Margô Henrich, tradutora.

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