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sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

AS VEIAS ABERTAS DA AMAZÔNIA (12/12/2008)


Não é preciso estar em terra firme para que o cenário montado na memória salte aos olhos. Ao vivo e em diversas tonalidades de verde, a Amazônia logo se apresenta à investigação dos expectadores que sobrevoam, em alguns pés de altitude, o Estado do Pará.

“Como ela é imensa!”, observo atentamente ao passo que tento, com a câmera em punho, capturar os primeiros lances de imagem da floresta. Da mesma janela do avião, alegria e indignação se confundem: é apenas a realidade que se mostra a olho nu. Em pouco tempo, o verde é ofuscado por clareiras na mata. São enormes buracos de terra, resultados do desmatamento predatório, que nos revelam as veias abertas da maior floresta tropical do mundo.

A Amazônia é um dos ecossistemas mais ricos do Planeta, caracterizando-se como a maior reserva de água doce, plantas e animais da atualidade. Com cerca de 6,5 milhões de quilômetros quadrados, ela atinge áreas de nove países da América do Sul. A Amazônia brasileira compreende 3.581 quilômetros quadrados. A chamada Amazônia Legal é maior ainda, cobrindo 60% do território em um total de 5,2 milhões de quilômetros quadrados. Ela abrange os Estados do Amazonas, Acre, Amapá, oeste do Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Pará, Roraima e Tocantins.

Apesar de gigantesca, os dados revelam que, nos últimos vinte anos, a área de floresta desmatada na Amazônia Legal corresponde a cerca de 360 mil quilômetros quadrados. Desde a colonização do País, foram destruídos cerca de 550.000 quilômetros quadrados de floresta.

A destruição da floresta amazônica, além de reduzir a biodiversidade do Planeta, causa erosão dos solos, degrada áreas de bacias hidrográficas, libera gás carbônico para a atmosfera e promove o desequilíbrio ambiental e social. Os impactos recebidos pela floresta são visíveis e aumentam a cada dia, trazendo discussões sobre o futuro da Terra.

Segundo dados do Instituto do homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), referentes ao mês de junho, o desmatamento na floresta amazônica aumentou, totalizando uma área de 612 quilômetros quadrados. De acordo com o Instituto, o Pará e o Mato Grosso são os estados mais desmatados.

O desmatamento da floresta amazônica começou no fim da década de 1960, quando os militares decidiram ocupar o território para preservá-lo dos especuladores internacionais. A medida em prol da “nacionalização” da Amazônia incentivava mediante a distribuição de terras e subsídios, os brasileiros corajosos a habitarem a selva. Na época, chegavam milhares de pessoas de todos os cantos do País para trabalhar nas terras, explorando a floresta para cultivar seu alimento e obter alguma fonte de renda. Segundo Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, com sede em Santarém, Pará, o desflorestamento da Amazônia teve início com a extração da madeira, seguida pela pecuária, a qual perde espaço, atualmente, para o cultivo da soja.

Até hoje, a exploração madeireira ainda figura como uma das principais responsáveis pelo desmatamento da floresta. De acordo com dados do Grupo Permanente de Trabalho Interministerial sobre Desmatamento na Amazônia, desde 2004, foram apreendidos cerca de 24,5 milhões de metros cúbicos de madeira em tora provenientes de extração ilegal, o que representa a destruição de 6,2 milhões de árvores.

O destino de 64% da madeira amazônica é o mercado interno e 36% atendem ao mercado externo. As exportações saltaram de 381 milhões de dólares, em 1998, para 943 milhões em 2004. Apesar de a maior parte da extração madeireira na Amazônia ser ilegal, sabe-se que ela é responsável pela criação de vários empregos diretos e indiretos. Em 1998, esse setor ofereceu 353 mil empregos e em 2004 foi de 379 mil o número de pessoas empregadas direta ou indiretamente.

Por não terem outra fonte de renda ou mesmo por se sentirem coibidos pelos madeireiros, muitos moradores contribuem com a venda da madeira ilícita. Até mesmo alguns índios costumam trabalhar no extrativismo ilegal da floresta amazônica. Além disso, a própria falta de infra-estrutura e a dificuldade de fiscalização dos organismos governamentais abrem espaço para o comércio ilegal da madeira.

A qualidade do solo e da chuva na região, além do baixo custo das terras e a criação de linhas de crédito pelo Governo facilitaram a vinda dos primeiros grupos de pecuaristas e agricultores do Sul e do Sudeste para a Amazônia. O preço das terras para a prática da agropecuária na floresta amazônica chega a custar em média um décimo do valor das áreas do Sudeste. Além disso, os bancos oficiais costumam oferecer aos agropecuaristas linhas de crédito com juros anuais subsidiados na faixa de 5% a 9% - contra 26% a 34% em outras regiões.

A agropecuária praticada na floresta cresceu nos últimos anos, atraindo olhares não só dos brasileiros, mas também de grandes empresas multinacionais. Atualmente, 36% do gado bovino e 5% das plantações de soja do país encontram-se na região amazônica.

De acordo com o Imazon, entre 1990 e 2003, a pecuária na Amazônia Legal foi alvo de um aumento de 140%, passando de 26,6 para 64 milhões de cabeças de gado. A taxa média de crescimento anual da pecuária na Amazônia foi de 6,9%, dez vezes mais do que no resto do País. Mato Grosso, Pará e Rondônia foram os principais produtores no período. Segundo o Imazon, em 2000, a maior parte da carne produzida pelos frigoríficos da Amazônia abasteceu o mercado nacional, principalmente as regiões Nordeste e Sudeste. Em 2007, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) estimou que 75% da área desmatada na Amazônia é ocupada pela pecuária. São 70 milhões de bovinos, e um terço está no Mato Grosso.

Soja, a vilã do desmatamento

A soja chegou ao País com a vinda dos primeiros imigrantes japoneses, em 1908. Sua expansão iniciou-se na década de 1970, com o interesse crescente da indústria de óleo e a demanda do mercado internacional. Ao mesmo tempo em que se destaca com uma das principais vilãs do desmatamento da floresta amazônica, a soja é também a heroína das exportações brasileiras.

Já em 2003, o Brasil passou a figurar como o segundo produtor mundial de soja, responsável por 52 milhões, dos 194 milhões de toneladas produzidas no contexto global ou 26,8% da safra mundial. Estudos do Instituto de Estatística e Pesquisa Econômica (IEPE), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), demonstram que no ano de 2010 o Brasil deverá produzir de 57 a 75 milhões de toneladas de soja.

Sabe-se que boa parte das pastagens degradadas é convertida em áreas agrícolas. O pecuarista vende o pasto para o cultivo da soja e continua o ciclo do desmatamento na floresta. Apesar dessa re-utilização do solo, segundo o Imazon, até 2004, cerca de 1,2 milhão de hectares de floresta foi convertido em plantação de soja só no Brasil. Isso porque desmatar áreas de florestas intactas custa bem mais barato para as empresas do que investir em novas estradas, silos e portos para utilizar áreas já desmatadas.

Para Caetano Scannavino, a soja é, atualmente, a principal responsável pelo desflorestamento da Amazônia no oeste do Pará e no Mato Grosso, pois além de ocupar áreas desmatadas, ela impulsiona a exploração de novas terras pela pecuária. No oeste paraense, a instalação do porto da Cargill, maior multinacional graneleira do mundo, e a construção da rodovia Santarém-Cuiabá (BR-163), caracterizam o impulso da exploração sojeira na Amazônia.

Além do desequilíbrio ambiental, nos locais onde ocorrem os maiores índices de desmatamento, também são verificados graves problemas sociais. O desflorestamento enriquece as multinacionais e os grandes proprietários, ao passo que prejudica a natureza e as populações que dela sobrevivem. Para Sacannavino, além do desmatamento, as principais conseqüências da sojicultura são a violência, a elevação da concentração de renda, o êxodo rural, a favelização e o desemprego.

O futuro da Amazônia

“É preciso nacionalizar a Amazônia e amazonizar o mundo. Nós temos que pensar o global e o local ao mesmo tempo” - declarou Scannavino, ao avaliar as medidas necessárias para a preservação da floresta amazônica nos próximos anos. Para ele, o futuro da Amazônia depende de projetos que priorizem o desenvolvimento sustentável da floresta por meio de práticas que utilizem os recursos naturais que a região oferece, da elaboração de uma política fundiária efetiva e de ordenamento territorial, do combate à cultura do “ilegal” e da promoção da cidadania e inclusão social das populações tradicionais.

Desde 1987, o Projeto Saúde e Alegria (PSA) atua no oeste do Pará na promoção do desenvolvimento sustentável das populações da Amazônia. Com cerca de 30 mil beneficiários em 150 comunidades, o PSA é responsável pela articulação de projetos nas áreas de saúde, economia, educação, cultura e comunicação.

Na área da saúde, o barco Abaré – “cuidador”, na linguagem indígena - atende mensalmente 2 500 famílias do rio Tapajós com consultas de emergência e por meio de programas de saúde da mulher e da criança.

A principal importância do PSA está no fato de ele buscar o desenvolvimento da Amazônia por intermédio da gestão participativa das próprias comunidades, seja por meio de projetos que envolvem o uso da floresta para a geração de renda, como a produção do couro ecológico, ou da educomunicação pela Rede Mocoronga de Comunicação Popular, onde os jovens produzem jornais, vídeos e programas de rádio a fim de retratar e discutir a realidade local.

Dessa forma, a idéia para o desenvolvimento do homem e preservação de ecossistemas como a Amazônia parece ser a mesma discutida, em 1972, pelo filósofo francês Herbet Marcuse: “A restauração da Terra como meio ambiente humano não é apenas uma idéia romântica, estética, poética, que só diz respeito a privilegiados: é uma questão de sobrevivência...”.

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FONTE : Julianna da Silva Sampaio é aluna da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Reportagem publicada na revista Meio Ambiente e Mudanças Climáticas na Amazônia, que reúne matérias de participantes do Laboratório Ambiental de Jornalismo promovido pela Fundação Konrad Adenauer, realizado no mês de junho, em Santarém (PA). Para ler a revista, baixe o arquivo (PDF): http://www.kas.de/wf/doc/kas_15054-544-5-30.pdf. Conheça o trabalho da Fundação em Fortaleza (http://www.sustentavel.inf.br) e em Buenos Aires (http://www.medioslatinos.com). (Envolverde/Fundação Konrad Adenauer)

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