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domingo, 12 de fevereiro de 2023

Mineração: Amazônia precisa definir ‘macro-objetivos’

Diretor do Instituto Peabiru, João Meirelles Filho, fala da criação de um Fundo Soberano para destinar recursos da mineração para educação, saúde, segurança fundiária e ciência & tecnologia. Na semana em que Belém recebe o II Encontro Pan-Amazônico do Fórum Amazônia Sustentável, de 5 a 7 de dezembro, no Hangar Centro de Convenções, o diretor do Instituto Peabiru, João Meirelles Filho, discute as oportunidades e riscos da mineração na Amazônia. Levanta ainda outras questões que envolvem um ‘novo mega-ciclo desenvolvimentista’ que se inicia na região com a previsão de investimentos em grandes projetos. Meirelles defende a criação de um Fundo Soberano para a Amazônia, com o objetivo de destinar recursos da mineração para educação, saúde, segurança fundiária e ciência & tecnologia. “É preciso tratar da construção e não da compensação”, diz. Ele aponta ainda para necessidade de iniciar o diálogo com as populações locais, criando-se um pacto local e regional, assim que começam os estudos e planejamento de um empreendimento de mineração em uma região. “Este grande pacto deveria efetivamente envolver todos os atores locais legítimos, impactados pelos empreendimentos”, afirma. Para o diretor do Instituto Peabiru, as discussões devem começar pela conservação da biodiversidade, a segurança fundiária e a qualidade de vida e segurança dos povos que vivem nas áreas afetadas. “Se sabemos que ali será plantada uma mineração, uma hidrelétrica, daqui a vinte ou trinta anos e esta é a estratégia nacional, não se pode esperar que o caos se implante para resolver questões básicas”, completa. A questão perpassa a reflexão sobre qual modelo de desenvolvimento a Amazônia quer empreender: continuar exportando commodities ou verticalizar a produção. “Deve-se transportar o minério até os portos? Ou processá-lo na boca da mina, ao lado da hidrelétrica?”, questiona. João Meirelles A entrevista é a primeira de uma série de debates que serão publicadas mensalmente no site do Instituto Peabiru, envolvendo as áreas temáticas de atuação da ONG, como desenvolvimento local e áreas protegidas, cadeias de valor inclusivas e responsabilidade social corporativa. – Como a mineração na Amazônia poderia ser diferente de outros lugares do planeta? Temos a oportunidade histórica de fazer diferente se constituirmos, como parte da “licença social para operar” um Fundo Soberano para a Amazônia – que abranja os resultados (royalties) de todas as atividades que impactam o socioambiente – a mineração (inclusive o petróleo), a geração de energia das hidrelétricas, a agropecuária, a pesca industrial etc. O Brasil vive hoje a discussão acerca do pre-sal. Deveria, entretanto, levar este mesmo debate para a Amazônia. Um fundo soberano é para tratar das “macro-questões”. No caso da Amazônia, antes de novo mega-ciclo desenvolvimentista que se inicia, e avança desordenadamente, é preciso que se definam os “macro-objetivos”. Quem efetivamente se preocupa com a questão já possui uma agenda clara. Apenas para citar alguns exemplos, esta inclui priorizar: os direitos cidadãos (especialmente de povos e comunidades tradicionais), a segurança fundiária, a ciência & tecnologia, a conservação da biodiversidade e a conservação da água. Precisamos atrelar a “licença social para operar” a estas “macro-questões”. – Qual a sua avaliação sobre a mineração como economia para o desenvolvimento da Amazônia? De um lado, os investimentos anunciados são espetaculares, os empreendimentos são dezenas de vezes o PIB das regiões onde se instalam. Isto só demonstra que a Amazônia mineral é assunto nacional, estratégico e, muitas vezes superior à Amazônia vegetal ou animal, pelo menos enquanto a biodiversidade e os serviços ambientais pouco valerem pela baixa aplicação de ciência & tecnologia e falta de regulação. Ao mesmo tempo, a mineração é o reino do planejamento, estuda-se pelo menos dez anos antes, ou mais. Porém, o que se pratica, é um pouco distinto, especialmente no que concerne à “macro-licença para operar”. Explico-me. Não se articula, a tempo, e que deveria preceder os próprios empreendimentos, um grande pacto local e regional. Esta “macro-licença para operar” se refere às decisões estratégicas, aos grandes pactos que ultrapassam o mero mandato político de quatro anos, ou mesmo, o espaço geracional. E por isto, não é legítimo negociá-la com o prefeito, o vereador, o governador, o secretário, pois seu mandato é de curto prazo. A sociedade precisa criar mecanismos mais claros – como o Fundo Soberano. – O alto consumo de energia de algumas das indústrias relacionadas à mineração, como do alumínio, seria um fator que as tornam incompatíveis com atividades econômicas sustentáveis? Cabe à nação brasileira responder. Que modelo de desenvolvimento queremos? A vida útil de uma usina hidrelétrica supera ou equivale à da própria mineração e afeta pelo menos três gerações. Queremos um Brasil que continue exportando commodities de baixo valor? E dependentes de flutuações cambiais, jogos comerciais de compradores oligopolistas? Ou consideramos verticalizar a produção? Articulamos efetivamente a sociedade para discutir a agregação de valor – e discutir os seus impactos socioambientais? Ainda estamos na idade da pedra lascada. E agregar conhecimento e valor, é possível? O nível tecnológico alcançado afirma, que sim. O alumínio é um dos metais mais versáteis e relacionados ao futuro. É inegável sua posição estratégica. Agora, a nação brasileira não discute o que fazer, e se deve associá-lo a hidrelétricas. Deve-se transportar o minério até os portos? Ou processá-lo na boca da mina, ao lado da hidrelétrica? Quais são as oportunidades e consequências? Esta decisão não é de uma empresa e sim de uma Nação! Se sabemos que ali será plantada uma mineração, uma hidrelétrica, daqui a vinte ou trinta anos e esta é a estratégia nacional, não se pode esperar que o caos se implante. Mesmo porque o custo socioambiental destas soluções é sempre doloroso e mais caro. – Em matéria no site IPS, você aparece como uma voz de defesa do alumínio na Amazônia. Por quê? A defesa é pela abertura do diálogo. Como queremos ter computadores pessoais, utilizar aviões e toda a tecnologia onde o alumínio se coloca? A partir de que momento vale a pena investir na exploração da bauxita da Amazônia? O que esta exploração agrega de valor ao Amazônida? Não se trata apenas de um preço e sim de um “macro-acordo” com a comunidade envolvida e impactada. Hoje sabemos que este debate é insuficiente. Há alguns dias, no Congresso Brasileiro de Mineração, em Belém, promovido pelo Instituto Brasileiro da Mineração – IBRAM, na temática de “mineração e terras indígenas” não havia um único indígena na platéia ou na mesa de trabalhos – como é possível realizar construir uma posição respeitosa se tratamos esta questão desta forma? Além disto, a mineração na Amazônia tem implicações globais – na divisão do trabalho, no emprego da energia, na conservação da biodiversidade, no clima planetário etc. – quem no mundo irá transformar o minério adicionando energia elétrica e entregar um produto para a industria manufaturar? E o Brasil, definiu seu papel? E na cadeia do minério de ferro, qual o impacto da participação de Moçambique, da Colômbia, da China ou mesmo do restante do Brasil? A Amazônia precisa compreender estas implicações e discutir estas questões abertamente. – Apoiar a mineração é apoiar um processo positivo de transformação social na Amazônia? De que maneira isso poderia acontecer? Sem mineração não há civilização contemporânea. Não se trata de apoiar e sim encontrar maneiras de conciliar e ter clareza sobre as consequências “macro” de cada modelo socioeconômico. O problema é que o acesso a informações é extremamente desigual entre as partes interessadas, assim como a distribuição de poder de decisão sobre o tema. – O que o Instituto Peabiru propõe como caminho para que os povos da Amazônia se beneficiem dessa ‘vocação mineral? A questão das “macro-licenças” é para tratar das “macro-consequências”. Preferimos fotografar as ambulâncias, caminhões de lixo e motocicletas para a polícia que materializam as ditas “compensatórias”. Em seu lugar deveríamos plantar escolas, valorizar e fortalecer as capacidades humanas locais, fortalecer o tecido social para que não se esgarce nas desfaçatezas ocasionadas pela migração de dezenas de homens solteiros em busca, legítima, de trabalho, vencer na vida. Nosso papel como organização da sociedade civil, é fortalecer as capacidades humanas das comunidades locais para que alcancem negociar o seu presente e futuro. Trata-se de alcançar a plena cidadania, em que os cidadãos não delegam a outrém a decisão sobre suas vidas. O maior desafio para nós, que convivemos com o tema do investimento social de grandes empresas, é criar um ambiente colaborativo, para que seus tomadores de decisão percebam que transformações sociais são processos de longo prazo. Neste sentido, é essencial compreender que é preciso tratar de “construção” e não de “compensação”; de criação de um ambiente de colaboração e encorajamento, que substitua o “projeto de curto prazo” e ações assistencialistas. Os projetos de investimento social deveriam se dedicar a fortalecer as capacidades humanas locais, Parafraseando o poeta russo Iosif Brodsky, Nobel de literatura, De que maneira se pode construir uma sociedade nova? Não se começa pelas fundações e nem pelo teto: começa-se fabricando tijolos novos”. (Instituto Peabiru/Envolverde)

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