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quinta-feira, 15 de julho de 2021
Noam Chomsky: ‘Gostem ou não, estamos juntos nessa crise climática’
Por Amelia Gonzalez* –
“Crise Climática e o Green New Deal Global”, lançado pela Editora Roça Nova, é um livro fácil de ler, no formato de perguntas e respostas, e cheio de informações relevantes. O cientista político C. J. Polychroniou foi feliz ao reunir, para uma conversa virtual, como exige essa nossa era pandêmica, o principal intelectual público do mundo Noam Chomsky, ativista político e ambiental e Robert Pollin, economista progressista que tem atuado como líder em defesa de uma economia verde e igualitária, para compartilhar suas reflexões sobre essa era e os desafios que temos que enfrentar. As reflexões dos dois, imprescindíveis na agenda do mundo pós-pandemia, são o sumo do livro.
Chomsky costura o pensamento social, alinhava a forma como os líderes e as grandes empresas enfrentam o desafio de tentar baixar a zero as emissões de carbono até 2050 (proposta assinada pelos líderes no Acordo de Paris). Expõe a falta de responsabilidade com o que chama de “catástrofe ambiental” e localiza o fim da II Guerra como o ponto de inflexão para “uma segunda ameaça à nossa sobrevivência”.
Robert Pollin se encarrega de traçar o cenário com informações mais técnicas, em detalhes. O economista se permite um traço de incerteza com relação ao conjunto de consequências que enfrentaremos caso a média de temperatura global suba mais que 1,5º C até o fim do século, o que não quer dizer rechaçar os efeitos das mudanças climáticas ou negá-los. É que, segundo ele, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) “tem um histórico de mudar regularmente suas avaliações”.
“Está bem claro que existe um nível de incerteza com relação ao conjunto de consequências que enfrentaremos caso permitamos que a média de temperatura global suba mais que 1,5oC ou mesmo 2 graus em relação aos níveis pré-industriais (…) Em resumo, temos informações mais que suficientes para tomar atitudes decisivas agora mesmo, sem deixar de reconhecer o grau de incerteza à nossa frente (…) Não é o equivalente a decidir se compraremos um seguro para o carro, mas a determinar quanto gastaremos e qual será nossa cobertura”, escreve Pollin.
Enquanto escreviam o livro, aconteceu a pandemia de Covid-19 e os dois autores foram obrigados ao isolamento social. Refletiram assim, para nosso proveito, sobre as intersecções entre a crise climática e o alastramento do Corona vírus. A destruição dos habitats naturais como consequência do desmatamento e dos avanços das atividades humanas, as ondas de calor, secas e enchentes facilitam o contato próximo das espécies selvagens com os humanos… “e permitem que os micróbios que vivem em seus corpos migrem para os nossos, transformando micróbios animais benignos em mortíferos patógenos humanos”.
Como consequência, estamos obrigados a rever nossos hábitos para compor com a necessidade de progresso e não sermos lesados. A tarefa é árdua, e nem todos conseguem percebê-la com a urgência que se faz necessária. Apenas 25% dos republicanos, lembra Chomsky, ou 36% dos millenials mais bem informados, reconhecem que os humanos são responsáveis pelo aquecimento global. O filósofo se inquieta com esses dados e faz a pergunta que ronda há tempos as reflexões dos ambientalistas: afinal, por que a população vira o rosto e não reconhece a crise climática, se o que o que está em jogo é a sobrevivência da vida humana?
“O aquecimento global parece algo abstrato. Quem entende a gravidade da diferença entre 1,5º e 2º C, em comparação à diferença de colocar ou não comida na mesa de seus filhos no dia de amanhã? “
Chomsky traz a resposta. A precarização do trabalho, a supressão dos sindicatos, em parte porque os líderes optaram pelo “corporativismo”, teve papel relevante no distanciamento dos trabalhadores da causa ambiental. Os anos de “globalização neoliberal’ serviram para sepultar a preocupação e o respeito com o meio ambiente. A meta a ser perseguida é usar “a militância trabalhista como força motriz dos movimentos ambientalistas”, afirma Chomsky. Para ele, não é um sonho ingênuo.
Já para Roberto Pollin, o Green New Deal, plataforma escrita por parlamentares norte-americanos com propostas econômicas para ajudar a combater a crise climática e social é um projeto realista e sustentável para baixar as emissões, conter o aquecimento global, gerar emprego e renda. Mesmo com alguns desafios técnicos a serem superados.
“Envolve questões como a extensão de terra necessária para a infraestrutura de painéis solares e turbinas eólicas a fim de satisfazer a demanda energética e outros problemas correlatos, como a intermitência, transmissão e armazenamento de energia”, escreve Pollin.
De qualquer maneira, garante o economista, esse será um desafio que só deverá ser enfrentado daqui a muitos anos, provavelmente não na próxima década. É que vai ser difícil reduzir o consumo de combustíveis fósseis e energia nuclear, que hoje respondem por 85% do fornecimento total de energia.
Como numa boa conversa entre amigos, o livro vai levando o leitor a refletir junto, sem temer opiniões contrárias ou diferentes. Pelo contrário, é daí que se vai extrair matéria prima para enfrentar o desafio da nossa era.
ENTREVISTA/
Noam Chomsky: ‘Gostem ou não, estamos juntos nessa crise climática’
por Amelia Gonzalez
Aos 93 anos recém completados, o linguista, sociólogo, filósofo e cientista cognitivo Noam Chomsky ainda está pleno em sua capacidade de se indignar e de apontar responsáveis pela crise climática. Nessa entrevista exclusiva, Chomsky não hesita em culpar o sistema neoliberal como responsável pela destruição ambiental do planeta. E alerta: não vamos conseguir soluções se não pensarmos de forma solidária, como uma grande comunidade global.
O encontro de líderes e empresários que estiveram reunidos no World Economic Fórum, na cidade suíça de Davos, de 21 a 24 de janeiro deste ano, foi chamado de “The Great Reset”, que em tradução literal quer dizer “O Grande Reinício”. Por causa da pandemia, as mudanças climáticas estiveram no centro das conversas. O que o senhor espera dessa reunião? Podemos ter esperança de ações que resultem em políticas que levem pessoas (não o lucro) em conta?
Noam Chomsky – O aquecimento global é uma ameaça existencial. Se a crise não for superada logo, nada mais importa. Há medidas possíveis – as quais, na verdade, resultariam num mundo não somente bom para a humanidade, mas muito melhor do que ele é hoje. No entanto, só saber disso não é suficiente. As medidas têm que ser implementadas. Há ações encorajadoras em alguns lugares, mas elas precisam ser amplamente expandidas.
Há um grande esforço acontecendo agora para moldar a sociedade pós-pandêmica. O World Economic Forum pode ajudar a inclinar a balança no sentido de uma ordem social que se guie pelas necessidades humanas, não pelo lucro e poder para poucos.
Elon Musk, dono de uma montadora de carros elétricos, que investe também em tecnologia para energias limpas, foi considerado o segundo homem mais rico do mundo. Neste caso específico, a economia verde colaborou para o enriquecimento de um cidadão, não para a saúde de todos, já que ainda não há provas de que o uso de carros elétricos contribuiu para diminuir a poluição, segundo Robert Pollin fala em seu livro. Há um paradoxo nisso?
Noam Chomsky – Numa ordem social capitalista, não é um paradoxo. Mais do que isso, esta é a essência do capitalismo. Isso já foi delineado claramente por Adam Smith no seu clássico “Riqueza das Nações”. Como ele explicou, os “poderosos da humanidade” – no seu tempo, eram os comerciantes e os donos de fábricas da Inglaterra – são “os principais arquitetos da política”. Ainda segundo Smith, eles vão sempre assegurar que seus próprios interesses sejam atendidos, “sem se importar com os impactos disso sobre o povo da Inglaterra, perseguindo apenas sua máxima vil: ‘Tudo para nós, nada para mais ninguém’”.
Esse legado herdado do capitalismo pode ser inibido pela força popular. Mas, sem ela, ele vai permanecer.
Joe Biden venceu as eleições para a presidência dos Estados Unidos, eliminando da disputa o negacionista do clima Donald Trump. É motivo de comemoração para a causa ambientalista?
Noam Chomsky – É motivo para se ficar aliviado, não para celebração.
Sem a maldade de Trump no mundo – pelo menos temporariamente – ficamos com algum espaço para enfrentar a ameaça da catástrofe ambiental. Trump estava dedicado a acelerar a corrida para o abismo e, se ficasse no poder por mais quatro anos, eles nos conduziriam para bem perto de um ponto de ruptura. Talvez, até mesmo, para além desse ponto.
Nunca houve tamanha perversidade na história humana. São palavras fortes, mas verdadeiras.
Teremos motivos para celebrar se Biden for capaz de dar os passos necessários para evitar o desastre. Isto vai requerer uma enorme pressão pública. Graças, principalmente, aos esforços corajosos de jovens ativistas, Biden apresentou um programa ambiental que é muito melhor do que o de qualquer de seus predecessores, embora ainda longe de ser suficiente.
Lamentavelmente, porém, é provável que o Partido Republicano continue no caminho que tem trilhado nos últimos anos, sobretudo sob a liderança de Mitch McConnell: quando eles não estão no poder, tentam fazer de tudo para que a administração falhe, sem se importarem se isto será cruel com a população. Quando estão no poder, servem primeiro ao seu principal eleitorado, os “poderosos da humanidade”.
As empresas têm sido convocadas a agir de maneira responsável, sócio e ambientalmente, desde a década de 60. Hoje o conceito ESG (Environmental, Social e Governance) tem tomado as discussões empresariais. Alguns chamam de retórica inútil. Como o senhor vê o papel das empresas na construção de um mundo melhor e mais igualitário?
Noam Chomsky – Na década de 1950, nós estávamos certos de que as empresas haviam entendido sua responsabilidade social e estavam se tornando “corporações com alma”. Mas comprovamos a “real generosidade” delas, particularmente quando começaram a ganhar enorme controle político sob o regime neoliberal dos últimos quarenta anos.
Adam Smith teve um olhar certeiro.
O guru econômico da era neoliberal, Milton Friedman, foi admiravelmente franco sobre isso. Friedman argumentou que as corporações não têm que ser responsáveis com a sociedade. Sua única responsabilidade, afirmou ele, é enriquecer os acionistas – que já estão muito ricos – e, naturalmente, enriquecer a si próprias. Em resumo, elas devem seguir, literalmente, a “vilania de Smith”.
Os patrões executaram a tarefa de maneira muito eficiente. Um estudo recente, de alto nível, estimou que houve uma transferência de riqueza, de 90% da camada mais pobre da população aos mais ricos, de cerca de US$ 50 trilhões. Os que receberam esse valor estão concentrados na camada dos super ricos. Ou seja; 0,1% da população aumentou em 20% do total sua participação na riqueza desde que os princípios de Friedman foram impostos, há 40 anos, sob a bandeira da “liberdade”.
Poucos anos atrás, o sistema corporativo começou a enfrentar o que chamou de “riscos de reputação”. Como se diz comumente, os camponeses estão chegando com suas forquilhas, o que pode começar uma luta de classes incessante, a partir do capital.
Passamos, então, a ouvir líderes corporativos reconhecerem erros cometidos em suas gestões e afirmarem sua intenção de transformar suas empresas para que elas se tornem “corporações com alma”, devotadas apenas ao bem estar da população. Dessa forma, os camponeses podem botar de lado suas forquilhas e empenhar sua esperança nos líderes corporativos humanos e generosos.
Acredite nisso por sua conta e risco.
No livro “Crise Climática e o Green New Deal Global” (resenha abaixo), o senhor diz que o resgate do movimento sindical é tarefa essencial, inclusive por causa da crise climática, e lembra que um dos primeiros ecologistas foi um líder sindical, Tony Mazzocchi. Qual a importância de se trazer os trabalhadores para engrossar as fileiras do ativismo ambiental?
Noam Chomsky – Usar a palavra “importância” é um eufemismo. Em vez disso, eu digo que é essencial. O movimento trabalhista tem sido vanguarda, tanto na mudança social progressista, quanto na transformação social. Os poderosos, e aqueles que cumprem suas ordens, sabem disso muito bem. Quando Reagan (presidente Ronald Reagan) e Thatcher (primeira-ministra da Inglaterra Margareth Thatcher) lançaram o ataque neoliberal sobre a população, seus primeiros atos foram no sentido de atacar os sindicatos. Para que o ataque tivesse sucesso, foi necessário destruir os meios primários que os trabalhadores usam para se defender e para defender a sociedade. Era isso que Mazzocchi estava fazendo. Foi isto também que os trabalhadores militantes fizeram quando eles atacaram o New Deal nos anos 1930, e em outras numerosas ocasiões. Os poderosos e seus agentes sabiam o que eles estavam fazendo.
Hoje, muitos dos mais respeitados economistas dizem que a destruição dos sindicatos é o principal fator que originou esta imensa desigualdade social criada nos últimos quarenta anos. Recentemente, isso foi dito até mesmo por Lawrence Summers (secretário do Tesouro dos Estados Unidos no governo de Bill Clinton).
A desigualdade social global parece não perder força. De que maneira se pode juntar as duas lutas: contra a desigualdade e contra as mudanças climáticas?
Noam Chomsky – Definitivamente. O capitalismo descontrolado, quase por definição, produz duas crises: aumento da desigualdade e a destruição do meio ambiente. Não somente por causa de sua dinâmica operacional, mas também porque o aumento do poder econômico permite aos poderosos da economia que minem a democracia. Cada vez eles ficam mais poderosos e já se tornaram “os principais arquitetos da política” nos governos, usando o poder do estado a favor de seus próprios interesses. Levamos 250 anos de experiência para comprovarmos que Adam Smith estava certo. Extirpar as raízes dessas duas crises – uma destrutiva, a outra letal – é a tarefa do movimento para criar um futuro para o bem comum.
A jovem sueca Greta Thunberg arregimenta jovens do mundo todo na luta contra as mudanças climáticas. O “Extinction Rebellion” é outro movimento que também consegue atrair jovens nessa direção. O senhor vê diferença entre esses dois movimentos?
Noam Chomsky – É inspirador o que os jovens vêm fazendo, e suas ações deixam uma lição cruel. Quando Greta Thunberg se dirige a nós dizendo “Vocês nos traíram”, ela está certa. E nós deveríamos ouvi-la.
É vergonhoso que gerações mais velhas tenham tolerado este caminho para o colapso social e o suicídio das espécies, de fato até estimulando isto. É vergonhoso que os jovens tenham que liderar um movimento para superar os danos severos que nós causamos.
É importante frisar aqui: não se deve dizer “nós”. Não são os “humanos” que têm causado tantos horrores na era do Antropoceno. Os impactos devastadores têm sido causados, em sua esmagadora maioria, por algumas sociedades, não por todas as sociedade. E pela riqueza e privilégios dentro dessas sociedades, trabalhando dentro de estruturas institucionais com características profundamente perversas. Tais estruturas não foram implantadas pela grande massa da humanidade, ao contrário disso. Frequentemente houve objeções fortes e resistência superadas pela concentração de poder.
Nada disso deveria ser esquecido enquanto trabalhamos para criar um futuro melhor.
Os indígenas são apontados como os povos que mais ajudam a preservar terras, rios e mares. No entanto, são povos que não têm assento nas grandes decisões mundiais sobre o clima. Por quê?
Noam Chomsky – A isso se chama “poder”. Em todo o mundo, populações indígenas que têm sido submetidas a uma “injustiça selvagem” por parte dos europeus, estão na linha de frente dos esforços para salvar o planeta. Os que perpetraram essa violenta injustiça, que causou um extermínio colossal e expulsou-os violentamente de suas terras, agora falham em seguir seu exemplo. E, em alguns lugares, como por exemplo o Brasil de hoje, o poder concentrado está, literalmente, causando sua extinção.
O livro “Crise Climática e o Green New Deal Global” destaca o Green New Deal, formato que pode estar entre as soluções para salvar o planeta. Kate Raworth, a economista britânica, sugere uma economia Donut, em que ninguém seria deixado de fora. Podemos imaginar que cada país, cada região, vai encontrar seu próprio modo para lidar com a crise climática?
Noam Chomsky – Regiões, e mesmo indivíduos, podem e deveriam encontrar seu próprio caminho para um futuro melhor. Mas os problemas são internacionais. Eles não têm fronteiras. Somente através de uma solidariedade internacional podemos pensar em ter alguma esperança de superar as crises que nos confrontam hoje e, assim, poderemos nos mover para um futuro melhor.
O que o senhor acha do “Small is beautiful”, modelo de economia local criado pelo economista alemão E. F. Schumacher nos anos 1970? Seria um dos caminhos para salvar o planeta e a humanidade?
Noam Chomsky – Pode ser parte da solução, mas somente parte. Economias locais não vão parar o degelo das capotas polares ou a próxima pandemia. Gostem ou não, nós estamos juntos nessa crise climática, e devemos trabalhar com verdadeira solidariedade, ajuda mútua e respeito pelo próximo se quisermos persistir e seguir em frente.
A foto de capa do livro é de divulgação da editora, e a foto de Chomsky foi gentilmente cedida pelo fotógrafo Leo Canabarro.
(*) Amelia Gonzalez é jornalista, foi editora por nove anos do caderno Razão Social do jornal ‘O Globo’ e colunista do Portal G1, também da Globo. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde escreve sobre desenvolvimento sustentável
(#Envolverde)
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