por Samyra Crespo –
Você pode odiar a Ditadura Militar (1964-1985) pelos seus excessos e por carregar apreço pela democracia no coração. Você também a execra porque teve parentes vitimados, ou foi pessoalmente afetado ou ainda porque leu os pungentes relatos fartamente divulgados pelas redes sociais. Não importa.
Mas saiba que o primeiro parque nacional do país foi criado em 1934 (regime getulista) e que foi sob o domínio dos militares que a primeira onda de criação de áreas protegidas ocorreu.
Eram os anos 70 – e estava em curso um projeto de integração física do país, com o maior projeto de estradas e rodovias já visto.
O objetivo maior era a integração da Amazônia, vista então como um “deserto geográfico do ponto de vista humano” (os índios obviamente não contavam). Temia-se que se permanecesse isolada poderia ser parcialmente anexada por vizinhos ou reclamada internacionalmente. Já não tinha havido uma tentativa de se criar um estado judeu na Amazônia? Sim, logo no pós Guerra quando Israel foi criado.
Além disso a teoria em voga na geopolítica da época era: nação poderosa é aquela que têm população e território grandes e soberanos. A Amazônia é nossa alimentou uma ideologia verde-oliva principalmente por parte de generais que serviram nas fronteiras.
Por isso a criação do primeiro órgão ambiental do Brasil, embrião do futuro Ministério, foi confiado a um civil “confiável”: cientista, católico praticante, rico e que tinha como missão identificar as áreas a serem protegidas e a representar nosso País nas conferências internacionais. Seu nome? Paulo Nogueira Neto, o “Dr. Paulo”, atuante até este ano quando morreu com quase 90 anos. Mas dele falaremos adiante em outro texto desta série.
Nestes mesmos anos 70 uma segunda contribuição à causa ambientalista foi dada pelos militares, desta feita involuntariamente.
Todos sabem que os jornais foram censurados. Havia um censor oficial em cada redação dizendo o que podia e o que não podia ser publicado.
O Estadão, seguido por outros jornais, começou então a dar espaço para os assuntos urbanos e ecológicos, dando visibilidade aos debates em torno da poluição do ar e a dos rios Pinheiros e Tietê, ao monstruoso processo de destruição da vida humana em Cubatão, polo industrial onde crianças nasciam sem cérebro. A discussão em torno de um aeroporto – Caucaia do Alto – que implicava em significativo desmatamento.
Neste caudal, membros da família dona do jornal O Estado de São Paulo tornaram-se ambientalistas. Meu colega na USP Rodrigo Lara Mesquita e seu irmão João Lara Mesquita. Tiveram papel importante no núcleo original da criação da SOS Mata Atlântica, primeira ONG de feição contemporânea de defesa de um bioma. João Lara Mesquita que dirigiu a Rádio Eldorado por anos também inaugurou a cobertura de rádio de questões ambientais.
Tive a ocasião de entrevistar três militares quando coordenei, junto com Pedro Leitão o primeiro survey brasileiro, ” o que o Brasileiro pensa da Ecologia” ((CNPq/MAST, 2991) – profundamente engajados na questão ambiental: Ibsen de Gusmão Câmara, Orlando Valverde e Henrique Brandão Cavalcante. Podemos dizer, sem medo de errar, que foram conservacionistas e que nas Forças Armadas contavam com simpatizantes.
Então a fila andou e a história da redemocratização do País, a partir de 1985 – trouxe um novo cenário de desenvolvimento do nosso ambientalismo. Tratarei disso também.
Mas que fique registrado aqui quão longe estão estas origens do marxismo militante. Nesta época, inclusive, nos hostilizavam. Situação que irá se modificar radicalmente nos anos 90. O marco decisivo dessa mudança será a Rio-92 com uma parada quase cardíaca no episódio da morte do Chico Mendes.
Chegaremos lá.
Chegaremos lá.
Obs. Este texto faz parte de um conjunto que venho publicando desde a semana passada, desconstruindo o estereótipo de que os ambientalistas são marxistas e participantes de uma conspiração global contra os interesses da sociedade brasileira, uma impostura ideológica do governo atual.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo ” O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.
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