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terça-feira, 25 de maio de 2021
Levantamento avalia prevalência de transtornos mentais durante a pandemia entre pessoas de 50 a 80 anos
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP
A pandemia de COVID-19 e as situações de estresse e tristeza a ela associadas não aumentaram a prevalência de depressão e ansiedade entre participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto – ELSA Brasil residentes na cidade de São Paulo.
O ELSA Brasil monitora a saúde de 15 mil funcionários públicos de seis universidades e centros de pesquisa do país desde 2008. O estudo sobre saúde mental na pandemia foi realizado na capital paulista, com 2.117 funcionários e aposentados da Universidade de São Paulo (USP) que integram o estudo nacional e têm idades entre 50 e 80 anos.
O levantamento tem apoio da FAPESP e visa comparar o estado mental dessa população antes e durante a pandemia, tanto em indivíduos saudáveis quanto em portadores de ansiedade e depressão.
“A notícia é positiva, mas é preciso considerar que a cidade de São Paulo tem um dos índices de transtornos psiquiátricos mais altos do mundo, afetando cerca de 20% da população. Estudos semelhantes ao nosso realizados no Reino Unido, por exemplo, mostram 16% de prevalência. Portanto, pode ter ocorrido o que chamamos de efeito teto: a prevalência já é tão alta que não aumenta mais”, afirma André Brunoni , professor da Faculdade de Medicina (FM-USP) e coordenador da pesquisa.
De acordo com os resultados, publicados na revista Psychological Medicine , houve estabilidade no diagnóstico ao longo de 2020. De modo geral, a taxa de transtorno mental oscilou entre 23,5% e 21,1%. A de depressão, especificamente, caiu de 3,3% para 2,8%. Já a de transtornos de ansiedade variou entre 13,8% e 8%.
Nos três períodos do ano em que foram coletadas informações sobre a saúde mental dos participantes – maio a julho, julho a setembro, outubro a dezembro –, observou-se também estabilização ou um leve declínio dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse.
“É claro que todo mundo está mais triste e preocupado na situação atual. Tanto que, quando aplicamos o nosso questionário, havia 30% de pessoas descrevendo estar com depressão ou sintomas de ansiedade. No entanto, isso era uma sensação. Com os diagnósticos, mostrou-se uma estabilidade ou até mesmo uma redução. O mesmo ocorreu com os sintomas de ansiedade ou depressão”, explica.
Segundo Brunoni, para que um diagnóstico de depressão seja fechado por um psiquiatra, o paciente precisa apresentar por mais de dois meses dois sintomas maiores do transtorno (por exemplo, tristeza e falta de prazer em fazer atividades que antes ele gostava) e outros cinco sintomas menores de um total de nove – como ansiedade, variação do sono, ganho ou perda de peso, pensamento de menos valia e alterações da libido.
Os mais vulneráveis
Os dados descritos no artigo indicam que o risco de transtornos mentais foi maior entre os participantes mais jovens e os socialmente mais vulneráveis: mulheres, pessoas sem nível superior de ensino e de etnias não branca.
“O único fator de risco que não se encaixa entre os clássicos de vulnerabilidade na nossa sociedade foi a questão etária. No estudo, os mais novos, ou seja, os com menos de 60 anos, tiveram maior risco de desenvolver transtornos mentais. Isso provavelmente ocorreu justamente pelo fato de os idosos estarem mais protegidos no contexto de pandemia e não precisarem ir presencialmente para o trabalho mesmo depois da flexibilização das quarentenas”, explica Brunoni à Agência FAPESP.
Outro aspecto observado no estudo, e que será mais aprofundado com novas análises, é a questão da intensificação da dupla jornada das mulheres durante a pandemia. “Entre os respondentes com crianças ou adolescentes em casa, não houve aumento de transtornos mentais entre os homens. O mesmo não aconteceu entre as mulheres. Queremos pesquisar agora o impacto da dupla jornada na vida dessas participantes”, conta.
Alguns fatores importantes para a manutenção da saúde mental mesmo em situações de forte estresse ficaram evidentes, por exemplo, a estabilidade financeira. A população pesquisada é mais velha (em média 60 anos), mas por serem funcionários públicos têm maior estabilidade e proteção social quando comparados à população em geral.
“Mas acreditamos que a idade tenha contribuído mais do que a seguridade para o não aumento de transtornos mentais. É provável que um estudo realizado nos nossos moldes com uma população adolescente observasse aumento no diagnóstico de transtornos mentais”, afirma o pesquisador.
Isso porque, ressalta Brunoni, o modelo de transtorno mental depende de interação genética (maior vulnerabilidade genética e biológica) e ambiental (estresse externo). “O mais comum é que o pico de desenvolvimento de transtorno mental ocorra por volta dos 20 ou 30 anos, quando a pessoa se expõe mais ao ambiente. Depois desse período, isso vai diminuindo”, ressalta.
No estudo, os participantes tinham entre 50 e 80 anos e cerca de 25% já possuiam diagnóstico de transtorno mental. “Se olhar para trás, são pessoas que já passaram por ditadura, hiperinflação, Plano Collor e, provavelmente, muitas perdas na vida. São tantos estímulos desgastantes que, talvez, aquelas pessoas com predisposição genética haviam desenvolvido transtorno mental”, diz.
A solidão dos idosos durante a pandemia foi outro aspecto analisado e que será aprofundado em futuras análises. “Muitos relataram que a tecnologia foi uma grande aliada para driblar a solidão e manter os laços com a família e amigos, mesmo que apenas virtualmente. Isso foi importante, pois pessoas que relatam maior dificuldade interpessoal têm risco aumentado de desenvolver sintomas ou transtornos”, conclui.
O artigo Prevalence and risk factors of psychiatric symptoms and diagnoses before and during the COVID-19 pandemic: findings from the ELSA-Brasil COVID-19 mental health cohort pode ser lido em www.cambridge.org/core/journals/psychological-medicine/article/prevalence-and-risk-factors-of-psychiatric-symptoms-and-diagnoses-before-and-during-the-covid19-pandemic-findings-from-the-elsabrasil-covid19-mental-health-cohort/CD2CA7F817D2C631F919FA1562BD97C2.
DOI: https://doi.org/10.1017/S0033291721001719
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/05/2021
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