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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Rio+20: os equívocos da economia verde e das tecnologias. Entrevista com Kathy Jo Wetter

“Está claro para a maioria das pessoas que chamar algo de ‘verde’ não significa que ele de fato o seja”, declara a pesquisadora do Grupo ETC.
Confira a entrevista.
A economia verde e “seu eixo central”, a tecnologia, estarão no centro das discussões ambientais a serem debatidas na Rio+20, em junho deste ano, no Rio de Janeiro. Entretanto, Kathy Jo Wetter, pesquisadora do Grupo ETC, alerta para a falta de clareza em torno do conceito, e para as apostas nas soluções tecnológicas. “A ausência de uma definição consensual de ‘economia verde’ no processo da Rio+20 é estratégico na medida em que assegura que ela pode significar qualquer coisa – ou nada! (…) Na ausência de fortes políticas sociais e de novas estruturas de governança, as mesmas companhias gigantes e transnacionais que controlam a nossa economia atual irão permanecer no controle de qualquer economia que possa haver no nosso futuro – seja qual for a sua cor. O pior cenário é que a economia verde simplesmente forneça camuflagem para a perpetuação da atual economia gananciosa”, esclarece em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
As tecnologias, segundo ela, estão sendo apontadas pelos governos como uma alternativa para sanar os problemas climáticos e resolver, consequentemente, as questões sociais, especialmente em relação à fome e à distribuição de alimentos. “Meio século depois do nascimento do movimento ambiental moderno, todos os problemas sociais parecem exigir não políticas, mas sim soluções tecnológicas. De acordo com a sabedoria predominante, o antídoto para a doença é a medicina personalizada (via genômica); a fome pode ser saciada com a biotecnologia a resposta ao Pico do Petróleo é a biologia sintética (isto é, a transformação da biomassa); a cura para Kyoto é a geoengenharia; a resposta ao “déficit de democracia” é a internet; e o fim da pobreza há de vir quando os governos adotarem a economia verde”, ironiza.
Entre as tecnologias testadas pelos países que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, Kathy destaca os investimentos na geoengenharia, uma tecnologia que garante a “intervenção intencional e de larga escala em sistemas planetários com a intenção de afetar o clima”, explica. Crítica dessa política, a pesquisadora argumenta que a “geoengenharia permite que os governos que desejam fazer pouco ou nada com relação às mudanças climáticas finjam que uma ‘solução’ tecnológica significa que eles podem agir unilateralmente para resfriar o planeta, mantendo estilos de vida exorbitantes”. E reitera: “A geoengenharia não pode fazer parte de um desenvolvimento e/ou economia socialmente justos e ecologicamente sustentáveis. A geoengenharia deveria ser banida completamente pelas Nações Unidas na Rio+20”.
Kathy Jo Wetter é pesquisadora do Grupo ETC, uma organização da sociedade civil internacional com sede em Ottawa, Canadá. Kathy dedica-se ao estudo das nanotecnologias, tecnologias convergentes, biologia sintética e concentração empresarial.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que significa economia verde? Qual é o princípio desta economia e quem a controla?
Kathy Jo Wetter – A “economia verde” pode significar, é claro, coisas muito diferentes, dependendo da sua perspectiva. A ausência de uma definição consensual de “economia verde” no processo da Rio +20 é estratégica na medida em que assegura que ela pode significar qualquer coisa – ou nada!
Embora seja popular nestes dias afirmar que a “operação padrão” não é uma opção, nossa pesquisa (ao preparar nosso recente relatório Who Will Control the Green Economy? (Quem vai controlar a Economia Verde?) levou-nos a concluir que, na ausência de fortes políticas sociais e de novas estruturas de governança, as mesmas companhias gigantes e transnacionais que controlam a nossa economia atual irão permanecer no controle de qualquer economia que possa haver no nosso futuro – seja qual for a sua cor. O pior cenário é que a economia verde simplesmente forneça camuflagem para a perpetuação da atual economia gananciosa.
No período que antecedeu a Rio+20, a noção de uma “grande transformação tecnológica verde” que possibilite a economia verde está sendo amplamente promovida como a chave para a sobrevivência do nosso planeta. A ideia é que iremos substituir a extração de petróleo pela exploração de biomassa (safras de alimentos e de fibras, pastos, resíduos florestais, óleos vegetais, algas etc.). Os propositores preveem um futuro pós-petróleo em que a produção industrial (de plásticos, de produtos químicos, de combustíveis, de medicamentos, de energia etc.) dependerá não de combustíveis fósseis, mas sim de matérias-primas biológicas transformadas através de plataformas de bioengenharia de alta tecnologia. Muitas das maiores corporações e dos governos mais poderosos do mundo estão promovendo o uso de novas tecnologias para transformar a biomassa em produtos de alto valor.
A biologia sintética está possibilitando a mudança de deslocar genes individuais de uma espécie para outra (plantações biotecnológicas ou geneticamente modificadas, por exemplo) para a construção de DNA artificial e a incorporação de DNA em células para criar algas e micróbios únicos, que são capazes de converter quase qualquer biomassa em quase qualquer bioproduto. Com bilhões de dólares de investimentos públicos e privados ao longo dos últimos anos (incluindo das maiores companhias de energia e produtos químicos do mundo), a biologia sintética vê a biodiversidade da natureza como biomassa, que pode ser convertida por micróbios sintéticos em combustíveis, produtos químicos, plásticos, fibras, produtos farmacêuticos ou até mesmo alimentos – dependendo da demanda do mercado na época da colheita.
Os maiores celeiros de biomassa terrestre e aquática estão localizados no Sul global e estão protegidos principalmente por camponeses, cuidadores de animais, pescadores e moradores das florestas cujos meios de vida dependem deles. A “economia verde” biobaseada poderia estimular uma convergência do poder corporativo ainda maior e desencadear a posse de recursos mais massivos em mais de 500 anos.
IHU On-Line – Por que a economia verde está em destaque nos debates sobre sustentabilidade?
Kathy Jo Wetter – Porque a orientação da maioria dos governos, liderados pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE, deslocou-se fortemente em favor de mecanismos baseados no mercado como uma forma de provocar todo resultado desejado – por exemplo, reduções de gases do efeito estufa, proteção da biodiversidade e, agora, desenvolvimento sustentável – apesar dos óbvios fracassos desses mecanismos nestes e em outros contextos.
O papel da tecnologia na economia verde é central aqui: meio século depois do nascimento do movimento ambiental moderno, todos os problemas sociais parecem exigir não políticas, mas sim soluções tecnológicas. De acordo com a sabedoria predominante, o antídoto para a doença é a medicina personalizada (via genômica); a fome pode ser saciada com a biotecnologia a resposta ao Pico do Petróleo é a biologia sintética (isto é, a transformação da biomassa); a cura para Kyoto é a geoengenharia; a resposta ao “déficit de democracia” é a internet; e o fim da pobreza há de vir quando os governos adotarem a economia verde.
Assim como na Cúpula da Terra no Rio em 1992, a tecnologia também será importante na Rio+20. Na luta pelo acesso, alguns governos não estão questionando se as tecnologias que eles querem são seguras, úteis, em última análise, ou trazem amarras consigo.
IHU On-Line – A economia verde dialoga com as políticas sociais?
Kathy Jo Wetter – Não até agora. No ETC Group, costumamos dizer que, se a “operação padrão” não é uma opção, a “governança padrão” também não. Novos modelos de economia mais sociais e ecologicamente sustentáveis são necessários para salvaguardar a integridade dos sistemas planetários para a nossa e para as futuras gerações. Mecanismos antitruste de autoridade e inovadores (que atualmente não existem) devem ser criados para reter o poder corporativo. Legisladores internacionais devem superar a atual desconexão entre segurança alimentar, agricultura e política climática – especialmente apoiando a soberania alimentar como o marco global para abordar essas questões. Todas as negociações devem ser moldadas pela forte participação dos movimentos sociais e da sociedade civil.
IHU On-Line – Que características deveriam fazer parte de uma economia sustentável?
Kathy Jo Wetter – Além das políticas mencionadas na resposta anterior, os governos devem apoiar economias verdes diversificadas, centradas no local, sendo social, cultural e ecologicamente apropriadas e justase que estejam baseadas no uso adequado da biodiversidade para ir ao encontro das necessidades humanas e salvaguardar os sistemas planetários.
IHU On-Line – A economia verde será um dos temas centrais das discussões da Rio+20 no próximo ano. Como vê esta discussão em uma conferência para o desenvolvimento sustentável?
Kathy Jo Wetter – A discussão não é surpreendente, dada a atual orientação dos governos aos mercados, o posicionamento das corporações transnacionais para permanecer no assento do motorista e a falta de precisão no próprio conceito de economia verde. No entanto, está claro para a maioria das pessoas que chamar algo de “verde” não significa que ele de fato o seja, e que devemos pressionar por resultados concretos na Rio+20, resultados que nos levem na direção do desenvolvimento sustentável.
IHU On-Line – Que avaliação você faz da COP-17, que aconteceu em Durban? O que os acordos políticos desta conferência demonstram sobre a preocupação mundial com as mudanças climáticas?
Kathy Jo Wetter – Tanto o processo confuso como o instrumento legal sem força escolhido para substituir o Protocolo de Kyoto em 2020 não são necessariamente sinais de que os governos mundiais não estão preocupados com as mudanças climáticas. Em nossa opinião, eles poderiam sinalizar algo ainda mais preocupante: ao não fazer nada de construtivo com relação às mudanças climáticas, os governos estão, com efeito, lançando as bases para uma “emergência climática” que providenciaria a sua justificação para a implantação de tecnologias de geoengenharia.
A geoengenharia é a intervenção intencional e de larga escala em sistemas planetários com a intenção de afetar o clima, e diversos governos da OCDE estão explorando as opções da geoengenharia. A geoengenharia permite que os governos que desejam fazer pouco ou nada com relação às mudanças climáticas finjam que uma “solução” tecnológica significa que eles podem agir unilateralmente (sem um acordo multilateral) para resfriar o planeta, mantendo estilos de vida exorbitantes. A geoengenharia, para esses governos, poderia ser politicamente popular dentro de casa e permitir-lhes economizar dinheiro no exterior. A geoengenharia está sendo proposta agora como uma solução rápida para as nossas outras crises ecológicas, como a acidificação dos oceanos, o nitrogênio e os desequilíbrios no ciclo da água. A geoengenharia não pode fazer parte de um desenvolvimento e/ou economia socialmente justos e ecologicamente sustentáveis. A geoengenharia deveria ser banida completamente pelas Nações Unidas na Rio+20.
IHU On-Line – Qual sua expectativa para a Rio+20, dez anos depois da Eco-92? Que temas são urgentes neste encontro?
Kathy Jo Wetter – A nossa expectativa não é alta, e a divulgação nesta semana do primeiro esboço “zero” do documento final da Rio+20 fizeram pouco para aumentar a nossa expectativa. No entanto, nenhum de nós pode se dar o luxo de descartar a Rio+20 como uma causa perdida neste momento. Em nossa opinião, a questão candente é a tecnologia – incluindo a sua propriedade e o seu controle –, porque a ela é amplamente vista como o eixo central da economia verde. A Rio+20 deve rever os compromissos assumidos na primeira Cúpula do Rio, incluindo os capítulos 34 e 35 da Agenda 21, que convocam os governos a adotar iniciativas de análise de tecnologia globais e nacionais. Nesses anos, desde a Rio-92, a capacidade dos governos e da comunidade internacional de realizar a análise e a avaliação de tecnologia diminuiu. Imediatamente depois da Rio-92, a capacidade da Comissão de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento das Nações Unidas – UNCSTD foi drasticamente reduzida, e a Comissão de Empresas Transnacionais das Nações Unidas – UNCTC, que monitorava as principais indústrias que desenvolvem novas tecnologias, foi eliminada totalmente.
O colapso na capacidade dos governos de analisar novas tecnologias – incluindo seus impactos socioeconômicos – ocorreu exatamente enquanto o mundo experimentava a mais rápida – e mais ampla – expansão de novas tecnologias da história. A preocupação pública pela segurança das novas tecnologias e a falta de confiança na capacidade dos governos de proteger seus interesses aumentaram com a descoberta, primeiro, da doença da “vaca louca”, depois, pela febre aftosa (principalmente nos países industrializados) e, mais tarde, pela rápida expansão de plantações geneticamente modificadas.
O sistema multilateral das Nações Unidas não tem capacidade confiável para avaliar as tecnologias ou para aconselhar os governos. Diversos países experimentam condições de saúde, ambientais e socioeconômicas extraordinariamente diferentes dentro das quais as tecnologias operam. Tendo em conta isso, há uma necessidade urgente de um monitoramento e de uma capacidade de compartilhar informações nacionais e globais que incluam a sociedade civil – especialmente aquelas comunidades indígenas e locais que possam ser direta ou indiretamente afetadas pela utilização de tecnologias.
A importância da agricultura e, dentro disso, a importância dos pequenos produtores – e a melhor forma de apoiá-los – também são uma questão candente para a Rio+20. De acordo com um relatório da Unep (intitulado Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza), há 525 milhões de pequenos agricultores, dos quais 404 milhões têm menos de dois hectares. Os pequenos agricultores não apenas são responsáveis por pelo menos 70% da produção agrícola global, mas suas ações coletivas também representam a nossa maior esperança para adaptar e mitigar a crise climática. Os legisladores internacionais devem superar a atual desconexão entre segurança alimentar, agricultura e políticas climáticas, especialmente apoiando a Soberania Alimentar como o marco global para abordar essas questões. (Em contraste ao atual sistema agroindustrial, que permite que regimes de comércio e forças de mercado internacionais ditem as políticas alimentares e agrícolas, a soberania alimentar implica os direitos das nações e dos povos de determinar democraticamente as suas próprias políticas alimentares e agrícolas.)

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FONTE : (Por Patricia Fachin. Tradução de Moisés Sbardelotto)
(Ecodebate, 17/01/2012) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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