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terça-feira, 9 de agosto de 2011

De Hiroshima a Fukushima, horror nuclear não alertou Japão sobre riscos da energia atômica

Os dias 6 e 9 de agosto de 1945 – dias dos bombardeios atômicos sobre Hiroshima e depois sobre Nagasaki – são datas que assombram a memória dos japoneses. Uma outra promete marcar a história nacional: o dia 11 de março de 2011, dia do terremoto acompanhado do tsunami que levaram à usina de Fukushima a mais grave catástrofe nuclear desde Chernobyl, em 26 de abril de 1986. Reportagem de Philippe Pons, em Le Monde.

Claro, não há como comparar um país derrotado, arrasado, com centenas de milhares de pessoas mortas instantaneamente e outras que iriam sofrer pelo resto de suas vidas, a um desastre nuclear, cujas trágicas consequências ainda estão sendo pressentidas, mas que por enquanto permanece circunscrita a uma região.

Os testemunhos dos sobreviventes de Hiroshima e de Nagasaki durante cerimônias de homenagens às vítimas terão este ano um caráter ainda mais comovente. Como um Estado cujo povo sentiu na pele o horror do fogo nuclear pode ter sido tão pouco atento aos riscos apresentados pela energia atômica – ainda mais em um país sujeito a terremotos?

Através dos depoimentos, das revelações e das opiniões de especialistas que por muito tempo foram ostracizados pelo lobby nuclear e ignorados pela mídia, os japoneses começam a entrever o que está em segundo plano na catástrofe, cuja extensão eles percebem um pouco mais a cada dia. Eles estão se conscientizando da condenável “aposta” de suas elites que subestimaram os riscos. Para além dos problemas de boa governança da operadora da usina, a Tokyo Electric Power Co. (Tepco), e da controvérsia “a favor ou contra a energia nuclear”, surge a questão de um Estado que não soube proteger a nação e de políticos que traíram as expectativas legítimas de segurança daqueles que eles representam. Tanto o primeiro quanto os segundos ignoraram, se não confiscaram, o direito da população de ser alertada.

Cinco meses após o acidente que está longe de estar controlado, busca-se em vão por responsáveis por um desastre no qual se misturam insuficiência de precaução, dissimulações, falsificações de documentos, mentiras e manipulação da opinião pública. “Assim como em Chernobyl, ninguém assume a responsabilidade”, acredita Kenzaburo Oe, Prêmio Nobel de Literatura. E como poderia ser diferente? A negligência se dissolve em uma rede de colusão entre governantes, operadoras, fabricantes de reatores e grande mídia que repercutiam as garantias dos especialistas daquilo que chamamos aqui de “aldeia nuclear”.

A catástrofe de Fukushima abre uma crise de confiança que atinge as instituições: uma burocracia que, desde a restauração de Meiji (fim do século 19, época da passagem para a era moderna), administrou o país com desprezo, relegando a política ao segundo lugar. Com sucesso, aliás. O “triângulo de ferro” (governo, política e empresariado) fez do Japão derrotado uma das primeiras potências econômicas do mundo.

Mas não sem danos, como mostram as doenças da poluição dos anos 1960-1970, entre elas a de Minamata (contaminação pelo mercúrio orgânico despejado no mar por uma indústria química): milhares de mortos e pessoas nascidas com deficiências. Nessa época o Estado já não defendeu os cidadãos: foram as vítimas que lutaram durante anos para que parassem de negar a ligação entre a poluição e as doenças.

Como os habitantes de Minamata, que, depois de acreditarem que a indústria química traria prosperidade a sua região, descobriram que ela também trazia a morte, muitos japoneses se conscientizaram de que eles se iludiram com uma confiança exagerada em uma tecnologia cuja segurança era elogiada até em livros escolares.

Os japoneses descobriram que o Estado não havia providenciado instrumentos para controlar uma perigosa “ferramenta”– as instâncias de monitoramento da indústria nuclear dependem do Ministério da Economia, do Comércio e da Indústria (Meti), encarregado de promovê-la… – e que ele permitiu a formação de poderosos monopólios regionais por parte de companhias de eletricidade que impunham suas “normas”. Quando funcionários do Meti tentaram quebrá-los no final dos anos 1990, um protesto por parte de políticos abafou a tentativa.

Ademais, o Estado persuadiu as coletividades locais a aceitaram as usinas com um dilúvio de subsídios. Nem todos os moradores eram a favor: desde 1973, opositores entraram com ações na Justiça contra as operadoras, alegando que havia riscos de terremotos e de tsunamis. Eles sempre perderam e seus argumentos foram ignorados pela mídia. Ostracizados pela vizinhança, alertados por seus empregadores, eles abaixaram a cabeça.

Setenta anos depois de Hiroshima e Nagasaki, o Japão volta a ser vítima da energia atômica. Mas, desta vez, é ele o responsável pelo desastre. E neste ano, o Congresso do Japão contra a Bomba Atômica (Gensuikin), o mais importante movimento antinuclear do país criado em 1965, acrescentará a seu slogan “No more Hiroshima! No more Nagasaki!”, um “No more Fukushima!”.

O Japão demonstrou no passado sua capacidade de se reinventar. E provavelmente é o que acontecerá novamente. Mas, desta vez, o contrato social entre o Estado e a nação foi abalado.

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Reportagem [D'Hiroshima à Fukushima. Tradução: Lana Lim. (EcoDebate, 09/08/2011).

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