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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Crime continuado e silencioso contra a Biosfera - Millos Augusto Stringuini e José Truda Palazzo Jr.

O presente artigo é resultado de mais de 30 anos de observação e enquete sobre públicos muito variados, incluindo centenas de alunos de graduação e pós-graduação no Brasil e no exterior, para os quais foi perguntado:

* O que possibilita a existência da vida no planeta?

De forma impressionante, ressalvados somente cinco respostas corretas, os questionados sempre responderam de forma incorreta.

A imensa maioria das pessoas pensa que a existência da vida na Terra é devida à água. Além disso, muitas outras falam do carbono, algumas dizem energia e petróleo e mais um sem número de respostas absurdas, como o dinheiro e economia, as leis, o sexo, etc.

Das cinco pessoas que acertaram a resposta, quatro eram biólogos e um engenheiro agrônomo.

O imenso desconhecimento na sociedade da resposta correta é a prova incontestável do descaso da humanidade com um fenômeno natural que é à base da existência de todos os seres vivos existentes na biosfera.

Além disso, se contam aos milhares as reuniões, conferências mundiais, seminários falando de meio ambiente. Igualmente, tratados, livros, artigos de direito ambiental e um grande volume de pesquisas científicas publicadas anualmente sem que qualquer referência seja realizada ao fenômeno que possibilita a existência da vida no Planeta Terra.

Esse texto tem como objetivo demonstrar que o desconhecimento da existência e dinâmica do fenômeno que possibilita a vida no planeta Terra e a falta de preservação de sua integridade, implicará, dentro de algum tempo, na extinção de milhares de espécies e da humanidade.
A produção de vida.

A Terra é um “planeta com vida” porque existe clorofila e fotossíntese.

Um planeta pode ter água, carbono, nitrogênio, fósforo e potássio e demais elementos, mas não terá vida se não tiver clorofila e, portanto, fotossíntese.

A fotossíntese é o fenômeno dinâmico gerado pela clorofila em presença da luz solar nos cloroplastos celulares que produz e mantêm a vida no planeta. É fato que algumas comunidades dos fundos abissais marinhos vivem de quimiossíntese, mas qualquer organismo que tenha seu ciclo de vida vinculado às áreas emersas e aos ambientes acima dos 1000m de profundidade, bem como a maioria dos que vivem nos fundos marinhos colhendo a “chuva de organismos” que o mar aporta, têm suas vidas inexoravelmente dependentes da fotossíntese.

Para relembrar aos esquecidos as aulas de biologia no segundo grau, nas quais a imensa maioria dos alunos achava desagradável estudar a fotossíntese, publica-se abaixo a fórmula desse maravilhoso fenômeno que permite a existência de vida nesse planeta, inclusive a humana.

•FOTOSSÍNTESE

6CO2 + 6H2O + luz (energia) → C6H12O6 + 6O2

Durante a noite ocorre o fenômeno inverso:

Liberação de CO2 e consumo de O2.

RESPIRAÇÃO.

C6H12O6 + 6O2 → 6CO2 + 6H2O + energia.

Merece total destaque o fato de que a fonte primordial de clorofila e fotossíntese no planeta é o fitoplâncton oceânico e das águas doces.

De fato, a maior quantidade de fotossíntese produzida na Terra é realizada pelo fitoplâncton, que é formado por diminutas “plantas marinhas” (principalmente algas verdes, diatomáceas, cianofíceas e dinoflagelados) que estão na base da teia da vida dos mares e, portanto, do planeta.

O fitoplâncton aquático é a “fonte primordial de geração de oxigênio para o planeta”. Se existe uma grande quantidade desse elemento no planeta, disponível para todos os seres vivos e a humanidade respirar, deve-se à existência, principalmente, do fitoplâncton.

Os vegetais clorofilados terrestres contribuem também e são fontes amplificadoras do processo de produção de fotossíntese originado nos mares.

As florestas tropicais, além da função de produção de oxigênio e captação e fixação de gás carbônico – fotossíntese – são reguladoras hidráulicas do ciclo das águas e do clima global em cooperação com os dois pólos frios terrestres (sul e norte).

Por sua vez, o planeta Terra possui um “quantum naturalmente incremental da presença de clorofila e de fotossíntese” (quantum fotossintético) para manter a vida e seu ciclo evolutivo no planeta, gerado pelo fitoplâncton e ampliado pelos vegetais terrestres.

Incremental porque, quanto mais fotossíntese é produzida pelos vegetais clorofilados e, principalmente, pelo fitoplâncton, mais oxigênio será disponibilizado na atmosfera, equilibrando dinamicamente a relação de concentração no ar do Oxigênio e do Gás carbônico. Um ciclo virtuoso de produção de oxigênio e captação e absorção de gás carbônico.

Por outro lado, quanto mais humanos e motores de todos os tipos existirem no planeta maior será a necessidade de fotossíntese, pois ambos consomem oxigênio e produzem gás carbônico.

Entretanto, com os processos de poluição das águas oceânicas e doces, do ar e dos solos, associado ao desmatamento, a humanidade promove, constantemente, uma redução crescente (muito provavelmente exponencial) do “quantum fotossintético” do planeta, ou seja, paulatinamente os humanos estão alterando o equilíbrio dinâmico da relação de concentração no ar do Oxigênio e do Gás Carbônico.
Oceanos e a vida.

As florestas são extremamente importantes para a vida na Terra. Abrigam uma imensa biodiversidade, mantém perenes as bacias hidrográficas, promovem a ciclagem da água na atmosfera e realizam fotossíntese. Aquilo que quase ninguém sabe na humanidade é que somos vitalmente dependentes da fotossíntese realizada nos mares do planeta, seja para sobreviver e ou enfrentar a ameaça das mudanças climáticas de origem antrópica.

O fitoplâncton oceânico afetado pela poluição de todos os estados físicos da água e pelo aquecimento global está sendo reduzido em aproximadamente 1% ao ano.

Segundo estudo publicado recentemente por um grupo de pesquisadores na revista científica Nature, desde 1950 a quantidade de fitoplâncton no planeta já diminuiu cerca de 40%. Isso é muito pior do que o desmatamento das florestas tropicais em termos da produção de oxigênio pela fotossíntese – é um criminoso desastre ambiental de proporções inenarráveis.

Todavia, como as vítimas são plantas microscópicas e não árvores ou mamíferos atraentes aos olhos humanos, a conduta narcisista hedonista negligente da humanidade com a natureza, permite a continuidade desregrada desse crime contra a vida no planeta.

Aquilo que não é visível para os humanos é desconsiderado cognitivamente. O invisível não tem valor.

Não faltarão pessoas para negar a importância desse fenômeno ecológico para a humanidade e a totalidade da vida no planeta. A informação de que o fitoplâncton possui altas taxas de regeneração comunitária em função de fenômenos sazonais, seguramente será apresentada para justificar a continuidade desse atentado criminoso contra a vida no planeta em nome da economia.

Todavia, o que os defensores do absurdo antropocêntrico certamente desconhecem é que os fenômenos de dinâmica populacional e comunitária no Planeta, por Lei natural, invariavelmente terão suas máximas expressões numéricas reduzidas pela pressão constante dos fatores de poluição.

Quanto maior for a poluição de todos os tipos, menor será a abundância e distribuição do fitoplâncton e, portanto, da biodiversidade planetária.

As más notícias não param por aí. O fitoplâncton fixa o dióxido de carbono (CO2) através da fotossíntese, o que contribui para seu próprio crescimento e também da teia alimentar marinha. Uma parte do carbono fixado na biomassa do fitoplâncton termina se tornando o carbonato de cálcio dos sedimentos nas profundezas oceânicas, permanecendo lá por milhares de anos. Todavia, uma boa parte do dióxido de carbono (CO2) que não contribui para o crescimento da biomassa acaba retornando para a atmosfera pela respiração da comunidade fitoplanctônica. O resultado líquido entre a fotossíntese (produção primária) e a respiração combinada determina, portanto, se os oceanos estão atuando como um depósito (sink) de carbono ou como uma fonte (source), ou seja, se estão absorvendo o carbono que emitimos irresponsavelmente na atmosfera ou se estão devolvendo.

Há abundantes evidências científicas de que essa equação é definida em grande parte pela temperatura da água. Quando a temperatura sobe, também sobem os níveis de fotossíntese e respiração. Entretanto, a respiração aumenta mais rapidamente seus níveis de ocorrência que a fotossíntese, transformando os oceanos em fonte, e não mais em depósito de carbono.

O continuado despejo de carbono na atmosfera pelas atividades humanas, inegavelmente provoca o aumento desmesurado da temperatura, provocando também uma diminuição da capacidade dos mares de absorver esse carbono via fotossíntese, formando um ciclo vicioso e uma espiral de destruição que ameaça toda a vida no planeta.

Resumindo, como o fitoplâncton oceânico é a base (fotossintética e nutricional) de todas as teias de vida do planeta, diminuindo a quantidade de fitoplâncton, toda a quantidade de vida no planeta diminuirá junto, iniciando pelo zooplâncton, corais, peixes e toda a vida aquática e terrestre.

A humanidade está criminosamente promovendo de forma continuada a perda da base de produção primária da vida na Terra, associada à entrada num ciclo de aquecimento retroalimentado de conseqüências avassaladoras.
Conclusões.

Esse é um problema para o qual atualmente inexistem soluções imediatas, do ponto de vista institucional e legal, visto ser internacional, ou seja, algo a ser resolvido por toda a humanidade.

A humanidade através da liderança da ONU e dos Governos dos Estados Membros deveria estar promovendo um grande esforço global para aumentar a quantidade de seres clorofilados na biosfera e, prioritariamente, o fitoplâncton, pois eles são a única fonte de geração de vida no planeta.

Todavia, o proclamado “desenvolvimento econômico” age exatamente no sentido contrário, está promovendo a redução da quantidade de produtores de fotossíntese no planeta Terra e, em especial, do fitoplâncton.

Muito pouco adiantará reduzir as emissões de gases estufa se não for promovida uma constante ampliação da capacidade fotossintética do planeta. Nesse sentido, é preciso buscar não apenas a restauração das áreas florestadas e preservadas no plano global, mas também a redução IMEDIATA dos demais impactos humanos sobre os oceanos, inter alia:

1. Eliminação das descargas orgânicas e de poluentes sobre os rios, plataformas continentais, através da universalização da coleta e tratamento de efluentes urbanos e industriais até o mais elevado grau de purificação tecnologicamente disponível, com limitação geográfica das concentrações urbanas, decretando o fim da operação dos emissários oceânicos de esgotos, sem tratamento.

1. Redução planejada e acelerada da ocupação das zonas costeiras, em especial no tocante aos ecossistemas associados ao meio marinho cuja produtividade fotossintética é essencial à continuidade da vida; manguezais, marismas, estuários e lagoas;

1. Eliminação rápida e progressiva da Pesca Industrial, visto que essa é uma atividade de “mineração da biodiversidade marinha” sem qualquer sustentabilidade. Essa atividade deverá ser substituída por maricultura sustentável e pesca de pequena escala com monitoramento e regulamentação adequados, sendo que a captura de predadores de topo de cadeia (atuns e afins, tubarões e outros) deverá cessar imediatamente;

1. Restrição e controle da exploração e explotação de hidrocarbonetos e outras atividades de extração mineral nos oceanos, pois elas afetam de forma direta o fitoplâncton pelos seus crônicos derrames e resíduos;

1. Ampliação constante e progressiva da porcentagem de áreas marinhas protegidas de uso estrito, principalmente em regiões de alta produtividade e diversidade biológica (recifes de coral, montes submarinos, ilhas oceânicas, vents3 e seeps4 abissais) onde as atividades humanas capazes de interferir nas teias vivas sejam proibidas ou fortemente restringidas.

Além disso, do ponto de vista institucional e diplomático, é inegável a existência hoje de “uma grande opera bufa ambiental mundial”. Nela, metaforicamente, é vendida para o grande público a ilusão de que a humanidade através de seus governos está solucionando os problemas ambientais existentes. Um enorme engodo, pois os problemas ambientais historicamente existentes continuam aumentando e sendo agravados em suas magnitudes.

Os governos sobre a face da Terra, protegendo seus interesses econômicos, dificilmente aceitarão controlar a poluição dos mares e a destruição do fitoplâncton, pois o pensamento econômico de curto prazo é o principal motivador das ações da maioria dos humanos.

O problema de fundo que ameaça a integralidade da vida no planeta, ou seja, a redução quantitativa e a morte continuada dos fotossintetizadores, nem mesmo tem sido considerado como algo a ser pautado.

Se a humanidade continuar a promover a redução do quantum fotossintético do planeta, até a metade do século XXII, muito provavelmente, a humanidade estará extinta da face da terra pela fome e com ela milhares de outras espécies.

O desafio atual para aquilo que resta de lucidez e verdade da humanidade é resolver, científica, institucional e legalmente esse problema ecológico internacional, para o qual as provas existentes são irrefutáveis.

Entretanto, no contexto atual, onde uma luz no fim do túnel ainda não apareceu, a desconsideração da importância da fotossíntese, pelos humanos é um crime continuado e silencioso contra a Biosfera e todos aqueles que ignoram o colapso ambiental dos oceanos e rios, são cúmplices desse processo que já se aproxima do ponto crítico de irreversibilidade.

Quem sobreviver ao caos ecológico resultante dos séculos XX e XXI, reconhecerá os erros cometidos pela humanidade e justificados pela economia e o antropocentrismo.!
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FONTE : Millos A. Stringuini (Biólogo, Doutor em Ciências do Meio Ambiente – Professor “cátedra sul” da Universidade de Liége – DSGE – Bélgica, Perito Internacional) e José Truda Palazzo Jr. (Presidente da rede Costeiro-Marinha e Hídrica, Consultor em Meio Ambiente). (EcoDebate, 11/02/2011).

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