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quarta-feira, 17 de março de 2010

Pesquisadores se mostram preocupados com o excesso dos chamados interferentes endócrinos na água

A existência de lixo doméstico e de resíduos agrícolas, industriais e orgânicos nos rios e oceanos, aliada à falta de tratamento adequado, tem gerado efeitos dramáticos em todo o ecossistema. Um tipo específico de contaminação da água pode estar prejudicando animais, fato até hoje pouco estudado pela ciência. Invisíveis a olho nu e presentes por toda parte, em especial nas águas do planeta, moléculas conhecidas como interferentes endócrinos estariam provocando alterações nos órgãos sexuais e na reprodução de determinadas espécies, como mostraram os resultados de alguns estudos. Reportagem de Gisela Cabral,no Correio Braziliense.

O problema pode estar por trás, por exemplo, do surgimento de moluscos e crocodilos com dois sexos e do fato de ursos polares terem passado a dar à luz poucos filhotes. Paralelamente a isso, os especialistas também passaram a se questionar a respeito dos efeitos dessas moléculas danosas sobre a saúde dos seres humanos. A queda acentuada na contagem de espermatozoides em homens, observada nos últimos 60 anos, e a chegada da menstruação cada vez mais cedo entre as meninas poderiam estar relacionadas à ação desses interferentes. Porém, é bom lembrar que na área humana nada ainda foi comprovado.

Tais moléculas são velhas conhecidas da ciência. Os interferentes endócrinos podem estar presentes no ar, nos alimentos, na água, e até mesmo em objetos de plástico. Eles têm excelente capacidade de interação com os receptores de estrógenos, que a maioria dos animais carrega na membrana de suas células. Disfarçados de hormônio, eles produzem uma mensagem enganosa que pode fazer a célula morrer, se multiplicar ou produzir certas proteínas na hora errada. A exposição muito intensa e por um longo período pode levar à feminização de machos e à masculinização de fêmeas. Mas isso vai depender da espécie, da fase de desenvolvimento na qual o animal se encontra e da quantidade de interferentes à qual foi exposto.

Segundo um dos estudiosos no assunto, o químico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Wilson Jardim, essas moléculas podem ser novas ou antigas. “A cada ano, mais ou menos mil novas substâncias são produzidas comercialmente. Também existem as já conhecidas, como os hormônios naturais ou sintéticos”, destaca. Para ele, são inúmeras as evidências de que compostos com comprovada ação estrogênica no ambiente podem alterar o sexo de peixes e o sistema reprodutor de répteis e de pássaros. “Assim, em locais que recebem altas cargas de esgoto sanitário doméstico sem tratamento, a feminização de peixes é um fato comprovado. Portanto, no tocante aos impactos ambientais, não temos dúvidas de que algo precisa ser feito urgentemente”, afirma o especialista, que há alguns anos estuda a presença de poluentes químicos nas águas que abastecem Campinas (SP) e região.

Além dos estrógenos naturais e sintéticos, o estudo de Jardim constatou a existência de interferentes endócrinos nos compostos usados para a fabricação de plásticos, como os ftalatos e o bisfenol A. Pesquisas desenvolvidas com animais em laboratório atestaram prejuízo ao desenvolvimento fetal, além de anormalidades nos órgãos reprodutores, a partir da exposição crítica às substâncias. Há evidência de que o bisfenol A tenha aumentado a suscetibilidade ao câncer de próstata em ratos adultos expostos ao composto logo nos primeiros meses de vida.

Concentração

Na opinião da especialista Mary Rosa Rodrigues, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), os interferentes endócrinos existem no planeta desde que o mundo é mundo. “A diferença é que, hoje, existe uma concentração muito grande de pessoas nas cidades, o que aumenta a quantidade de interferentes e dificulta o tratamento da água descartada, pois os hormônios não conseguem desaparecer por meio de processos naturais. São cargas altas e contínuas”, destaca. Segundo ela, até mesmo os hormônios excretados por fêmeas de mamíferos, como no caso da menstruação, por exemplo, podem ser nocivos.

A curto prazo, de acordo com Jardim, é preciso investir na tecnologia de remoção pós-tratamento do esgoto. “São inúmeras as tecnologias que se mostraram efetivas, em especial a dos processos oxidativos. A médio e longo prazo, porém, seriam necessários mais investimentos em tratamento de esgoto, um dever do Estado pouco praticado”, alerta o pesquisador da Unicamp. Jardim explica, ainda, que são necessárias mudanças na prática de venda e de disposição de fármacos. “Muitas vezes, o médico receita sete comprimidos de um determinado antibiótico, mas a indústria farmacêutica produz apenas embalagens com 12. Alguns órgãos recomendam que as drogas vencidas sejam dispostas em vaso sanitário, o que é incorreto. O ideal é que seja feita a devolução nas farmácias ou em locais específicas, para que o descarte seja realizado pelo próprio fabricante”, sugere.
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FONTE : Entrevista com a professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Mary Rosa Rodrigues. EcoDebate, 17/03/2010

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