ANTES QUE A NATUREZA MORRA
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sábado, 1 de julho de 2023
BID lança “Amazônia Sempre”, programa ‘guarda-chuva’ para ampliar a coordenação na região amazônica
Governadores do BID de países amazônicos apoiam o novo programa holístico para aumentar a ambição quanto ao desenvolvimento sustentável dessa região crítica
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) lançou hoje o Amazônia Sempre, um programa guarda-chuva holístico que tem o objetivo de ampliar o financiamento, compartilhar conhecimento estratégico para os tomadores de decisões e aumentar a coordenação regional para acelerar o desenvolvimento sustentável, inclusivo e resiliente da região amazônica.
O anúncio foi feito depois de uma reunião entre os Governadores do BID da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname. Os Governadores, que são ministros das finanças, economia, planejamento ou outros altos executivos, assinaram uma declaração conjunta em apoio ao novo programa. A criação do programa havia sido discutida entre eles anteriormente durante a Reunião Anual do BID no Panamá.
O Amazônia Sempre abordará as seguintes áreas prioritárias: população local; agricultura e silvicultura sustentáveis; bioeconomia; infraestrutura; cidades sustentáveis e conectividade. O programa terá como foco a promoção da inclusão de mulheres, povos indígenas, afrodescendentes e comunidades locais; clima e conservação da floresta e fortalecimento das capacidades institucionais e do estado de direito.
“Precisamos olhar com cuidado para todos os aspectos da região amazônica, com as pessoas e a natureza no centro de nossa abordagem. Temos múltiplas iniciativas de apoio à Amazônia. E o BID é o elo ideal para doadores e parceiros coordenarem seus esforços para a região. Aumentar nossa colaboração e ambição é fundamental para maximizar o impacto”, disse o presidente do BID, Ilan Goldfajn.
“É uma honra para nós ter o apoio dos nossos Governadores e estamos prontos para ampliar nosso trabalho atual. O Amazônia Sempre é um programa guarda-chuva que dá as boas-vindas a todos os parceiros comprometidos com o desenvolvimento sustentável da região amazônica”, acrescentou.
O programa terá uma abordagem em três frentes:
Uma plataforma para mapear recursos financeiros
Um mecanismo de preparação de projetos
Uma rede de ministros de Finanças e do Planejamento
A plataforma para mapear todos os recursos financeiros existentes dedicados à Amazônia, provenientes de países da região amazônica e outros doadores, será uma ferramenta que facilitará novos financiamentos e ajudará a orientar as decisões de políticas e investimentos.
O Amazônia Sempre também pretende criar um mecanismo de preparação de projetos para desenvolver planos de investimento para os territórios amazônicos e ampliar significativamente o pipeline de US$ 1 bilhão em projetos do BID já identificado para a região em 2023.
Também tem o objetivo de viabilizar e apoiar iniciativas conduzidas por outras instituições, redes e alianças que possam se beneficiar dos instrumentos financeiros, conhecimentos e mandato regional do BID.
Os Governadores do BID também estabeleceram uma rede de ministros das Finanças e do Planejamento e um grupo técnico, com o apoio do BID, que supervisionará o progresso e resultados do programa Amazônia Sempre em questões econômicas e financeiras, incluindo escala e financiamento, taxonomias conjuntas e instrumentos de financiamento inovadores. Esses esforços pretendem contribuir para as resoluções dos países amazônicos na Cúpula da Amazônia, a ser realizada no Brasil em agosto.
A região amazônica é essencial para os ecossistemas mundiais, sendo responsável por 40% da água doce da América Latina e pela regulação dos ciclos hidrológicos e de nutrientes do continente sul-americano. Dado o crescente consenso científico de que a Bacia Amazônica está se aproximando de um “ponto de não retorno” ecológico, há uma necessidade urgente de agir com determinação para implementar um novo modelo de desenvolvimento.
O BID vem trabalhando na região amazônica desde sua criação em 1959, investindo em desenvolvimento sustentável e agricultura sustentável, educação, desenvolvimento urbano, inclusão social e gestão fiscal, entre outras áreas. Atualmente, o Banco mantém uma equipe técnica multissetorial em cada país da Amazônia e tem uma Unidade de Coordenação da Amazônia dentro de seu Setor de Mudança Climática e Desenvolvimento Sustentável, que é responsável por coordenar o Amazônia Sempre.
Sobre o BID
O Banco Interamericano de Desenvolvimento tem como missão melhorar vidas. Estabelecido em 1959, o BID é uma das principais fontes de financiamento de longo prazo para o desenvolvimento econômico, social e institucional da América Latina e do Caribe. O BID também realiza projetos de pesquisa de vanguarda e oferece assessoria sobre políticas, assistência técnica e capacitação a clientes do setor público e privado em toda a região. Accese nosso tour virtual.
(BID/Envolverde)
Não à exploração de petróleo na foz do rio Amazonas: uma decisão acertada do Ibama
por Ricardo Young*, presidente do IDS Brasil –
Estamos vivendo um momento de extrema importância para o meio ambiente no Brasil. A recente decisão do Ibama, de negar licença ambiental para que a Petrobras explore petróleo na foz do Rio Amazonas, fez com que organizações da sociedade civil, como Ethos, Coalizão Brasil e IDS, começassem a se articular para se posicionar em relação ao tema, no sentido de fazer frente aos interesses econômicos do Ministério de Minas e Energia (MME), que chancela as intenções de exploração da Petrobras.
Se, de um lado, temos o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) apontando um conjunto de inconsistências técnicas – segundo parecer oficial do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho – que não garantem a segurança de uma região de extrema sensibilidade socioambiental, onde há Unidades de Conservação e grande biodiversidade marinha, além de proximidade com Terras Indígenas, de outro temos o MME e a Petrobras buscando acelerar as ações de desenvolvimento da margem equatorial, região com mais de 2.200 quilômetros, que se estende do litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte, próxima à Linha do Equador, e é apontada como uma nova fronteira petrolífera para o Brasil.
É muito importante, nesse momento, lembrar que, embora haja mecanismos de segurança para exploração do petróleo no mar, já testemunhamos acidentes horríveis em situações de profundidade, como o da British Petroleum (BP) no Golfo do México, em 2010. Ou mesmo o grande vazamento de óleo na costa do Nordeste, há cerca de quatro anos, impactando uma extensa área de litoral e prejudicando centenas de cidades e seus habitantes, sem que ficasse esclarecido se de fato o vazamento fora de um navio de outro país ou, ainda mais importante, se medidas jurídicas foram aplicadas aos responsáveis.
A HORA E A VEZ DA ENERGIA LIMPA
O segundo ponto de atenção é que estamos no momento oportuno, política e ambientalmente, de fortalecer a adoção de energia limpa. Para além das promessas de campanha eleitoral, cuja agenda ambiental ocupou lugar de destaque, o novo governo deve aproveitar também sua posição de liderança em recursos hídricos e continuar aprofundando sua exploração em fontes alternativas, como a eólica e a solar, onde o Brasil já vai bem. Hoje, os componentes de energia solar, que encareciam sua implantação, já baixaram muito de preço. A indústria automotiva, inclusive, também está investindo em produção de carros elétricos e, diante disso, existe uma real possibilidade de o preço do petróleo cair futuramente em função da diversificação de fontes de energia.
Vale considerar também a questão do investimento na exploração de petróleo.
Como justificar um investimento de alto risco para a costa brasileira e para a foz do Amazonas, diante do preço de petróleo que tende a cair e que, talvez, nem remunere o investimento? Vale investir nessa exploração com tamanho risco ambiental de consequências terríveis para o Brasil?
A justificativa do MME, da Petrobras e, especialmente, do Governo do Amapá – cujo senador, Randolfe Rodrigues, pediu desligamento da Rede Sustentabilidade por discordar da posição do partido, favorável ao Ibama, – me parece uma visão mesquinha por créditos e royalties do petróleo. Os royalties nunca foram sinônimo de questões sociais resolvidas. Pelo contrário, uma mirada histórica nos mostra que royalties, no Brasil, costumam aumentar as feridas da corrupção, trazendo mais problemas do que soluções.
Por todas essas razões, a decisão do Ibama é, no mínimo, prudente. Sabemos, desde a COP15 de Copenhagen, em 2009, que um dos princípios em relação ao meio ambiente é a precaução. Quando não se sabe quais os impactos do que pode ocorrer, todas as medidas preventivas possíveis devem ser tomadas. O parecer dos analistas da Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama é taxativo: “a decisão ocorre em função do conjunto de inconsistências técnicas apresentadas.” Decisão acertada e que requer argumentos mais sólidos e suficientes para tamanho risco que essa exploração pode acarretar. Seguimos atentos!
* Ricardo Young é empresário, sócio-diretor da CT&I e da Byocoin Serviços Ecossistêmicos, presidente do IDS, conselheiro na Synergia Socioambiental e em diversas organizações, palestrante internacional e pesquisador-convidado no programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP.
sexta-feira, 30 de junho de 2023
Masp inaugura exposições para marcar o ano das histórias
Por Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil – São Paulo –
Mostras discutem a diversidade e a complexidade da cultura indígenas
O Museu de Arte de São Paulo (Masp) inaugura nesta sexta-feira (30) três exposições para marcar o ano das Histórias Indígenas, tema que o museu escolheu para apresentar e discutir a diversidade e a complexidade dessas culturas.
A primeira dessas mostras reúne 721 objetos arqueológicos de arte produzidos por povos ameríndios entre os séculos 2 a.C. e 16. Chamada de Comodato Masp Landmann – cerâmicas e metais pré-colombianos, a exposição ocupa o segundo subsolo do museu e tem curadoria de Marcia Arcuri e assistência de Leandro Muniz.
É a segunda exposição dedicada ao comodato da coleção de Edith e Oscar Landmann, emprestada ao museu em 2016 por um período de dez anos. A primeira mostra dessa coleção apresentou um conjunto de tecidos que integrou a programação do museu em 2019, dedicada às Histórias das mulheres, histórias feministas.
São Paulo (SP), 30/06/2023 - Mostra Comodato MASP Landmann — cerâmicas e metais pré-colombianos, com curadoria de Marcia Arcuri e Leandro Muniz, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Mostra Comodato Masp Landmann – cerâmicas e metais pré-colombianos, no Museu de Arte de São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
À Agência Brasil, a curadora informou que nesta segunda mostra do comodato estarão em exibição objetos atribuídos a 35 culturas arqueológicas do continente americano, entre elas, peças nasca, inca, mochica, inchu, paracas e até marajoara, da Amazônia brasileira. Esses artefatos constituem um legado histórico e científico e foram construídos pelas antigas populações de regiões que hoje pertencem aos territórios do Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Panamá, México, Brasil e dos países caribenhos.
“Nesse tipo de trabalho sobre coleções, partimos dos conjuntos de objetos para o que sabemos sobre a história do continente no período que precedeu a invasão europeia. Mas não podemos atribuir as peças a uma determinada etnia ou um povo. Então trabalhamos com conceito de culturas arqueológicas. Nesse caso, a exposição reúne peças de 35 culturas arqueológicas, que é o nome que a gente dá para esses conjuntos estilísticos”, explicou Marcia Arcuri, curadora-adjunta de Arte Pré-colombiana do Masp. “A coleção realmente reúne um repertório bastante significativo do que a gente conhece desse passado pré-colombiano entre mais ou menos 1600 antes de Cristo até o século 16”.
De acordo com a curadora, a maior parte das peças são em cerâmica e provém de contextos funerários ou rituais de oferendas. “Mas há também artefatos feitos em metais como ouro e cobre dourado. E tem alguns objetos em ossos, conchas e, claro, peças que integram mais de um material”.
A mostra, segundo Marcia Arcuri, acontece em um momento em que o museu se dedica às histórias indígenas e o país discute o marco temporal, projeto que tramita no Congresso e impacta diretamente nos processos de demarcação de territórios indígenas. “É um movimento bastante amadurecido do museu, que vem apresentando uma série de mostras relacionadas a essa diversidade de protagonistas, de componentes e de noções a partir das quais temos que entender esse tecido social que é a cultura. Essa discussão vem em boa hora”, explicou. “Uma instituição como o Masp, trazer para o público brasileiro, que conhece muito pouco desse universo, a oportunidade de conhecer um pouco desse passado e o quanto ele fala de temas que estão tão presentes, é algo ímpar”, destacou.
A exposição Comodato Masp Landmann – cerâmicas e metais pré-colombianos fica em cartaz até o dia 3 de setembro.
São Paulo (SP), 30/06/2023 - Mostra Comodato MASP Landmann — cerâmicas e metais pré-colombianos, com curadoria de Marcia Arcuri e Leandro Muniz, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Mostra Comodato Masp Landmann – cerâmicas e metais pré-colombianos, no Museu de Arte de São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Sheroanawe Hakihiiwe
A segunda exposição aberta nesta sexta-feira apresenta obras do artista yanomami venezuelano Sheroanawe Hakihiiwe, entre desenhos, monotipos e pinturas produzidos sobre papéis artesanais, fabricados por ele por meio do uso de fibras nativas.
A mostra, intitulada Sheroanawe Hakihiiwe: tudo isso somos nós, será apresentada ao público até o dia 24 de setembro no primeiro subsolo do museu e tem curadoria de André Mesquita e do assistente curatorial David Ribeiro. O subtítulo da exposição Ihi hei komi thepe kamie yamaki [Tudo isso somos nós] foi uma sugestão do próprio artista para incorporar a diversidade de elementos que formam sua comunidade e seu entorno.
São Paulo (SP), 30/06/2023 - Mostra Sheroanawe Hakihiiwe: tudo isso somos nós, com curadoria de André Mesquita e David Ribeiro, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Mostra Sheroanawe Hakihiiwe: tudo isso somos nós, no Museu de Arte de São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
No total, a exposição apresenta um conjunto de 48 obras, muitas delas de grandes dimensões. Uma dessas obras, por exemplo, chamada de Oni Komi Thepe ou Grupo de Desenhos, é composta por 62 monotipias, que foram dispostas lado a lado e ocupam a parede final da exposição. “Isso está muito relacionado ao título que o próprio artista escolheu para dar nome à exposição, Tudo isso somos nós, que é uma noção de conjunto e de uma produção que está toda articulada e que expressa tudo aquilo que faz parte da identidade yanomami, principalmente relacionada com o ambiente e o espaço em que esse povo vive”, explicou David Ribeiro, à Agência Brasil.
“Hakihiiwe se expressa artisticamente desde a década de 90, depois que ele fez uma oficina de produção de papel artesanal com uma artista mexicana chamada Laura Anderson Barbata. Nessa oficina, ele e outras pessoas da comunidade aprenderam a fazer papéis de diversas fibras como cana, milho e algodão e fibras nativas como amoreira e, com isso, eles começaram a produzir materiais para divulgar coisas sobre a cultura yanomami”, informou o curador.
Ribeiro destacou que essa produção artesanal do artista entende o papel “como algo vivo”, o que acaba dialogando com a forma como seu povo entende a arte. “Não só para os yanomami, mas para a população indígena em geral, a arte sempre esteve relacionada ao corpo, nunca como algo externo”, explicou. “A ocupação dessa superfície do papel artesanal vivo tem relação com essa arte, que originalmente é transposta sobre a pele”, acrescentou.
Essa é uma das razões pela qual o artista opta por ocupar todos os espaços da folha, disse o curador, “assim como se faz com a pintura corporal que ocupa toda a superfície da pele”.
Para compor seus trabalhos, Hakihiiwe fica cerca de seis meses na floresta, observando a fauna, a flora e comunidades indígenas. “Ele vai desenhando isso em um caderno, faz estudos sobre essas formas e depois ele as transpõe para suportes materiais, em geral, papéis artesanais. Então, é um longo trabalho, bastante contínuo, que a gente entende como um verdadeiro inventário do patrimônio imaterial yanomami”, disse Ribeiro.
São Paulo (SP), 30/06/2023 - Mostra Sheroanawe Hakihiiwe: tudo isso somos nós, com curadoria de André Mesquita e David Ribeiro, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Mostra Sheroanawe Hakihiiwe: tudo isso somos nós, no Museu de Arte de São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
A obra desse artista é marcada pela memória oral e resgata as tradições ancestrais e os saberes cosmológicos de sua comunidade, localizada na cidade de Alto Orinoco, na Amazônia venezuelana. Por ser produzido sobre papéis artesanais, o trabalho enfrenta o tempo e discute, ao mesmo tempo, o papel da preservação dos materiais e também da cultura indígena.
“Acho que a principal discussão que existe, a partir dessa materialidade do suporte que ele utiliza, está relacionada a uma provocação para a sociedade não índigena em relação ao cuidado que se deve ter com aquilo que faz parte da identidade desse povo indígena e dos povos indígenas em geral. É uma reflexão bastante sofisticada sobre a perecibilidade”.
Sky Hopinka
Já na sala de vídeo do Masp são apresentados dois trabalhos de Sky Hopinka, que discutem sobre a identidade indígena contemporânea nos Estados Unidos. A curadoria é de María Inés Rodríguez, curadora adjunta de Arte Moderna e Contemporânea do Masp.
Sky Hopinka é um artista visual que, por meio de seu trabalho de vídeo, foto e texto, expressa a sua opinião sobre a paisagem e a terra indígena, utilizando de meios de comunicação pessoais, documentais e não ficcionais.
“Sky Hopinka é um artista bastante jovem e que começou a fazer filmes. Para ele é muito importante falar sobre sua identidade, sobre a identidade indígena contemporânea, sobre as tradições de sua comunidade e, ao mesmo tempo, sobre como essas tradições evoluíram e mudaram com o tempo. Então ele quer falar do mundo contemporâneo em que ele cresceu e em que ele vive e que se manifesta por meio de seus filmes”, explicou a curadora.
O primeiro vídeo é Kicking the clouds, onde o artista reflete sobre seus descendentes e ancestrais, guiado por uma gravação de áudio de 50 anos atrás de sua avó aprendendo a língua pechanga com sua mãe.
Já o segundo vídeo é Mnemonics of Shape and Reason, que percorre a memória de um lugar visitado pelo artista. Ele sobrepõe e remonta paisagens rochosas do deserto com uma trilha composta por textos e músicas, criando um relato rítmico das implicações espirituais da colonização.
Segundo a curadora, ambos os trabalhos são baseados na paisagem, na música e na linguagem, e traduzem as tradições e práticas ancestrais que sobreviveram aos sistemas de opressão. “Em seus filmes se nota como a presença da música é importante e também como representa as lutas contemporâneas por território e pela defesa da natureza. A música está sempre presente não somente contando uma história particular, mas também acompanhando as histórias que Sky quer compartilhar com o público”, disse.
São Paulo (SP), 30/06/2023 - Mostra Comodato MASP Landmann — cerâmicas e metais pré-colombianos, com curadoria de Marcia Arcuri e Leandro Muniz, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Mostra Comodato Masp Landmann – cerâmicas e metais pré-colombianos, no Museu de Arte de São Paulo – Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Em seus vídeos, o cineasta conta histórias que remetem à sua identidade e aos modos de vida indígenas, mergulhando profundamente em questões de sua origem por meio de narrativas autobiográficas que se comunicam diretamente com o público nativo, sem a obrigatoriedade de explicar o significado aos espectadores não nativos. A base de sua obra é a etnopoética, explicou a curadora.
“A etnopoética é uma referência tomada do escritor e tradutor Eliot Weinberger. Esse conceito evoca a ideia do sujeito que é filmado e decide tomar a câmara para filmar, expressar e dizer o que ele quer que os outros saibam dele. Ou seja, o sujeito decide ser aquele que fala por si mesmo”, disse.
“Os dois filmes têm uma estética muito especial para trabalhar a paisagem e a cor e combiná-las com o som e a música. Isso me pareceu muito poético e por trás disso há também um compromisso político importante porque ele conta sua história e a história da comunidade a que ele pertence e que se situa no contexto de opressão e repressão às comunidades indígenas nos Estados Unidos”, acrescentou.
A mostra Sala de vídeo: Sky Hopinka fica em cartaz até o dia 13 de agosto, no segundo subsolo do museu.
O Masp tem entrada gratuita todas as terças-feiras e todas as primeiras quintas-feiras do mês.
Outras informações sobre as exposições podem ser obtidas no site do museu.
(Agência Brasil/Envolverde)
Berço das águas, Cerrado recebe 600 mi de litros de agrotóxico por ano
Por Letycia Bond – Repórter da Agência Brasil – São Paulo –
Bioma tem pouco mais da metade da área reservada ao plantio de soja
Todo ano, são lançados 600 milhões de litros de agrotóxico no Cerrado, bioma que concentrava mais da metade (52%) da área reservada ao plantio de soja de todo o país, na safra 2020/2021, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Naquele período, o monocultivo de soja abrangia 38,5 milhões de hectares. Um hectare corresponde à área de um campo de futebol oficial.
Essa é uma das informações que constam do documento Vivendo em territórios contaminados: um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado, que compila trabalhos científicos sobre o assunto. O relatório foi elaborado pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e foi lançado nesta terça-feira (30), dois dias antes da audiência pública organizada pelo deputado Nilto Natto (PT-SP), com o tema Impactos dos Agrotóxicos em povos e comunidades tradicionais do Cerrado, que acontecerá às 10h desta quinta-feira (1º), na Câmara dos Deputados, no âmbito das atividades da Comissão de Meio Ambiente de Desenvolvimento Sustentável.
Entre os anos de 1985 e 2021, a extensão das lavouras de soja no bioma aumentou cerca de 1.440%, ocupando o equivalente a 10% de sua área. A soja é a cultura que mais tem demandado o uso de agrotóxicos. Mais de 63% desse tipo de produto vai para o plantio do grão. A forma como o agrotóxico é lançado é outro problema. Somente 32% do volume pulverizado atinge as plantas-alvo, enquanto 49% vão para o solo e 16% são dispersados pelo ar para áreas vizinhas à aplicação. O que se constata, portanto, é que a contaminação é expressiva.
Mariana Pontes, membro da equipe da secretaria-executiva da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que reúne mais de 50 organizações e movimentos sociais, alerta que, por trás do discurso de suposto desenvolvimento do bioma, que tem dado respaldo à presença cada vez maior de grandes empreendimentos, da pecuária intensiva e do agronegócio, há um modelo de exploração na natureza das comunidades que vivem na região. “E que traz muita violência, muita usurpação dos territórios e violação dos direitos humanos”, emenda.
“O Cerrado é uma das regiões mais biodiversas do mundo, chegando a abrigar 5% da biodiversidade do planeta. E essa biodiversidade, toda essa riqueza devido à permanência, ao manejo das paisagens, às lutas que vêm sendo travadas há tantas gerações pelos povos e comunidades tradicionais do Cerrado. O Cerrado existe e resiste hoje devido aos modos de vida, aos saberes tradicionais das comunidades indígenas, quilombolas, geraizeiras, quebradeiras de coco babaçu, raizeiras e várias outras comunidades”, acrescenta.
O que está em debate, além da oposição ao uso de agrotóxicos, é o protesto contra transgênicos e outras biotecnologias que possam colocar em risco as diversas formas de vida. A campanha reivindica, ainda, a criação de um projeto de lei (PL) que estabeleça a Polícia Nacional de Redução dos Agrotóxicos, que teria por função, paralelamente, o fomento a projetos de agroecologia.
As organizações que compõem e campanha fazem uma série de recomendações, conforme detalha Mariana, como a criação de um canal oficial para denúncias relacionadas ao uso de agrotóxicos e danos derivados dele; a proibição de pulverização aérea, consolidada, inclusive, no Ceará, por decisão do Supremo Tribunal Federal, há alguns dias; a revisão de parâmetros de contaminação da água, com a ampliação do número de agrotóxicos examinado; o fim da isenção fiscal de agrotóxicos; o endurecimento de ações de fiscalização; mais transparência do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), criado em 2001; a proibição de uso de agrotóxicos barrados em outros países; e a derrubada do PL 1.459/2022, conhecido como PL do Veneno. O PL recebeu críticas da Fundação Oswaldo Cruz e da Abrasco, que chegou a elaborar um dossiê alertando sobre o que o uso de agrotóxicos representa para o meio ambiente e a saúde.
Áreas plantadas
O estudo Projeções do Agronegócio, divulgado em julho de 2021, indica que, no Brasil, a área plantada com lavouras deve passar de 80,8 milhões de hectares, patamar da safra 2020/2021, para 92,3 milhões, em 2030/31. A principal responsável por essa expansão é a soja, com um total de 10,3 milhões de hectares. Atrás, vêm a cana-de-açúcar (mais 1 milhão) e o milho (2,1 milhões de hectares. Outras culturas deverão perder espaço, como a mandioca, o café, o arroz, a laranja e o feijão. “Sendo que a área do território é de 851,49 milhões de hectares, a área de lavouras deverá ocupar em 2030, 10,8% do espaço territorial”. Quem assina o levantamento é a Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em conjunto com a Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Sire/Embrapa) e o Departamento de Estatística da Universidade de Brasília (UnB).
A equipe de pesquisadores que assina o Projeções do Agronegócio também sublinha que as regiões Centro-Oeste e Norte são as que deverão ter os maiores aumentos relativos de produção e área e que, entre os estados do Norte, Tocantins e Rondônia deverão liderar a expansão da produção. O Cerrado abrange tanto estes dois estados como a região Centro-Oeste, os estados de Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Paraná, São Paulo e partes do Amapá, Roraima e Amazonas.
O pesquisador André Pereira, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) afirma que o processo pelo qual o bioma passa agora é também resultado de uma decisão de anos atrás, de se ocupar o centro do Brasil, “tanto é que se fez a construção de Brasília no Cerrado”. Ele explica que, antes, havia uma perda grande de solo, que foi sendo contornada com o aprimoramento de conhecimentos. Técnicas como a calagem, por exemplo, que consiste em aplicar no solo rocha moída, para corrigir o pH e garantir a nutrição devida de plantas, têm sido aliadas.
“A elevação da produtividade é algo muito importante para a gente reduzir a pressão sobre o bioma”, diz Pereira. “A gente espera que, daqui pra frente, nenhum hectare a mais, no Cerrado, seja desmatado para área de cultivos. Vamos avançar em produtividade e produção em áreas já cultivadas, pastagens degradadas. A ciência evolui justamente para isso, para que façamos agricultura em área de pastagem degradada. Nosso grande desafio, enquanto humanidade, é conservar esse resto de Cerrado que está presente, aumentar a produtividade nessas áreas que já são cultivadas e avançar também em produção em área de pastagem degradada.”
O estado atual do Cerrado exige um conjunto inadiável de ações, segundo a vice-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Maria do Socorro Lima. “A fauna e a flora se acabaram com o fogo, a derrubada e o uso indiscriminado de agrotóxico pelas grandes empresas. Essa é a verdade”, diz ela, que também integra a Rede Cerrado.
“O Cerrado e a Amazônia, eu digo que são um casal muito importante nas nossas vidas, porque um depende do outro. A Amazônia sem o Cerrado não é a Amazônia e nem o Cerrado sem a Amazônia é o Cerrado, O Cerrado precisa de chuva para juntar e estocar água. Da Amazônia nós precisamos porque é ela quem faz chover”, resume Maria sobre a dinâmica de interdependência que se estabelece, entre os dois biomas, na prática.
A Agência Brasil solicitou posicionamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre as medidas que têm adotado para controle dos agrotóxicos e sobre a liberação do uso de produtos proibidos em outros países e aguarda resposta. Os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura e Pecuária também foram procurados pela reportagem e também não deram retorno.
Edição: Kelly Oliveira
(Agência Brasil/Envolverde)
quinta-feira, 29 de junho de 2023
UM SISTEMA QUE IMPACTA EM TUDO
por Gilberto Natalini*, José Carlos Carvalho**, Marcus Eduardo de Oliveira *** –
A foto “Pálido Ponto Azul” foi feita há 30 anos pela sonda Voyager 1, a uma distância de cerca de 6 bilhões de quilômetros da Terra. Ela mostra nosso planeta como um ponto azul brilhante na vastidão do espaço, “preso” dentro de um raio de luz solar.
À luz do paradigma da modernidade ocidental, frente à facilidade com que são ultrapassados os limites da sustentabilidade, de uma verdade não podemos escapar: nunca estivemos tão perto do colapso socioambiental, um problema de primeira ordem que, cada um sabe, continua avançando. Para começo de conversa, isso implica dizer sobretudo que, entre o que a Terra nos oferece e o que consumimos (Pegada Ecológica da humanidade), geramos, com certa propriedade, um saldo ecológico negativo. Para piorar a situação, agora o consenso científico confirma a principal questão desse século: o aquecimento global, ou o aumento anormal da temperatura média no planeta.
De toda sorte, sejamos francos logo de saída: determinada pela ação antrópica, ao observar-se esses dois últimos séculos de intenso saque ecológico, não soa despropositado dizer que nosso antropocentrismo dominador produziu, até aqui, a mais danosa lista de riscos ecológicos conhecidos: extinção em massa de espécies, erosão de biodiversidade, fragmentação de habitats (especialmente em zonas tropicais), poluição químico-industrial1, aniquilação biológica, destruição da camada de ozônio, emissões de carbono, atmosfera poluída, ciclo de chuvas irregulares, crescimento do consumo e da descartabilidade, planeta plastificado.2
Em outros termos, o agir humano sem compromisso ambiental, herança da modernidade, ensina-nos que em toda a nossa história nunca havíamos provocado significativas alterações do ecossistema; tampouco havíamos agredido a natureza com agrotóxicos e com uma agricultura industrial poluidora. Sequer havíamos abalado os alicerces de todo o sistema vida. Nem mesmo chegamos perto de destruir tantos espaços vitais da natureza, a ponto de transformar boa parte da estrutura geológica (a face) da Terra, como estamos fazendo atualmente. Agora mesmo, enquanto um terço das terras aráveis do mundo estão improdutivas, foi constatado que três quartos do ambiente terrestre e 66% do ambiente marinho sofreram severas modificações, consolidando assim o que começamos a anunciar logo acima, o enorme déficit ecológico global.
1-queimada-na-floresta-amazonicaTriste constatação, serve de exemplo: (i) mais de 80 mil quilômetros quadrados de floresta desapareceram de nosso campo de visão nos últimos tempos – na verdade, em apenas 50 anos, da metade do século passado até o ano 2000, foram destruídas mais florestas do que em toda a história de evolução da humanidade; (ii) de 1980 para cá, metade da vida selvagem morreu3 – aliás, sobre isso, ninguém duvida que estamos liquidando com a biodiversidade planetária, produto de mais de 3,5 bilhões de anos de evolução; (iii) nossos mares continuam sobreexplorados pela sobrepesca, comprometendo 55% dos recifes do mundo; (iv) os mananciais da Terra (superficiais e subterrâneas), num nível cada vez mais degradado, secam em velocidade assustadora; (v) desde os anos 1960, o número de áreas marinhas pobres em oxigênio, segundo o Programa da ONU para o Meio Ambiente, vem dobrando a cada década;4 (vi), por fim, nos últimos 11 mil anos, segundo os especialistas, foi reduzida em 50% a biomassa da vegetação terrestre.
Ainda que de forma superficial, o que foi até aqui colocado se encaixa numa formulação direta: em geral, estamos produzindo riscos e ameaças cada vez mais insustentáveis que abalam a saúde e a segurança humanas.
Esses riscos, cabe breve esclarecimento, não são de agora, vem de longe. Desde 1970 para cá – os cientistas confirmam – dobramos nossa pegada ecológica. Fazendo um rápido recorte, isso quer dizer que a quantidade de natureza que a humanidade faz uso para manter seu insustentável estilo de vida, já excede em 50% a capacidade de regeneração e absorção do planeta. As emissões de gases de efeito estufa, referenciado problema estrutural, saíram de 1,28 ppm (partes por milhão), em 1970, para 2,4 ppm, na última década. Informação relevante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), aponta que desde a metade do século passado os eventos extremos (fenômenos climáticos e/ou meteorológicos fora dos níveis considerados normais) aumentaram de frequência na maioria das áreas terrestres conhecidas do planeta. A poluição do ar (quinto fator principal de risco de morte no mundo), sempre um problema global que tantas doenças lega à humanidade, responde atualmente por 16% das mortes no mundo todo.
E tem mais: desse momento atual até por volta de 2050, falando ainda de outra grave poluição, se não mudarmos nosso desastroso estilo de vida consumista, muito provavelmente haverá mais lixo plástico do que peixes em nossos oceanos, ameaçando severamente o equilíbrio trófico.
Moral da história, o que temos feito até aqui, em detrimento da biodiversidade, deixa evidente o que temos de pior: a falta de responsabilidade socioambiental, referência característica, por assim dizer, de nosso antropocentrismo dominador, força aliada de primeira hora da economia de quantidade, ideologia do crescimento, para ser preciso.
À primeira vista, observando a narrativa convencional, isso parece comprovar que não há limites de nenhum tipo, especialmente diante do capitalismo contemporâneo. Limites, sendo rigoroso na análise, soa em tom de heresia para os que direcionam os destinos do mundo moderno. Tanto que o recado do mainstream, nesse sentido, é bastante claro: obstaculizar o avanço da economia global, ou o incentivo ao crescimento ininterrupto, é ir contra à ideia consagrada de modernidade. Modernidade (?).
Devastar e ocupar de forma inadequada as APPs urbanas é um risco enorme para os serviços ambientais preciosos e à qualidade de vida das pessoas. Foto: Reprodução. Shutterstock
Seja como for, adaptada às sociedades industrializadas que guardam estreita referência de que o mundo moderno pode ser mais bem abastecido materialmente falando, a comunidade humana, aglomerado humano que em breve contará quase 9,5 bilhões de indivíduos, não cessa de idealizar a prosperidade e os avanços sociais como possibilidades de melhorar o padrão de vida atual. E mesmo sob o âmbito de ecossistemas finitos, o que significa ignorar as restrições ecológicas, ressoa forte a ideia-síntese de que sempre será preciso associar conforto e qualidade de vida à mais consumo material.
Pela ideia dominante, expandir o mercado de consumo se configura, ademais, na condição dada para qualificar (?) o padrão social. Em última análise, isso faz parte da influente narrativa de prosperidade, tão comum no seio da vida ocidental.
De modo direto, fica o alerta: diante do impasse atual, isto é, a par da crise ecológica em avançado estágio, tornou-se habitual medir sucesso e desenvolvimento (ou qualquer coisa equivalente a isso) pelos indicadores econômicos. Pelo sim, pelo não, isso quer dizer sobretudo que, se o PIB está crescendo, a vida social, por esse ângulo, vai bem.
Na linguagem mercadológica, importa precisar, o crescimento infinito (como se isso fosse, de facto, possível) se candidata ao objetivo maior do projeto civilizatório. Na realidade, desde há muito, soa como música aos ouvidos do capitalismo de compadrio (clientelista). E que fique claro: isso fere de morte o princípio de sobriedade. Não é que o crescimento econômico, vale aqui a ressalva, seja de todo ruim. Ninguém discute sua importância à macroeconomia convencional. O problema central, contudo, sempre é lícito esclarecer, é quando o crescimento (tornar a economia maior) ultrapassa (excede) os limites planetários. Logo, pelo olhar econômico, o quadro está justaposto: a preocupação primeira dos agentes econômicos não reside em qualificar (desenvolver) a economia, mas sim em quantificar (fazer crescer). Crescimento não tem nada a ver com desenvolvimento.
No detalhe: credora do vigente modelo que vive e sobrevive de aumentar quantidades e que, por isso mesmo, destrói o mundo verde, boa parte da humanidade, com dificuldade de aliviar a pegada ecológica, segue ignorando que a expansão do comércio global é fruto da mais expansiva invasão e exploração do mundo natural. Daí, alheia à preocupação ecológica, segue aumentando sua fé no crescimento crescente. Nesta altura, em uma primeira aproximação, supor isso significa ter a certeza de que a sociedade humana, por variadas razões, igualmente ignora que “a crise econômica e a crise ecológica”, como diz com sobras de razão Michael Löwy, professor emérito da École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris), “resultam do mesmo fenômeno: um sistema que transforma tudo – a terra, a água, o ar que respiramos, os seres humanos – em mercadoria, e que não conhece outro critério que não seja a expansão dos negócios e a acumulação de lucros”.5
Desdobramentos possíveis, sobram consequências: “no Antropoceno”, escreve John Bellamy Foster, “o capitalismo está criando fissuras antropogênicas nas espécies, nos ecossistemas e na atmosfera, gerando uma crise socioecológica”. Na sociedade capitalista, para além das falsas polêmicas, não paira dúvida de que, se mantido o ritmo atual, mais dificuldades serão criadas para o que mais importa alcançar, a sustentabilidade ambiental. Sustentabilidade, desafio que permanece em construção, é, antes de tudo, valor relacionado ao princípio da resiliência e a resposta mais curta à crise da modernidade.
Numa avaliação preliminar, talvez pela instabilidade ambiental que continuadamente produz e reproduz rupturas que abalam as condições de sustentabilidade na Terra, os desafios ecológicos essenciais colocados à humanidade consistem basicamente em dois flancos diretos: primeiro, cuidar do único habitat de que dispomos (procurando mitigar as mudanças climáticas e o colapso da biodiversidade) e; segundo, evitar o avanço da destruição dos meios de vida, cada vez mais tangíveis.
Todavia, em tudo isso há aí um problema-base a ser resolvido: para responder a construção de nossa vida social, nossa espécie não hesita em enfatizar o desempenho da economia de produção, e se afasta assim da busca da sustentabilidade. Ao desorganizar-se os sistemas ecológicos globais, mais “a estupidez social e ambiental que provocamos”, parafraseando o ambientalista uruguaio Eduardo Gudynas, “condena toda a vida”.
Traço principal, é preciso dizer algo mais: seduzidos pela lógica da economia (mais negócios, mais especulações, mais quantidades) enxergamos a economia produtiva (digno de nota: a atividade humana já explora num ritmo insustentável mais de 100 bilhões de toneladas de materiais) como a solução do mundo. Resultado? Dado um conjunto de decisões econômicas, colocamos na rota do perigo o futuro do planeta, das espécies e, claro, da própria sustentabilidade. Em larga medida, esquecidos de que o planeta é finito, a crise da modernidade (fratura socioambiental talvez seja o termo mais apropriado), cada vez mais intensificada, exige de todos nós profunda reflexão acerca de nossas relações com a ideia de futuro que projetamos, com a Natureza (matriz de tudo, eixo da vida) e com as formas de vida que nela se encontram.
E como boa parte das ações antrópicas têm crescido além de nossa capacidade de sustentação, acelerando assim a degradação do planeta, ao menos uma certeza tem sido bem acolhida: é tempo de reagir, começando por mudar radicalmente a economia real, isto é, o modelo (predatório) que aí está e sua gestão (sem responsabilidade socioambiental, para falar o óbvio) capitalista do planeta.
Dito em breves linhas: a partir de outra postura política, construir um novo e promissor modelo de desenvolvimento – longe da lógica dominante do eterno crescimento – pensando numa sociedade sustentável com base biológica estabilizada, se converte, a rigor, no grande desafio desses tempos atuais. É isso o que nos espera.
(*) Gilberto Natalini é médico cirurgião, vereador por cinco mandatos na Câmara Municipal de São Paulo. Foi Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente (2017) e candidato a governador do Estado de São Paulo, pelo Partido Verde (2014).
(**) José Carlos Carvalho é engenheiro florestal, graduado pela UFRRJ. Doutor Honoris Causa, pela Universidade Federal de Lavras. Foi Secretário Executivo do MMA e Ministro de Estado do Meio Ambiente do Brasil no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi um dos fundadores do IBAMA , no qual exerceu os cargos de diretor e presidente, além de Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais.
(***) Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo – USP (2005). Autor de Economia Destrutiva (CRV, 2017) e Civilização em Desajuste com os Limites Planetários (CRV, 2018), entre outros.
(Envolverde)
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Notas:
Vale notar: especialmente a produção de produtos químicos, seguindo de perto à análise do Centro de Resiliência de Estocolmo, aumentou 50 vezes, desde a metade exata do século passado.
Desde meados do século passado, estima-se que tenha sido produzido 8,9 bilhões de toneladas de plástico em todo o mundo, sendo que dois terços desse total, 6,3 bilhões de toneladas, viraram lixo.
No detalhe: não se trata apenas dos animais não domesticados, mas também das plantas e de outros organismos que crescem e vivem em ambientes dito selvagens.
Os especialistas falam em, pelo menos, 700 áreas em todo o mundo em que o oxigênio está em níveis declaradamente perigosos.
5. Ver “Crise ecologica, crise capitalista, crise de civilização: a alternativa ecossocialista”. Disponível em:
Glossário Ilustrado da Justiça Climática será lançado em evento que discute impacto dos Grandes Poluidores na Amazônia
Publicação em versão trilíngue é fruto de parceria da ArvoreAgua com a Plataforma Latinoamericana Pela Justiça Climática e campanha Que os Grandes Poluidores Paguem
Como funcionam as COPs e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima? O que quer dizer emissão Net Zero? O que significa esse tal de BECCS e essa sigla REDD? Por que o tal mercado de carbono e mecanismos de compensação não diminuem a emissão de gases de efeito estufa? O que é maquiagem verde? Como tem acontecido essa captura corporativa em espaços de tomadas de decisão? Em dois anos, o Brasil vai sediar a COP30 na Amazônia e os povos da floresta precisam se apropriar de vocabulário técnico usado nesses grandes encontros para não serem enganados e garantirem seu espaço de participação e direito a voz.
Desde o ano passado, o projeto ArvoreAgua, em parceria com a Plataforma Latinoamericana de Justiça Climática e campanha “Que Os Grandes Poluidores Paguem”, começou a ilustrar, semana a semana, termos dessa retórica obscura para aqueles que não estão familiarizados com essa linguagem cheia de jargões, tampouco com o funcionamento interno das negociações internacionais.
São 43 termos ilustrados em versão trilíngue (português, espanhol e inglês). Nossa meta é fazer essa ferramenta chegar nas mãos de todos os movimentos sociais e lideranças comunitárias. No lançamento, 100 livros serão distribuídos em Santarém, durante evento organizado pelo Instituto Sebastião Tapajós com o NIERAC do Ministério Público do Pará, em parceria com o projeto Luz e Ação da Amazônia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Coletivo de Mulheres Indígenas as Karuana e Instituto Cabana Tapajós.
Para Jackson Fernando Rego Matos, pesquisador e professor de estudos amazônicos da UFOPA, “precisamos estar articulados e fortalecidos para que o povo local, suas populações e comunidades tradicionais estejam suficientes e organizados para serem protagonistas da própria história. É fundamental se ouvir e dialogar sobre os problemas e soluções da Amazônia a partir da própria sociedade civil de base”.
A liderança indígena Vandria Borari, da Associação Kuximawara de Alter do Chão, explica que efetivamente é o povo indígena que preserva a floresta há milhares de anos sem essas falsas soluções. “O Glossário Ilustrado da Justiça Climática possibilita uma compreensão de forma simplificada sobre as falsas soluções propagadas pelo Norte Global ao Combate às Mudanças Climáticas que são discutidas nos encontros internacionais sobre o Clima.”
Link do livro:
www.arvoreagua.org
www.instagram.com/arvoreagua
(#Envolverde)
Cadeia produtiva do cacau da Terra do Meio é fonte de renda de famílias ribeirinhas
por Equipe Synergia –
A Agência Envolverde e a Synergia Socioambiental fizeram uma parceria editorial para levar aos leitores artigos, reportagens e estudos de alta qualidade técnica realizados pela Equipe Synergia.
A cadeia produtiva do cacau da Terra do Meio é uma das principais frentes do Projeto Redes do Médio Xingu, desenvolvido pela Synergia, com o objetivo de apoiar a geração de renda das famílias ribeirinhas da Estação Ecológica Terra do Meio, que é uma extensa área protegida no Pará.
A cacauicultura apoiada pela Synergia é feita por meio de assistência técnica e extensão rural (ATER), com base em técnicas agrícolas, saberes tradicionais e arranjos produtivos, que auxiliam desde o plantio até o escoamento do cacau e a busca por acesso ao mercado de cacau.
O Projeto Redes do Médio Xingu apoia um modelo produtivo baseado em sistemas agroflorestais, sem agredir o meio ambiente. Isso acontece porque é uma agricultura que captura, em média, 16 toneladas de carbono por hectare, ao ano.
Além disso, o plantio do cacau é feito em conjunto com outras espécies, como copaíba e andiroba, que promovem sombra ao cacau e maior circulação da fauna local pela cacauicultura. Também é utilizado o cacau híbrido, que possui maior resistência, pois é cultivado com diversas variantes do cacau. Tais fatores agregam valor ao cacau produzido.
A cadeia produtiva do cacau é uma grande oportunidade de geração de renda para as famílias da Esec Terra do Meio. De acordo com a Comissão Executiva de Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), uma família consegue cuidar, em média, de uma área de 5 hectares de cacau, o que corresponde a 5 mil pés da cultura. Com cada pé produzindo cerca de 1 kg ao ano, é possível colher até 5 toneladas de cacau.
Quem faz parte da cadeia produtiva do cacau da Terra do Meio
Para além do cultivo, é importante conhecer a história das famílias que fazem parte da cadeia produtiva do cacau da Terra do Meio e que, muitas vezes, se cruzam por laços de sangue. Além disso, trata-se de uma forma de compreender a realidade da floresta, que depende do respeito humano para se manter viva.
Conheça as famílias produtoras do cacau da Terra do Meio:
Domingas e Raimundo Nazário
O casal Domingas e Raimundo vive em Império Sorriso Bonito, às margens do Rio Iriri. No começo da assistência técnica, Raimundo parecia desconfiado, dava a entender que não estava muito de acordo com o que ouvia. Mas, por ter muito conhecimento da roça, do solo e do ambiente ao redor, entendeu rapidamente as instruções e pegou o jeito do cacau.
Os 2.700 pés plantados crescem com vigor em Sorriso Bonito, o império dos otimistas Raimundo e Domingas, e devem gerar 250 quilos de colheita.
A colheita do casal Domingas e Raimundo deve chegar a 250 quilos. Foto: Synergia
Marilene e Rosinaldo Gomes
Rosinaldo e Marilene têm 5 mil pés de cacau plantados em sua lavoura. Rosinaldo é filho de Raimunda Gomes, a moradora mais idosa da Esec Terra do Meio. A família Gomes cultiva sua roça com apreço aos detalhes e seguindo as orientações técnicas que recebem para aplicar em seus 5 mil pés plantados. A previsão é colher cerca de duas toneladas de cacau.
Marilene e Rosinaldo esperam colher duas toneladas de cacau da Terra do Meio. Foto: Synergia
Benedito Gomes (Benê)
Benê também é filho de Raimunda Gomes. Sua roça fica mais distante da beira do rio, a cerca de 2 km por um caminho que, na estação chuvosa, se percorre de canoa mata adentro.
Sua roça é nova, tem cerca de dois anos, e Benê está animado para fazer novos plantios com as técnicas de sombreamento que aprendeu nas sessões de assistência técnica. Benê tem se dedicado bastante ao cacau e tem expectativas de ótima colheita esse ano.
Benê está animado para fazer novos plantios com as técnicas de sombreamento. Foto: Synergia
Cleonice e José Gomes
José Gomes, conhecido por Zé Boi, é a principal referência entre os moradores da Esec Terra do Meio. Seu apelido deve-se à sua força física, capaz de carregar grandes quantidades de castanha.
Zé Boi e sua esposa, Cleonice (Nicinha), inspiram os moradores e moradoras da região pela disposição em aprender e investir em sua roça, cuidando do futuro de seus filhos, noras e netos/as que vivem ao redor de sua propriedade, hoje com 9 mil pés de cacau e uma expectativa de colheita de 2,5 toneladas em 2023.
Cleonice e José Gomes tem expectativa de colher 2,5 toneladas do Cacau da Terra do Meio. Foto: Synergia
Naldo e Francisca
Naldo e Francisca fazem parte da família de Zé Boi e Nicinha. Francisca herdou a capacidade de trabalho de seu pai e sua mãe e inspirou o marido, Naldo, que possui talento também de carpinteiro. Naldo é constantemente chamado para construir barcaças e cochos para a produção do cacau.
Sua roça cacaueira não é das maiores, tem cerca de 3.500 pés plantados, mas sua expectativa de colheita para 2023 é otimista: 250 quilos de Cacau da Terra do Meio.
Naldo e Francisca esperam colher 250 quilos de cacau, em 2023. Foto: Synergia
Maria e Roberto Gomes (Tijubina)
Maria e Tijubina são considerados/as os/as maiores entusiastas da cultura do cacau na Esec Terra do Meio. Não é raro encontrar Tijubina vendendo seus sacos de farinha e de milho para gerar renda e investir na cultura do cacau, pois vê nela a oportunidade de melhorar as condições de vida de sua família.
O casal tem 5 mil pés de cacau plantados e um planejamento consistente para aumentar sua colheita ano a ano.
Casal tem 5 mil pés de cacau da Terra do Meio. Foto Synergia
Chiquinha e Zé Mineiro
Chiquinha costuma receber o técnico da Synergia sempre com bom humor: “que bom ter você aqui, homem de Deus”, diz ela já listando suas dúvidas sobre a plantação. A roça cacaueira de Zé Mineiro e Chiquinha guarda memórias dos tempos da matriarca, Maria, que já se aventurava na cultura do cacau mesmo antes da implantação da cadeia produtiva.
Atualmente, Zé Mineiro e Chiquinha têm 4 mil pés de cacau plantados e uma expectativa de safra de 250 quilos em 2023.
Chiquinha e Zé Mineiro têm 4 mil pés de cacau da Terra do Meio. Foto: Synergia
Tica e Edson
Tica e Edson cuidam juntos/as de sua roça de cacau e aproveitam cada segundo da assistência técnica para tirar dúvidas e entender o processo. Tica gosta de lembrar que, no início, resistia ao uso da técnica de poda do cacau, pois “dava dor no coração”. Depois, ao ver como a planta reagia às podas, mudou de opinião e entendeu que era para o bem de sua roça.
Este ano de 2023, o casal está com expectativa de que seus 5 mil pés plantados gerem uma safra de cerca de 400 quilos de Cacau da Terra do Meio.
Tica e Edson têm grande expectativa para a colheita de 2023. Foto: Synergia
Próximos passos da cadeia produtiva do cacau
A colheita e o escoamento são os próximos passos da cadeia produtiva do cacau e, como apoio, a Synergia custeará o frete para locomover toda a produção da safra que irá para o paiol da cantina da Esec Terra do Meio.
Para acompanhar as novidades da cadeia produtiva do cacau e outras frentes do Projeto Redes do Médio Xingu, não perca as notícias da Synergia.
*Artigo publicado originalmente por Synergia Socioambiental.
(Envolverde)
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