Como um iceberg, o Brasil tem uma parte visível, acima da linha do noticiário, e outra parte que não se vê, mas pode-se imaginar o tamanho. O escândalo da vez é uma história rocambolesca, com personagens próximos do poder político, que denunciam a superficialidade da “faxina” feita no início deste ano.
Ainda se discute os resultados do julgamento do “mensalão” e ouvem-se os ecos da guerra urbana em SP e SC. Em silêncio e submersas, outras guerras continuam.
Na semana passada, lemos na internet, estarrecidos e indignados, a carta do pesquisador em saúde pública Luiz Carlos Meirelles, gerente-geral de toxicologia da Anvisa, que denunciou irregularidades na liberação de agrotóxicos não avaliados, desaparecimento de processos e até falsificação de sua assinatura. Recebeu, como resposta, sua exoneração.
A “flexibilização” das regras para agrotóxicos vai no mesmo rumo do fim da exigência de rotulagem para os transgênicos, que a chamada “bancada ruralista” quer votar na Câmara. Juntam-se ao esvaziamento do Ibama e demais órgãos de controle, às barreiras para a criação de novas terras indígenas, à desfiguração do Código Florestal e a todas as iniciativas de abolir direitos da população sob pretexto de “remover barreiras” aos negócios. Removem-se as barreiras aos negócios no curto prazo e, em barreiras, os negócios ao longo do tempo, por falta de compromisso com o futuro do país, inteligência e visão.
Abaixo do visível, as tragédias das comunidades. No início deste mês, a aldeia munduruku (AM) sofreu com os excessos de uma ação policial que resultou no assassinato de um índio e em agressões generalizadas. A violência no Brasil rural não é menor que nas grandes cidades.
Há momentos em que o mundo parece explodir, porém, é só uma agitação na superfície. Mas as crises atuais provêm de regiões mais profundas. O declínio econômico da Europa não é só uma fase passageira com a qual se possa jogar nas Bolsas de Valores. Os desastres do aquecimento global não são oportunidades de melhoria nos preços das commodities. São emergências que comprometem o futuro do planeta, das quais não haverá como tirar dividendos.
Da mesma forma, as crises brasileiras, acima e abaixo da linha de visibilidade, nos desafiam a um salto de consciência. Devemos aproveitar as festas de fim de ano para refletir, meditar, encontrar novos rumos. Sem interromper a luta, que está longe do fim, contra a locomotiva de retrocessos, que levam à devastação.
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FONTE : * Marina Silva é ambientalista, ex-senadora, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata à Presidência da República em 2010.
** Publicado originalmente no site Folha de S. Paulo.
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