Audiência pública na última sexta reforça a fragilidade dos estudos
de impacto ambiental da usina e destaca que empresas interessadas na
obra estão sendo investigadas pela operação Lava Jato
Mais de 500 pessoas lotaram na sexta-feira passada, 29 de janeiro, o
auditório da audiência pública organizada pelo Ministério Público
Federal (MPF) em Santarém, no Pará, para debater os impactos ambientais e
sociais dos projetos de aproveitamento hidrelétrico do rio Tapajós, com
destaque para a Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.
A população presente ouviu lideranças indígenas, entidades não
governamentais, cientistas e pesquisadores. Um grupo de estudantes da
UFOPA chegou a pedir a transferência da audiência para outro local uma
vez que muitas pessoas ficaram do lado de fora por falta de espaço.
Mesmo com altíssimo interesse da sociedade, o governo fugiu do debate:
convidados pelo MPF, a Eletrobrás, Ibama, ICMBio, Ministério do Minas e
Energia e Fundação Nacional do Índio (Funai) não mandaram
representantes.
Para Luis Boaventura, Procurador da República e mediador da
audiência, as ausências apenas reforçam como governo vem atropelando o
processo de licenciamento da Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, além
de ser conivente com empresas investigadas por corrupção. Segundo o
procurador, oito de nove empresas interessadas no processo de
licenciamento são alvos diretos da Operação Lava Jato da Polícia
Federal.
“O Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) é uma peça de marketing que
não revela os reais impactos da hidrelétrica. Os estudos são frágeis e
devem ser refeitos”, defendeu à mesa Ricardo Baitelo, da campanha de
Clima e Energia do Greenpeace Brasil. No ano passado, o EIA/RIMA do
projeto foi fortemente criticado pelo Greenpeace, que expôs em um relatório inúmeros erros e graves omissões.
Neurologista do Hospital Regional de Santarém, o doutor Erik Jennings
destacou que a construção de hidrelétricas no Tapajós pode contribuir
para elevar o grau de contaminação mercurial da cadeia alimentar da
região, o que afetaria milhares de pessoas ao longo do rio que dependem
dele para sobreviver.
Outros riscos eminentes envolvem a destruição de cemitérios
indígenas, sítios arqueológicos e lugares sagrados às populações locais,
como a Terra Indígena (TI) Sawré Muybu, do povo Munduruku, causando o
que a arqueóloga Bruna Rocha classificou de “invalidação cultural”.
“Nós sabemos que a barragem vai trazer dor e sofrimento para meu
povo, vai trazer muita doença. Nós estamos sofrendo muito. Eu não estou
defendendo só meu povo, mas todo o povo do Brasil”, declarou o Cacique
Geral do Povo Munduruku, Arnaldo Kabá Munduruku. Os Munduruku temem que
7% da TI Sawré Muybu seja inundada pelo reservatório de São Luiz do
Tapajós.
Assessor jurídico do MPF, o advogado Rodrigo Oliveira denunciou o
descumprimento das determinações judiciais que condicionam o
licenciamento à realização da Consulta Livre, Prévia e Informada das
comunidades tradicionais diretamente impactadas. “O governo queria
consultar 13 mil Munduruku em três meses. Os Munduruku não aceitaram em
tão pouco tempo. O governo, então, afirma em documentos oficiais que os
índios não querem ser consultados”.
Célio Bermann, professor do Instituto de Energia e Ambiental da
Universidade de São Paulo (USP), também foi taxativo em sua
participação: “o Brasil não precisa das usinas hidrelétricas no
Tapajós”. Segundo ele, apenas 22% da energia nacional vai para o setor
residencial, ou seja, na prática o que vai para a população é muito
menos.
Já ao fim da audiência, o Secretário de Meio Ambiente de Santarém,
Podalyro Neto, anunciou que a prefeitura da cidade solicitará à Justiça
Federal medida liminar que impeça o Ibama de emitir parecer sobre o
EIA/RIMA de São Luiz do Tapajós até que sejam realizados estudos mais
aprofundados sobre os impactos à jusante da obra.
Um documento assinado pelo prefeito e pelo secretário formalizando o
pedido foi entregue ao Procurador Boaventura. O texto cita o estudo do
Greenpeace sobre o licenciamento ambiental da obra: “A pedido do
Greenpeace, um organização formada por nove pesquisadores, referências
em suas áreas de atuação, concluíram que o EIA deveria ser rejeitado
pelo órgão licenciador, pois não cumpre com o dever de avaliar a
viabilidade ambiental do projeto. Segundo os estudiosos, os documentos
apresentados minimizam ou omitem impactos negativos graves decorrente da
obra”.
Com custo previsto em 32 bilhões de reais, a Usina Hidrelétrica de
São Luiz do Tapajós alagará sozinha 729 km2 de floresta. “O projeto do
Tapajós pode potencialmente ser a usina mais cara do país, considerando
os sobrecustos não mensurados dos impactos socioambientais”, defendeu
Baitelo. Levando em conta as sete hidrelétricas planejadas para o rio
Tapajós, uma área do tamanho da cidade de São Paulo seria inundada.
Para Ricardo Baitelo, o Brasil pode se desenvolver sem a necessidade
de destruir a Amazônia com a construção de hidrelétricas. “A energia
solar deve se tornar a fonte mais barata de todas em um futuro proximo e
derrubar o argumento de custo baixo das hidreletricas”, aponta.
Nota do Greenpeace Brasil, in EcoDebate, 03/02/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário