Parana Marcela ValenteIPS TERRAMÉRICA   Mexilhão asiático invade o Cone Sul
Uma embarcação cruza o Rio Paraná entrando no Porto de Rosário. Foto: Marcela Valente/IPS
Aproximadamente, três mil espécies se deslocam pelo planeta a cada dia com a água de lastro dos navios. Podem ser vírus, bactérias, algas ou invertebrados, mas apenas uma pequena porcentagem se converte em invasora.
Buenos Aires, Argentina, 9 de julho de 2012 (Terramérica).- A maioria dos governos da bacia do Rio da Prata fazem pouco ou nada para frear a invasão do mexilhão dourado, que está causando impactos com enormes custos econômicos. O Limnoperna fortunei, um bivalves de água doce, não comestível e originário de rios e riachos da China e do sudeste asiático, viaja como clandestino desde a Ásia na água de lastro dos navios cargueiros transoceânicos. Chegou à região do Prata em 1991. Sem predadores locais, o mexilhão adaptou-se ao Cone Sul americano e em 20 anos se reproduziu em ritmo acelerado e se expandiu pelos rios Paraná, Uruguai e todos seus braços até a cidade de São Paulo.
O biólogo Gustavo Darrigran, diretor do Grupo de Pesquisa sobre Moluscos Invasores, da Faculdade de Ciências Naturais e Museu da Universidade Nacional de La Plata, explicou ao Terramérica porque sua presença “é uma invasão”. Uma “espécie estrangeira é aquela que foi introduzida de maneirai intencional ou não e que fica no lugar de entrada. Uma espécie invasora é a que se naturaliza no novo ambiente, espalhando-se rápida e amplamente”, detalhou.
Darrigran, que registrou o surgimento dos primeiros indivíduos em 1991, ressaltou que a invasão “provoca impactos tanto no ambiente natural como no ser humano”, e, no entanto, a preocupação dos governos da região por esses danos “é parcial”. O mexilhão adere a qualquer superfície dura, natural ou artificial, e forma colônias que entopem tubulações e filtros de sistemas de água potável, de refrigeração de indústrias, centrais elétricas e canais de irrigação, e afetam a navegação, o turismo e a pesca.
“Percorre contra a corrente cerca de 240 quilômetros por ano, uma velocidade enorme considerando que vive fixo a qualquer assento duro disponível”, alertou o biólogo. Apenas três anos depois de detectado, o mexilhão entupiu a entrada de água e a estrutura de concreto de uma estação potabilizadora em Bernal, sul de Buenos Aires, o que obrigou à realização de uma limpeza mais frequente e cara, contou Darrigran.
No começo do milênio, o molusco viajante já havia chegado ao Pantanal boliviano-brasileiro. Mais tarde causou dificuldades na represa argentino-paraguaia de Yaciretá e na brasileiro-paraguaia Itaipu, ambas no Rio Paraná. E também está instalado na central argentino-uruguaia de Salto Grande, no Rio Uruguai.
Em Yacyretá, onde foram encontrados cerca de 248 mil indivíduos por metro quadrado, segundo o biólogo, as câmeras da represa estavam forradas de mexilhões dourados, os filtros das tubulações obstruídos e algumas máquinas pararam por superaquecimento. “Fala-se que a parada não programada de uma hidrelétrica de grande escala causa perda de US$ 450 mil por dia. A limpeza de cada unidade demora três dias. E em cada represa há 20 unidades”, observou Darrigran.
Entretanto, esta proliferação parece ter pouco impacto nos governos. “Há países que nada fazem. Outros que fazem com boas intenções ou para aparecer, mas nos dois casos fazem mal e de forma incompleta”, alertou o biólogo. Em busca dessa reação, o advogado ambientalista Enrique Zárate, presidente do Instituto de Direito Ambiental do Colégio de Advogados da cidade de Rosário, coordenou uma pesquisa sobre o impacto da invasão do mexilhão e a apresentou em maio ao Defensor do Povo da Nação, cobrando medidas.
A Defensoria aceitou a proposta e neste mês informou a Zárate que está investigando o caso. “Pediram informações à Prefeitura Naval e ao Ministério de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e vão estudar os prejuízos econômicos que causa”, contou o advogado ao Terramérica. “É um bom sinal que comecem a encarar estudos econômicos porque este mexilhão tem capacidade de frear estações potabilizadoras de água, centrais elétricas e fábricas”, destacou.
Darrigran acredita que para obter resultados é preciso “conscientizar a sociedade, para que exija dos governos da região uma ação coordenada e sustentável”. Também é preciso fomentar a pesquisa sobre medidas de prevenção e controle e habilitar centros de gestão encarregados de realizar essas tarefas a partir do Estado, mas de forma independente das mudanças de governo, recomendou.
É impossível erradicar esta espécie invasora, mas pode-se conviver com ela sob um rígido controle que desacelere sua reprodução e dispersão. “Queremos que o Estado tome consciência do problema, que reaja, e que exista um controle rígido porque remediar é muito difícil”, destacou Zárate.
De acordo com o grupo de pesquisa liderado por Darrigran, cerca de três mil espécies se deslocam pelo planeta diariamente com a água de lastro, um fenômeno incentivado pela globalização do comércio. Podem ser vírus, bactérias, algas ou invertebrados. Apenas uma pequena porcentagem se converte em espécie invasora, como o mexilhão de água doce.
A Limnoperna altera a biodiversidade da região, deslocando espécies nativas como os caracóis Heleobia piscium e Gundlhachia concentrica, que agora são “acidentais”, segundo Darrigran. As colônias do molusco grudam no casco de navios e de embarcações pequenas e inclusive chegam à terra em reboques até locais afastados da água, onde também são encontrados. Dessa forma, supõe-se, chegou ao lago argentino de Embalse, na província de Córdoba, que fica junto à Central Nuclear de Embalse. A magnitude do problema foi constatado quando o mexilhão obstruiu o sistema de refrigeração do reator da usina.

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FONTE : * A autora é correspondente da IPS.